
Reverendo Jorge Aquino.
Recentemente li em um artigo acerca do anglicanismo que a Igreja da Inglaterra se separou de Roma a quinhentos anos, por causa de questões envolvendo o matrimônio. Hoje, a Igreja da Inglaterra está se separando de várias Províncias da Comunhão Anglicana, também por questões envolvendo o matrimônio. Agora, no entanto, em razão de questões envolvendo o matrimônio de pessoas do mesmo sexo.
Sem procurar emitir qualquer juízo de valor acerca do tema de fundo, o dado concreto é que a Comunhão Anglicana, como temos hoje, está vivendo sua maior crise. Quando falamos em Comunhão Anglicana, estamos nos referindo à uma família de 42 igrejas autônomas (Províncias) e mais 5 áreas extra-provinciais, espalhadas por 165 países do mundo e perfazendo cerca de 90 milhões de pessoas. Os bispos dessa Comunhão se reúnem regularmente, a cada 10 anos, na Conferência de Lambeth, e, muito embora não tenha autoridade deliberativa, a Conferência possui uma inegável autoridade espiritual e moral, já que os bispos são vistos como os nossos “pais em Deus” e os “sinais da unidade” da Igreja de Cristo. É sabido também que esta Conferência apresenta uma série de orientações acerca de diversos temas. A mais discutidas de todas foi sua Resolução 1.10, feita em 1998 na qual afirmava que a Igreja não deveria permitir nem a ordenação nem o casamento de pessoas do mesmo sexo.
O problema se instalou com a eleição do Cônego Jane Robinson como bispo coadjutor da Diocese de New Hampshire em 2003, vez que ele era um padre abertamente gay. Naquele momento ocorreu uma forte reação ao redor de toda a Comunhão Anglicana, principalmente nas Províncias mais conservadoras e que geograficamente, ficam ao sul da Linha do Equador.
Por um capricho da história, vinte anos depois, a fragmentação da Comunhão se consolida por meio do lançamento de uma declaração feita no dia 20 de fevereiro de 2023, por parte do Global South Fellowship of Anglican Churches – Fraternidade Global Sul de Igrejas Anglicanas. Nesta declaração feita pelos bispos Primazes sobre a decisão tomada pela Igreja da Inglaterra de abençoar pessoas do mesmo sexo que já foram unidas civilmente, doze primazes e líderes do GSFA, manifestam seu desejo de não mais estar em comunhão com a Igreja da Inglaterra e de não reconhecer o arcebispo de Canterbury, Justin Welby, como primus inter parens (primeiro entre iguais) na liderança da comunhão anglicana global. Os 10 arcebispos, mais dois de províncias conservadoras separatistas nos EUA e no Brasil, se opõem à bênção ou ao casamento de casais gays. Eles afirmam representar cerca de 75% dos anglicanos em todo o mundo, particularmente na Ásia e na África.
Os Primazes que assinaram a declaração foram: 1. O Arcebispo Justin Badi (Primaz do South Sudan), 2. Arcebispo Hector (Tito) Zavala (Primaz do Chile), 3. Arcebispo James Wong (Primaz da Indian Ocean), 4. Arcebispo Titre Ande (Primaz do Congo), 5. Arcebispo Stephen Than (Primaz de Myanmar), 6. Arcebispo Foley Beach (Primaz da North America), 7. Arcebispo Samuel Mankhin (Primaz de Bangladesh), 8. Arcebispo Stephen Kaziimba (Primaz de Uganda), 9. Arcebispo Ezekiel Kondo (Primaz do Sudan), 10. Arcebispo Samy Shehata (Primaz de Alexandria), 11. Arcebispo Miguel Uchoa Cavalcanti (Primaz da Igreja Anglicana do Brasil), e 12. Arcebispo Leonard Dawea (Primaz da Melanesia).
Além desses Arcebispos ligados ao GSFA e que manifestaram sua posição de se desligarem da Igreja da Inglaterra e de não reconhecer mais o Arcebispo de Cantuária como o primeiro entre iguais, outros bispos pelo mundo anglicano já vinham manifestando preocupação com a decisão tomada pelo Sínodo da Igreja da Inglaterra. Este é o caso, por exemplo, do Arcebispo de Sydney, Kanishka Raffel, que no início de fevereiro já apontava para o que estaria para acontecer.
Qual será o futuro da Comunhão Anglicana? Ainda não sabemos. No entanto, em se concretizando a separação desse relevante grupo de anglicanos, algo muito significativo precisa acontecer para que os anglicanos do mundo continuem se vendo como uma comunidade que, apesar de suas diferenças, servem ao mesmo Senhor.
A Declaração completa dos Arcebispos ligados ao GSFA pode ser lida aqui: https://virtueonline.org/statement-gsfa-primates-church-englands-decision-regarding-blessing-same-sex-unions
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