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Richard Hooker e os Puritanos: questões à luz da razão

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 21 de jun. de 2019
  • 6 min de leitura
Richard Hooker (1553-1600)

Cônego John Barton

RICHARD HOOKER (1554-1600) é conhecido como o grande defensor do estabelecimento elizabetano da Igreja da Inglaterra. Sua obra Das Leis da Política Eclesiástica oferece uma apologia detalhada das ordens de Elizabeth sobre a Igreja. Poucos leitores, gostem ou não gostem dessa apologia, viram Hooker como importante para a interpretação bíblica. De fato, ele tem muito a nos ensinar.

Hooker abordou os argumentos dos oponentes do que viria a ser chamado de Partido Puritano. Apesar de seu claro protestantismo, a Igreja Elizabetana continuou a ter bispos e uma ordem hierárquica. Os puritanos queriam substituir isso por um sistema presbiteriano, como o que prevalecia na Escócia. Representantes notáveis da tendência puritana foram Thomas Cartwright (1535-1603), e o próprio assistente de Hooker (Reader) na Igreja do Templo, Walter Travers (1548-1635).

Eles sustentavam que um sistema presbiteriano de governo da igreja era mandatado pelas escrituras. Hooker, portanto, não tinha apenas que argumentar a partir de princípios filosóficos, mas também tomar uma posição sobre como ler a Bíblia.

Os argumentos de Hooker e os de seus oponentes não eram simétricos. Os puritanos afirmavam que uma ordem presbiteriana era diretamente comandada nas escrituras; Hooker argumentou que o episcopado não era um mandamento das Escrituras, mas era aceitável, bom e apropriado. Ele não criticou outras igrejas por ter uma organização presbiteriana; ele simplesmente negou que fosse o único sistema em consonância com o Novo Testamento.

De acordo com os trinta e nove artigos de religião (1563), Hooker afirmou – em completo acordo com os puritanos – que “a Sagrada Escritura contém todas as coisas necessárias à salvação: assim tudo o que não for lido nela, nem possa ser provado por ela não pode ser exigido de qualquer homem, que se acredite como um artigo da Fé, ou seja considerado necessário ou requisito para a salvação”. Este é obviamente um princípio protestante: nada pode ser considerado essencial ao cristianismo, exceto com a autorização da estritura.

Às vezes, porém, dois corolários adicionais, mas injustificados, foram extraídos desse princípio das escrituras.

Primeiro, a crença de que apenas o que é ordenado pelas escrituras é obrigatório pode facilmente levar os crentes a pensarem que nada pode ser feito na Igreja, a menos que as Escrituras exijam – uma posição sutilmente desigual e muito “mais dura”.

Esse desejo de derivar tudo da Bíblia leva a uma distorção da própria Bíblia. Nem todo costume humano, mesmo na Igreja, argumentou Hooker, precisa de uma autorização explícita das escrituras: “Aquilo que eles levaram para um oráculo, sendo peneirado, foi repelido. É o que está de acordo com a Palavra de Deus, mesmo que exista uma má interpretação do sentido, ou por falsificação das palavras, intencionalmente para tentar que qualquer coisa possa parecer divina, mesmo não sendo, ou qualquer coisa que não pareça ser, fosse claramente forçada até falsamente parecer ter uma; esta injuria oferecida aos homens, é mais dignamente considerada hedionda”.

“Que ponto eu gostaria que eles observassem melhor, como que percebessem que nada é mais familiar do que pleitear essas causas [isto é, estabelecer costumes na Igreja], a Lei de Deus, a Palavra do Senhor; que, não obstante, quando chegam a alegar o que a Palavra e a Lei significam, sua prática ordinária e comum é citar os discursos em alguma narração histórica e exortá-los como se estivessem escritos na forma mais exata da Lei.

“O que é acrescentar à Lei de Deus, se isto não for feito? Quando aquilo que a Palavra de Deus apenas nos entrega historicamente, nós construímos sem qualquer autorização, como se fosse legalmente expresso, e assim exigimos mais do que podemos provar que [efetivamente] se pretendia; [agindo assim] Não acrescentamos às leis de Deus fazendo-as parecer, em número, mais do que são? (Leis III.5)”.

“Discursos sobre uma ou outras narrações históricas” soam como uma maneira chocante de descrever uma seção da Bíblia, e certamente ofenderão os leitores de Hooker mais inclinados ao puritanismo. [Ele] estabelece, no entanto, a importância central na interpretação da Bíblia de não ler na contramão da intenção do texto. Leis não podem ser derivadas dos discursos ocasionais de personagens da história bíblica.

Como deve a Igreja organizar seu ministério – episcopalmente ou de acordo com um modelo presbiteriano? É bastante óbvio, uma vez que se olhe apenas para decisões explícitas, que a Bíblia não fornece resposta. As tentativas de extrair um governo obrigatório das referências ocasionais de São Paulo aos tipos de ministério na Igreja não podem ser bem-sucedidas. Qualquer dos sistemas pode perfeitamente ser defendido, mas nenhum deles é compulsório.

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A questão da ordem da igreja é uma adiaphoron: uma “questão indiferente”. “Indiferente” não significa trivial ou sem importância, mas indeterminado: um assunto sobre o qual pode haver diferenças legítimas de opinião, porque a escritura não fornece uma decisão específica.

No entanto, é também uma questão sobre a qual é necessário definir algumas questões (não se pode ter e não ter bispos) [como] os poderes que [eles] têm [e a] autoridade para tomar decisões. O que eles não devem fazer é tratar suas decisões humanas como tendo a autoridade da Bíblia por trás dela. Eles devem considerá-los como julgamentos humanos falível, feitos de boa-fé: “Diversas coisas podem legalmente ser feitas na Igreja, de modo que não sejam feitas contra a Escritura, embora as Escritura não as ordenem; mas a Igreja somente seguindo a luz da razão os julga discricionariamente” (Leis III.2).

Um SEGUNDO ponto importante é este: o fato de que a Bíblia conter todas as coisas “necessárias para a salvação” não implica, logicamente, que todas as coisas contidas na Bíblia sejam necessárias para a salvação. Isso tendia a ser negligenciado pelos puritanos. Pode haver coisas na Bíblia que não se aplicam a questões do nosso destino eterno e que não devem ser distorcidas para forçá-las a fazê-lo.

A Bíblia deve ser lida de acordo com a razão – e, com efeito, o senso comum. Se exageramos a perfeição das escrituras, na verdade fazemos uma injustiça. Em uma passagem central, que usei como uma espécie de lema para meu próprio livro, Hooker ensina que a Bíblia é mais honrada quando suas limitações são permitidas do que quando é elevada acima do que se pode suportar: “Tudo o que é palavra de Deus, ou coisas concernentes a Deus, se contraria o que a verdade é, embora pareça uma honra, é uma injuria. E como louvores incríveis dados aos homens frequentemente diminuem e prejudicam o crédito de sua merecida recomendação, assim devemos igualmente dar grande atenção, a fim de que, ao atribuir à Escritura mais do que se deve, a incredibilidade disso cause mesmo aquelas coisas que de fato tem mais abundantemente, para ser menos reverentemente estimado” (Leis, II.8).

Os cristãos devem se contentar com um livro adequado, contendo tudo o que eles precisam, e não ansiando pela perfeição absoluta. Esta foi uma mensagem difícil para muitos cristãos ouvirem nos dias de Hooker, e permanece assim agora. Os cristãos têm um desejo natural e louvável de honrar a Bíblia em termos superlativos. Ser dito que ela é apenas “suficiente” não é fácil. De fato, para Hooker sua suficiência não tinha nada de “mero” sobre isso. Ele não desejava desvalorizar a Bíblia, mas simplesmente desejava insistir que ela deveria ser devidamente valorizada, e não exageradamente irrealista; interpretada de forma justa, não supra-interpretada.

Em tudo isso existem características que Hooker compartilha com o que é hoje conhecido como criticismo bíblico. O estudo bíblico moderno em um modo crítico é, em muitos aspectos, um filho do Iluminismo, no entanto, no início da modernidade Hooker previa estranhamente algumas de suas preocupações.

Primeiro, a leitura de Hooker foi intencionalista. Ele deduziu que, às vezes, a intenção era a do autor humano; às vezes de Deus; às vezes, misteriosamente, do próprio texto.

Em segundo lugar, a leitura de Hooker foi racional. Ele rejeitou as alegações de que o verdadeiro significado do texto havia sido milagrosamente revelado a eles pelo Espírito Santo. Deve-se apelar à razão sadia quando se faz uma interpretação bíblica. Às vezes, ele argumentava, a escritura era clara em seu significado, às vezes “mais sombria e duvidosa”, e questões de ordem da igreja pertenciam ao reino [do] escuro e duvidoso.

O significado poderia ser apreendido apenas “de acordo com a natureza da evidência que a Escritura produz” e, consequentemente, “não é a fervorosa seriedade de sua persuasão, mas a solidez dessas razões, em que a mesma é construída, que deve declarar suas opiniões nessas coisas que foram feitas pelo Espírito Santo”.

Em terceiro lugar, Hooker, argumentou que os textos bíblicos devem ser lidos de acordo com seu gênero. A lei não vem de discursos narrativos; os salmos não ensinam doutrina. A relação da Bíblia com a fé é sempre oblíqua: muitas partes da Bíblia dependem ou sugerem linhas de pensamento teológico, mas não são fontes diretas da doutrina ou prática do cristianismo. A atenção ao gênero é indiscutivelmente a base da crítica bíblica. Ela impede o leitor de encontrar simplesmente qualquer tipo de significado no texto das escrituras, e encoraja a atenção para os tipos de informação que um dado texto é capaz de fornecer.

Hooker é diminuído se o lemos apenas como polemista, defendendo o establishment político e religioso de Elizabeth I. Ele era um teólogo importante; mas ele também era um especialista em interpretação bíblica.

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O Cônego John Barton é professor emérito de interpretação da Sagrada Escritura, do Oriel College na Universidade de Oxford, e pesquisador sênior, Campion Hall, Oxford. (https://www.churchtimes.co.uk/articles/2019/14-june/features/features/richard-hooker-and-puritans-of-sundry-things-in-the-light-of-reason. Acessado em 8 de junho de 2019).

Tradução e adaptação Cônego Jorge Aquino

 
 
 

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