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Uma avaliação da teologia Católico-romana sobre a doutrina da predestinação em Calvino

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 6 de ago. de 2019
  • 5 min de leitura
joao-calvino-2018

Reverendo Cônego Jorge Aquino.

Para fazer essa avaliação, recorrerei a uma das maiores autoridades em Calvino dentro da Igreja Roma, o conhecido teólogo Jesus Larriba. Pois bem, toda a comunidade teológica tem conhecimento de que este grande calvinólogo católico escreveu um texto de fôlego cujo título foi: Eclesiología y antropologia en Calvino, publicado em 1975. Utilizaremos, portanto, esse texto para verificar como os estudiosos romanos compreendem a doutrina da predestinação em Calvino, conforme exposta na sua grande obra Instituição da Religião Cristã (IRC). Devo observar que preferirei utilizar a expressão “calviniano” ao invés de “calvinismo”, por entender que esse termo se refere a uma corrente que vai além do que o próprio Calvino ensinava.

O primeiro ponto que destacamos é que, segundo observa Larriba, parece haver um certo paralelismo entre a doutrina de Calvino sobre a providência e sua doutrina da predestinação. Segundo ele, “em ambas deduz o reformador as mesmas ‘utilidades’: exaltar a glória de Deus e dar segurança ao cristão” (ver IRC, III, 21.1). Em ambos os casos, as criaturas são transformadas em instrumentos de Deus (ante praevisa merita). Assim, a providência reflete a oposição dialética Criatura-Criador no plano natural, assim como, no plano da graça, existe a oposição Deus-homem.

O segundo passo dado por Larriba é definir a predestinação. Quanto a isso, é corrente entre os calvinólogos entenderem como seu conteúdo o seguinte: “Dios elige misericordiosamente a unos y reprueba positivamente a otros según su secreto y justo designio y sin atender a méritos o deméritos humanos” (IRC, III, 21.7). Muitos teólogos desde A. Schweizer e F.C. Baur, têm sustentado que a predestinação é a doutrina central, fundamental e básica do calvinismo. E o mais interessante é que, durante todo o século passado isso foi repetido sem que seque alguém tenha ido verificar a correção ou não da tese.

Para procurar saber se as coisas são, de fato assim, parece ser adequado ler o desenvolvimento dessa doutrina nos textos escritos por Calvino. Segundo Larriba, os pesquisadores “há agrupado en quatro etapas los ocho escritos que tratan el tema de manera sistemática. tres de ellas coinciden con las principales ediciones de IRC (1536, 1539 y 1559); la segunda viene señalada por el catecismo de 1537” (LARRIBA, 1975, p. 60).

De cara, parece que na primeira edição da IRC (1536), Calvino não trata do tema de forma independente. Ele apenas fala sobre ela quando quer explicar o conceito de Igreja, que é definida como a “soma total dos eleitos”. Seja como for, já existe aqui o duplo decreto: eleição-reprovação. Percebe-se, contudo que, “Tanto por los textos escriturísticos aducidos como por la orientación, IRC 1536 en esse punto se diferencia notablemente de IRC 1539” (LARRIBA, 1975, p. 60).

Será no Catecismo de 1537 que Calvino fará sua primeira exposição explícita sobre a doutrina da predestinação. O contexto é bastante significativo. Logo depois que termina de falar sobre a lei que acaba por nos levar até a fé em Cristo, ele, antes de falar em que consiste a fé e quais os frutos que recebemos ao nos incorporarmos a Cristo, ele aborda o tema da “election et predestination”. A razão para colocar a predestinação entre a lei que aponta para a fé e a própria fé, consiste no fato de que a semente da palavra de Deus somente encontra raízes e frutifica em quem Deus já predestinou com sua eleição eterna”. As razões pelas quais isso ocorre são ocultas à nossa razão. Portanto, arremata Larriba, “la doctrina sobre la predestinación se presenta como respuesta al hecho, a la experiencia pastoral, de que no creen todos, a pesar de que la predicación evangélica ofrece a todos la salvación e invita a todos a que se incorporen a Cristo” (LARRIBA, 1975, p. 61). Para Calvino, apenas os eleitos vão crer.

O texto das IRC de 1539 vai além do conteúdo do Catecismo e, podemos dizer, apresenta todo o conteúdo do pensamento calviniano sobre o tema, incluindo a antecedente reprovação positiva. É importante verificar que ocorre aqui uma mudança tópica no contexto e uma adição. Segundo Larriba (1975, p. 61): “El capítulo octavo, sobre la predestinación y la providencia, forma una especie de paréntesis entre el tratado ‘De sacramentis’, junto con el capítulo séptimo (‘De similitudene V. et N. Testamenti’) y con el noveno (‘De oratione’)”. Esta disposição dos temas permanecerá até a última versão da IRC em 1559, com apenas uma breve diferença que, em 1543, vem para fazer parte do parêntese o capítulo “De praedestinatione et providentia”, que agora é o quatorze. A adição que é feita, é uma frase introdutória que trata não apenas dos que nem todos recebem a palavra pregada, mas também que a muitos ela não é anunciada. A ideia de que o pacto da vida não se anuncia a todos indistintamente é, provavelmente, fruto de sua leitura da carta aos Romanos. Comentando este livro, em 9: 11, Calvino escreve: “Establezcamos la proposición seguinte: como la bendición del pacto separa al pueblo israelita de todos los otros pueblos, la elección divina divide también a los hombres de aquel pueblo, predestinando unos a la salvación y otros a la condenación eterna” (CALVINO In LARRIBA, 1975, p. 62).

O texto das IRC de 1559 representa o estado final de seu pensamento. Não há mudança essencial em seu pensamento. No entanto, existe uma nova mudança no contexto. A providência se separa da predestinação e passa a fazer parte do Livro I. a predestinação continua fechando o tratado “De gratia” e introduzindo o tratado “De Ecclesia”. A exposição feita do tema faz com que Larriba tenha a impressão de que Calvino “aborda o tema de la predestinación movido de preocupaciones pastorales y no por afén de especulación (LARRIBA, 1975, p. 63). Frente ao fato de que a palavra da salvação ainda não foi anunciada a todos os povos, e tendo que tratar da questão da predestinação, ele se convence de que sua resposta não é uma construção especulativa, mas o ensino das Escrituras. A prova disso reside no fato de que ele formula sua doutrina da predestinação primeiramente nos textos exegéticos e somente depois os apresenta nos textos sistemáticos.

Reconhecendo que somente nas Escrituras é possível encontrar a exposição desse tema, Calvino ressalta sempre a glória de Deus. Na verdade, jamais aceitaremos que nossa salvação procede apenas da misericórdia de Deus se não admitirmos a predestinação “ante praevisa merita” com seu duplo decreto de eleição e reprovação. De fato, afirma Larriba: “La tesis de la elección ‘ante praevisa merita’ es la única manera de excluir de la salvación las obras humanas y de garantizar  la tesis de la justificación por la fé sola” (LARRIBA, 1975, p. 64). Assim a graça de Deus só pode efetivamente brilhar se não atender a méritos ou deméritos dos homens.

Um outro detalhe importante é que a corrupção total do homem justifica teologicamente a predestinação “ante praevisa merita”. Assim, “Deus no predestina en razón de los méritos previstos porque en la naturaliza corrompida no puede encontrar algo que le induzca a premiarnos” (LARRIBA, 1975, p. 65). O mesmo pode ser dito em relação da reprovação positiva antecedente: posto que todos nós procedemos “ex corrupta massa”, não existe injustiça em que Deus nos condene sem outro motivo.

Para encerrar suas considerações, Larriba diz: “La predestinación no es, por conseguinte, el principio fundamental del calvinismo: más que punto de partida lo es de llegada” (LARRIBA, 1975, p. 65). Estritamente, não se pode falar de um princípio fundamental do calvinianismo porque, a teologia de Calvino é demasiadamente bíblica para que possa ser reconstruída a partir de um princípio. No entanto, acreditamos que foi sua profunda visão da onipotente soberania de Deus frente às criaturas caídas, que fez Calvino negar a liberdade do homem e a defender a reprovação positiva antecedente. Em resumo, trabalha em erro todos os que acreditam que a predestinação é a doutrina central, fundamental e básica do calvinismo.

Referência Bibliográfica:

LARRIBA, Jesus. Eclesiología y antropologia en Calvino. Madrid: Ediciones Cristandad, 1975

 
 
 

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