top of page

UMA VISÃO REFORMADA DO EPISCOPADO

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Padre Jorge Aquino.

Não se tem dúvida do fato de que “A tradição reformada algumas vezes tem convivido em harmonia com as comunidades episcopais. No século XVI, muitos bispos e mesmo arcebispos ingleses eram calvinistas ou reformados em sua teologia” (LEITH, 1997, p. 269). O mesmo ocorreu com inúmeros líderes reformados na Escócia durante os séculos XVI e XVII e, como o próprio Leith nos indica, “Hoje, a Igreja Reformada Húngara tem bispos com autoridade administrativa, mas sem qualquer importância teológica” (LEITH, 1997, p. 269). Ao que parece, tanto o episcopalismo quanto o presbiterianismo têm encontrado um espaço garantido dentro da teologia reformada, muito embora a segunda forma de governo tenha se notabilizado mais dentre os pensadores oriundos da Reforma.

Depois das lutas envolvendo a revolução puritana na Inglaterra, ambos os grupos fizeram um acordo eclesiástico no qual “a evidência é de que a ordenação pelo presbitério e pelo bispo era mutuamente reconhecida. Após 1662, paulatinamente, o bispo passou a ser visto como necessário para a ordenação e para a existência da igreja” (LEITH, 1997, p. 269). Após esse momento, a doutrina da sucessão apostólica assumiu contornos bem mais fortes, associado ao episcopalismo.

Muito embora os documentos clássicos da teologia reformada – e aqui me refiro mais especificamente a Calvino -, sejam compatíveis com um episcopado formal, conforme indica Leith, eles são incompatíveis com um episcopado teológico. Não existe dúvida de que a forma de governo eclesiástico adotado por Calvino bem poderia incluir o episcopalismo. Sabemos que ele gastou um certo tempo para discutir o tema nas Institutas e que lá, ele se referia à “forma de governo da igreja primitiva utilizada antes do papa”. Este tema, de per si, já é bastante revelador. Mas o que ele vai dizer é bastante significativo para os estudiosos do tema. Ouçamos a voz do reformador de Genebra: “Chamam eles presbíteros a quantos tinham o ofício de ensinar. Estes elegiam um de sua companhia em cada cidade, ao qual davam especialmente o título de bispo, a fim de que a igualdade não fosse causa, como pode acontecer, de discussão. No entanto, o bispo não era, de modo algum, superior em dignidade ou honra de seus companheiros, de tal maneira que tivesse autoridade sobre eles, mas seu ofício era como o de um presidente de um conselho; ou seja, promover assuntos, pedir pareceres, guiar os demais com avisos oportunos e admoestações impedir com sua autoridade que ocorressem desordem, e por em execução o que em comum consentimento se havia determinado. Tal era o ofício dos bispos entre os presbíteros. (…) Portanto, como os presbíteros sabem pelo costume que foi introduzido na Igreja, que estão submetidos ao bispo que preside; assim, nem mais nem menos, saibam os bispos que são superiores aos presbíteros mais por costume do que por instituição divina, e que devem governar a Igreja em comum acordo com os presbíteros”. Segundo continua o reformador de Genebra, “Cada cidade tenha sua diocese, a qual provinha dos presbíteros; e, portanto, os da cidade como os das aldeias formavam todos um só corpo de Igrejas. Cada colégio, estava sob a direção de seu bispo somente por razão de ordem e disciplina e para conservar a paz (CALVINO, IRC IV, iv, 2). Segundo Calvino, embora precedessem aos outros em dignidade, os bispos estavam sujeitos à assembleia dos irmãos. Se, porém, o campo sob seu cuidado era amplo demais para que pudesse exercer todos os seus deveres em todos os lugares, presbíteros eram designados para alguns desses lugares, os quais cuidavam das questões de importância menor. A estes eles chamavam de ‘bispos provinciais’ porque representavam o bispo por toda a província” (CALVINO, IRC IV, iv, 2, 4).

Mais à frente, dirá nosso reformador: “Que cada província tenha um arcebispo entre os bispos e que, no Concílio de Nicéia, patriarcas tenham sido constituídos para serem superiores em ordem e dignidade acima dos arcebispos são fatos ligados à preservação da disciplina. (…) Essas graduações foram estabelecidas para que, se algo ocorresse em alguma Igreja e não pudesse ser resolvido por uns poucos, fosse encaminhado ao Sínodo provincial. Se a magnitude e dificuldade do caso exigisse discussão mais ampla, os patriarcas, juntamente com o sínodo, eram convocados sem haver apelação a não ser para um concílio geral. (IRC IV. Iv. 4).

Embora ele reconhecesse que essa forma de administração acabava criando uma hierarquia, ele achava esse termo impróprio por não encontrar resguardo nas Escrituras. Para ele a ausência de hierarquia significava uma ação do espírito Santo buscando evitar a criação de principados ou senhorios dentro da Igreja do Senhor. Contudo, dizia Calvino, se fosse possível deixar de lado os termos e as palavras e observar apenas a realidade dos fatos, seria fácil perceber que os bispos da Igreja antiga não pretendiam inventar outra forma de governar a Igreja, mas de administra-la da melhor forma possível.

Comentando essa passagem das Institutas, John T. McNeill constata que “Calvino apoia claramente um episcopalismo jurisdicional e disciplinar, se o mesmo estiver protegido de um controle arbitrário, e não gosta do termo ‘hierarquia’” (MCNEILL, In LEITH, 1997, p. 271). Quando verificamos o comentário de Calvino à carta de Paulo aos Filipenses (1: 1), lemos: “Posteriormente, prevaleceu o costume de que apenas aqueles que os presbíteros em cada Igreja indicassem para presidir os demais seria chamado de bispo. Isto originou um costume, mas não se firma em qualquer autoridade escriturística” (CALVINO, In LEITH, 1997, p. 272). O entendimento de Calvino, portanto é o de que “um bispo é alguém que foi eleito para cada colégio para presidir sobre seus irmãos” (CALVINO, 1987, p. 88) e que este termo, ainda no período apostólico tinha a mesma importância das palavras ministro, pastor ou presbítero.

Assim, os reformados estão conscientes de que Calvino, muito embora não defenda o episcopalismo, ele o aprova. Para perceber isso, basta observar o respeito com que Calvino se refere ao Arcebispo Cranmer em suas inúmeras cartas trocadas entre eles em 1552. Em outra carta semelhante, escrita agora a Sigismundo, rei da Polônia em 5 de dezembro de 1554 -, Calvino entende que “através dos bispos, ele rejeita o papado e a sucessão apostólica, mas novamente aceita a realidade do governo episcopal, incluindo os arcebispos” (LEITH, 1997, p. 272).

O grande problema de Calvino, portanto, era com o que a Igreja Romana fez durante a Idade Média. Ela estabeleceu uma enorme distância entre o povo de Deus e a hierarquia da Igreja. Mais que isso, a Igreja medieval deu contornos divinos e inquestionáveis aos bispos, chegando a usar o título como moeda de troca ante favores políticos. Todo o cuidado pastoral que havia no início do episcopado se transformara, agora, em status imperial e em tirania. Isso, ele não poderia aceitar. Se todos esses exageros pudessem ser evitados, no entanto, não existe dúvida que de “um episcopado funcional era aceito como uma forma viável para a vida da Igreja, por um teólogo tão marcante como Calvino” (LEITH, 1997, p. 273). Atualmente, com a crença de uma autoridade dispersa, estamos certos que Calvino estaria bem mais próximo do Anglicanismo do que imaginam muitos pensadores reformados.


Referência bibliográfica:

CALVINO, Juan. Comentarios a las epistolas pastorales de san pablo. Michigan: The Evangelical Literature League, 1987

CALVINO, Juan. Institución de la religión cristiana. Rijswijk: Fundación Editorial de la Literatura Reformada, 1981

LEITH, John H. A tradição reformada. São Paulo: Pendão real, 1997

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

MUDAMOS PARA OUTRO SITE

Caríssimos leitores, já que estamos com dificuldades de acrescentar novas fotos ou filmes nesse blog, você poderá nos encontrar, agora,...

Comments


Post: Blog2_Post

©2020 por Padre Jorge Aquino. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page