
Reverendo Jorge Aquino.
Para muitas pessoas, em nossa sociedade, Jesus Cristo não é quem disse que era. Muitos acreditam que ele era um grande mestre moral; muitos dizem que ele era um grande exemplo de vida e outros dizem até que ele era um “espírito” evoluído ou mesmo um grande profeta.
No entanto, quando observamos o que ele disse sobre si mesmo, e como os discípulos passaram a vê-lo, verificamos que Jesus era visto como Deus que se fez carne e habitou entre nós. Sem dúvida, um dos textos mais emblemáticos é aquele presente no Evangelho de João 1:1. Lá lemos o seguinte: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. Quando lemos o texto no original escrito em grego por João, lemos o seguinte: “εν αρχη ην ο λογος και ο λογος ην προς τον θεον και θεος ην ο λογος”. Apesar da tradução para o português ser perfeita, lamentavelmente existe uma tradução da Bíblia que, contrariando o texto bíblico e a boa exegese, traduz o final do versículo assim: “e a Palavra era um deus”. Tudo isso para justificar que Jesus não pode ser identificado com Deus, logo, não é divino.
Portanto, fica a questão: de que forma podemos entender que, na mente de João, Jesus era visto como o Deus verdadeiro? Dentro do contexto, verificamos que o autor faz três afirmações bastante claras acerca de sua crença. Conforme afirma William Hull, o texto pode ser parafraseado da seguinte forma: “Desde o princípio, quando Deus era, o Verbo também era; onde Deus estava, o Verbo estava com ele; o que Deus era, o Verbo era também” (HULL, In ALLEN, Vol 9, 1987, p. 254). Assim, a primeira afirmação feita por João diz: “No princípio era o Verbo”, no texto grego lemos: “εν αρχη ην ο λογος”. Quando João principia seu evangelho dizendo “No princípio”, ele está, por óbvio, fazendo uma clara referências ao texto de Gênesis 1:1, onde se lê no texto da Septuaginta grega (LXX): “εν ἀρχή”, ou seja, ele usa a mesma expressão do Antigo Testamento grego. Assim, João começa descrevendo a existência do Verbo (logos, no grego “λογος”) antes mesmo da criação, ou seja, no princípio. Assim, João pretende descrever que o Verbo já é desde o “princípio” (“εν αρχη”). Esta palavra nos faz acreditar que, quando os céus e a terra foram criadas por Deus, o Verbo já existia, ou seja, que o Verbo já existia desde a eternidade. Assim, o Verbo não foi, como afirmam algumas pessoas, criada por Deus juntamente com o resto da criação. O Verbo já existia desde a eternidade.
A segunda verdade que este texto revela, nos vem da frase “o Verbo estava com Deus”. Na versão original em grego, João escreveu: “και ο λογος ην προς τον θεον”. É preciso, antes de mais nada, fazer algumas considerações sobre a palavra “Verbo”. O texto deixa claro que João chama Jesus de o “Verbo” (ο λογος). Devemos perceber que esta palavra não pertencia apenas ao vocabulário joanino. O “Verbo” é uma palavra que desde sempre fez parte do vocabulário dos gregos, principalmente dos filósofos neo-platônicos e religiosos. Devemos, no entanto, registrar que o pensamento joanino não dependia da reflexão desses pensadores helênicos. Fílon de Alexandria, por exemplo, apesar de usar esse termo mais de 1.300 vezes, o usou em vários sentidos diferentes. Portanto, é necessário registrar que o pano de fundo do uso que João faz de “Verbo”, não é grego, mas semita, ou seja, é o Antigo Testamento. Esta é, também a leitura de F.F.Bruce quando escreve: “Não encontramos na filosofia grega o verdadeiro pano-de-fundo do pensamento e da linguagem de João, mas, sim na revelação hebraica. No A.T. a ‘palavra de Deus’ indica Deus em ação, em especial na criação, na revelação e na libertação” (BRUCE, 1987, p. 34). Lá no Antigo Testamento grego (a versão dos LXX), o Verbo de Deus já é apresentado como uma pessoa. Quando lemos, por exemplo, o Salmo 33:6 diz: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus”. No texto da LXX, a expressão primeira diz: “τω λογω του Κυριου”. Para muitos teólogos, o melhor comentário de João 1:1 pode ser encontrado em Provérbios 8:27-30, que diz: “Quando ele preparava os céus, aí estava eu, quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; Quando firmava as nuvens acima, quando fortificava as fontes do abismo, Quando fixava ao mar o seu termo, para que as águas não traspassassem o seu mando, quando compunha os fundamentos da terra. Então eu estava com ele, e era seu arquiteto; era cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo”. Assim, quando olhamos o Novo Testamento, percebemos que o termo “Verbo” aparece como referência à Jesus nos seguintes textos: João 1:1, 14; I João 1:1 e Apocalipse 19:13. Assim, Cristo é o “Verbo” de Deus no sentido em que reflete a mente de Deus.
Dando continuidade a nossa reflexão, verificamos que no texto grego lemos: “ο λογος ην προς τον θεον”. Portanto, dizer que o Verbo “estava com Deus” (“προς τον θεον”) nos diz que ele existia em uma estreita comunhão com Deus o Pai e que eles gozavam de um supremo deleite nessa relação. Esta relação era tão íntima que Jesus chegou a orar em João 17:5: “E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse”. Nesse sentido, a encarnação do Verbo deve ser vista, acima de tudo, como uma das maiores expressões do amor de Deus por nós. Quem fortalece essa interpretação é Bruce que escreve: “O Verbo de Deus é distinto de Deus em si, mas tem uma relação pessoal muito íntima com ele; mais ainda, ele participa da própria natureza de Deus, porque o verbo era Deus” (BRUCE, 1987, p. 36).
A ultima e terceira verdade que este texto nos vem da frase “e o Verbo era Deus”. No original em grego lemos: “και θεος ην ο λογος”. Devemos perceber que, inclinado a ressaltar toda a ênfase sobre a plena divindade de Jesus, João, no texto original, coloca o predicado vindo antes do sujeito. Assim, João pretende sem qualquer sombra de dúvida, ao fazer isso, destaca e ressalta, a plena e cabal divindade de Jesus. Em resumo, o Verbo é absolutamente divino ou seja, é o próprio Deus. Em tempo, é preciso destacar que a ausência do artigo antes de “Deus” não implica em uma necessidade de subtender sua necessidade. Considerando que a função do artigo definido era a de apontar ou especificar, a ausência do artigo definido ressalta e aponta para sua mais completa divindade. Desta forma, “Verbo” (λογος), não é apontado aqui como sendo “o Deus dos judeus” ou “o Pai”, mas essencialmente como “Deus”. Além disso, segundo pontua Champlin, refutando os que defendem a tese de que a melhor tradução seria “um deus”, “Se coerentemente, acrescentássemos o artigo indefinido de cada vez que não figura o artigo definido antes de um substantivo, a tradução transformar-se-ia num autêntico caos. Por exemplo, o vs. 14 deste primeiro capítulo do evangelho de João diria: ‘...e o Verbo se tornou uma carne...’. O vs. 18 do mesmo capítulo diria: ‘...ninguém jamais viu a um deus...’. E note-se que, neste último caso, a referência bem definida é a Deus Pai, o que nos forçaria a chamar o Pai de um deus e não de ‘Deus’ ou ‘o Deus’” (CHAMPLIN, Vol. II, 1985, p. 265).
Portanto, como afirma Hull, “Um dos propósitos básicos do prólogo [de João] é identificar o Jesus histórico com o Logos eterno” (HULL, In ALLEN, Vol 9, 1987, p. 254. Negrito do autor). Diante disso, não temos outra alternativa. Ou bem reconhecemos que Jesus é visto – em razão do que dizia – como o verdadeiro Deus criador dos céus e da terra, e assim caímos de joelhos aos seus pés, como fez Tomé – que clamou; “Meu Senhor e meu Deus!” -, ou bem o rejeitamos como um mentiroso, desonesto e louco, por afirmar ser a mesma pessoa que Deus. Não temos outra alternativa. Ele simplesmente não nos deu essa possibilidade. Qual será a sua escolha?
Referências bibliográficas:
ALLEN, Clifton J. Comentário bíblico broadman: Novo Testamento. Vol 9. Rio de Janeiro: JUERP, 1987
BRUCE, F.F. João: introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão, Vida Nova, 1987
CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versículo. Vol. II. São Paulo: Milenium, 1985
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