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PORQUE A INCOMPREENSÃO É TÃO FREQUENTE?

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Padre Jorge Aquino

Quando iniciei meus estudos sobre a Hermenêutica – que é a arte da compreensão -, não compreendia o que Friedrich Schleiermacher queria dizer quando afirmava que, nas relações humanas, a incompreensão e o desentendimento são muito mais comuns do que a compreensão. Assim, ele escreveu em Introdução à Hermenêutica de 1819 que: “A práxis mais rigorosa parte de que o desentendimento (missverstehen) se dá por si mesmo e de que é preciso querer e procurar, em cada ponto, o entendimento” (SCHEIERMACHER, sd, p. 24). Hoje, mais de uma década depois de iniciar meus estudos, tendo a compreender as razões pelas quais o pai da hermenêutica moderna fez essa observação.

Antes de mais nada creio ser importante entendermos algo sobre a palavra com-preender. Como imediatamente nos salta aos olhos, compreender é formado de um prefixo “com” e de uma raiz “apreender”. Assim, compreender é apreender, agarrar, prender, alcançar, apoderar-se, atingir ou abarcar em si mesmo, junto com o outro. A compreensão é uma atividade de ocorre em grupo e não solitariamente. A hermenêutica, para Scheiermecher seria justamente a arte de compreender (verstehen).

Na verdade, contudo, se pararmos para observar nossos diálogos encontraremos alguns fatores que dificultam nossa real compreensão do que estamos falando ou ouvindo, o que, por óbvio, produz incompreensão. Mas quais seriam esses fatores? Quais as razões que nos impedem ou ao menos dificultam, nossa compreensão? Em primeiro lugar, acredito que nossa primeira grande dificuldade consiste em colocar na forma de palavras aquilo que pensamos. Veja bem, os pensamentos são amplos, abstratos e normalmente estão associados a sentimentos. Quando queremos verbalizar aquilo que pensamos, ou seja, transformar pensamentos e ideias em palavras, inevitavelmente acabamos por operar uma redução que sempre deixará escapar algo daquilo que queríamos comunicar e que, inevitavelmente, se perderá pela incapacidade de reduzir em palavras o que está no pensamento.

Em segundo lugar, outra grande dificuldade que temos e que facilita a incompreensão reside na própria essência das palavras. Quando observamos as palavras de uma perspectiva meramente linguística, verificamos a existência de três características essenciais na palavra, que dificultam nossa compreensão, são elas a ambiguidade, a vagueza e a porosidade. Assim, diante desses três problemas eis que nos vemos, ao falar, andando em um terreno extremamente difícil. Quando falamos da ambiguidade, por exemplo, nos referimos ao fato de que uma mesma palavra permite vários sentidos diferentes. A palavra “pena”, por exemplo, tanto pode indicar um sentimento que temos para com outra pessoa, como um elemento da plumagem das aves, ou ainda, pode indicar uma forma de punição atribuída a um infrator. Quanto ao segundo problema - a vagueza -, verificamos que ela ocorre quando uma palavra não consegue esgotar ou preencher todo o sentido que queremos. Assim, quando usamos a palavra “justiça”, verificamos que tanto podemos estar nos referindo ao sistema jurídico quanto à virtude que orienta a vida ou o comportamento de alguém. O ultimo problema que gostaríamos de apontar com a natureza das palavras e que prejudica nossa compreensão é a porosidade. Por essa característica, nos referimos a capacidade que o vocábulo tem de se permitir influenciar ou absorver outras leituras, visões e sentidos. Em razão desses três elementos das palavras nem sempre ouvimos exatamente aquilo que imaginávamos ter ouvido. Esta distância entre o que se diz e o que o ouvinte imagina ter ouvido, é um enorme obstáculo à comunicação e, por óbvio, à compreensão.

Finalmente, existe uma terceira dificuldade ou obstáculo que interfere em nossa compreensão e no nosso correto entendimento da realidade: nossa postura defensiva e refratária. Na verdade, a incompreensão é a filha primogênita da desconfiança e da autodefesa. Assim, partimos do pressuposto de que o “outro” está pretendendo nos engabelar ou nos convencer de algo para tirar vantagem. Desta forma, em reação a esta desconfiança, deixamos de ouvir “com ouvidos de ouvir” e passamos a ouvir querendo nos proteger e, portanto, ouvimos com filtros com os quais preparamos uma resposta ou contra-argumento. Desta forma, não nos “conectamos” com o que nosso interlocutor realmente pretende comunicar, apenas nos preocupamos em rebater seu argumento.

Quando Scheiermacher falava em compreensão, ele usava uma palavra alemã muito significativa, a palavra “verstehen” que se traduz por “entender” ou “compreender”. No entanto, para ele, esta palavra tinha o condão de ir além do aspecto meramente linguístico, ela atinge a esfera emocional ou psicológica de quem fala. Assim, quando desenvolvemos a verstehen acessamos o que realmente nosso interlocutor quer dizer.

Esse pensamento é claramente visto em Palmer que ressalta a importância da compreensão (verstehen) e da explicação (erklärenden). Leiamos agora as considerações de Palmer sobre o assunto: “O sentido de uma imagem é captado directamente na compreensão. Avançamos um passo quando damos uma explicação oral ou escrita dessa imagem. Segundo Wolf compreendemos para nós mesmo, mas explicamos para os outros” (PALMER, 1996 [?], p. 89). Como se pode ver, a compreensão é, primeiramente, um movimento interior que, somente efetivado, pode ser exteriorizado na forma de uma exposição oral ou escrita. O domínio da compreensão é, portanto, um domínio da relação de alma ou de sentimento. Esta conexão entre as subjetividades nos faz compreender duas grandes verdades. Primeiro é a inter-relação dos sujeitos que nos permite dizer, como Anais Nin que “não vemos as coisas como são: vemos as coisas como somos” e, em segundo lugar, citando Pareyson, na interpretação “o objeto se revela na medida em que o sujeito se exprime, e vice-versa”.

Se você está conversando com sua esposa, com seu colega de trabalho ou com seu professor ou aluno, sem que exista um verdadeiro interesse interior de compreender o que seu interlocutor está querendo comunicar, não haverá como interpretar corretamente sua mensagem. Por isso, se abra para que você realmente esteja disponível a ouvir o “outro”, doutra sorte, você fracassará nesse intento e a incompreensão vencerá a batalha.


Referências Bibliográficas:

PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1996(?).

SCHEIERMACHER, Friedrich. Introdução à hermenêutica, As ideias inacabadas de Leibniz sobre uma linguagem filosófica universal & Dialética. Sl: 2015, disponível em <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/382268/mod_resource/content/1/hermen%C3%AAutica_schleiermacher.pdf> acessada em 16 de setembro de 2022

 
 
 

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