UM ADVOGADO PODE MENTIR?
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝

- 4 de out. de 2018
- 3 min de leitura

Reverendo padre Jorge Aquino.
Eu iniciaria esse texto dizendo que passei alguns anos de minha vida ensinando a disciplina “Deontologia Jurídica e ética” em algumas faculdades na cidade onde moro. Como alguém que teve uma razoável formação teológica e filosófica, eu sempre gastava um tempo a mais explicando o que vinha a ser “deontologia” e sua relação com a ética e com a moral.
Quando falamos em ética, estamos nos referindo a um projeto que costuma ser impositivo sobre todos os homens, independentemente de questões históricas, temporais ou geográficas. Ela difere da “moral” (do latim mores ou costume) e que se refere ao encontro entre um programa ético – como o de Aristóteles ou o de Kant – e o aspecto circunstancial marcado pelo espaço-tempo. Assim, existem várias correntes na ética, mas, a mais aceita no meio jurídico é a corrente que advém da leitura kantiana e deontológica. Dessa forma, Giles nos diz que deontologia é a doutrina que “aponta o dever moral, aquilo que obriga moralmente, aquilo que se considera certo do ponto de vista moral: o imperativo da ação orientada pela razão. […] O estudo do conceito do dever (da obrigação), da responsabilidade e do compromisso e os conceitos a eles relacionados” (GILES, p. 32). É por isso que – em grego -, enquanto “to on” diz respeito ao “ser”, “to deon” diz respeito ao dever.
A pergunta agora muda de sentido: deve um advogado mentir? A resposta é cristalina: claro que não. Nenhum advogado ou nenhuma outra pessoa qualquer, deveria mentir. E qual o fundamento ético dessa afirmação? Ela se funda no conhecido imperativo categórico elaborado por Emmanuel Kant e que nos ensina a agir de tal forma que nossa ação possa ser universalizada. Se a mentira puder ser universalizada em nossas relações sociais, instituiríamos o caos, pois jamais saberíamos quem estaria falando a verdade ou não. Logo, não devemos mentir.
No entanto, eu me pergunto: por que um advogado que tem o facebook de alguém, o instagram dessa pessoa, o endereço de seu blog, o e-mail dela e acima de tudo, seu telefone pessoal, colocaria em sua peça inicial que tal pessoa tem seu paradeiro incerto e não sabido. Por que ela não mandou um simples e-mail ou fez uma ligação para comunicar a parte sobre uma ação que estaria movendo contra ela? A única razão que posso pensar é que ela fez isso para que o juiz fosse induzido ao erro e, dessa forma, citasse o demandado por edital – sabendo que esse não tomaria conhecimento da citação – e assim, pudesse executar o litigante (que nada sabia), inclusive com o pedido de prisão da parte ré.
É nesse momento que me pergunto: faz sentido ensinar ética nas Faculdades de Direito? Sabemos que, conforme preconiza nossa carta maior, o advogado é indispensável para a administração da justiça (CF. Art. 133). Mas, afinal quantas dessas pessoas que lidam diuturnamente com a Constituição Federal ou com os Códigos Civil e Penal, realmente procuram e pugnam pela justiça? Ou será que o que elas querem é apenas “ganhar” a causa? Apenas sentir o gosto da vitória? Apenas se verem como uma espécie de semi-deuses que tudo podem? Enfim, será que muitos desses advogados não são apenas pessoas que desejam conseguir tudo o que querem, ainda que essa conquista seja o resultado de uma artimanha, de um ardil ou de uma cilada? Alguém assim pode ser adequadamente considerada como alguém que busca o que é justo? A questão ainda se impõe: um advogado pode mentir? Afinal, quanta litigância de má fé se encontra por aí?
Referência bibliográfica:
GILES, Thomas Ransom. Dicionário de filosofia: termos e filósofos. São Paulo: EPU, 1993


Comentários