
Afirmação 7: Preservar a liberdade religiosa e a capacidade da Igreja de falar profeticamente ao governo resistindo à mistura de Igreja e Estado. (Lucas 20:25; 1 Pedro 2:17).
Como cristãos, nos esforçamos para viver como cidadãos responsáveis de nosso país, assim como procuramos viver como discípulos de Cristo. Celebramos a separação da Igreja e do Estado tanto para a proteção da Igreja e de outras comunidades de fé, como do Estado.
Afirmamos que o Caminho de Jesus se encontra onde os seguidores de Cristo honram o papel do Estado na manutenção da justiça e da paz, na medida em que o discernimento e a capacidade humana o permitam. Afirmamos a separação entre Igreja e Estado, mesmo quando nos esforçamos para apoiar o Estado na medida em que a consciência cristã permite.
Confessamos que nos afastamos deste Caminho quando confundimos o papel do Estado com o da Igreja. Afastamo-nos ainda mais do Caminho quando renunciamos ao chamado da Igreja de falar profeticamente ao Estado, sugerindo que a Igreja deveria ou poderia assumir a natureza, as tarefas e a dignidade que pertencem ao Estado, tornando-se ela mesma um órgão do Estado.
Comentário:
Nesta sétima afirmação, verificamos de forma clara que, amar o nosso próximo possui três consequências bastante significativas para a relação entre a Igreja e o Estado. Em primeiro lugar, esse amor que devemos ter para com nosso próximo deveria nos levar à busca da preservação da “liberdade religiosa”. Fazer essa afirmação significa o mesmo que afirmar duas coisas: de um lado, a liberdade religiosa implica em um Estado laico, ou seja, que o Estado não tenha ingerência nem receba ingerência da Igreja. Somente em Estados assumidamente religiosos o Estado existe para cumprir a pretensa “vontade de Deus” apresentada pela Religião oficial. O problema é que essa postura acaba por fazer com que todos os que discordem da postura daquela religião acabem ficando em uma condição de ilegalidade, portanto, em situação de eventual punibilidade. Não é isso que a liberdade religiosa pretende. Outro aspecto que a liberdade traz é a certeza de que a expressão de todas as fés devem ser respeitadas. Isso, por óbvio, significa que não existe a supremacia de uma igreja ou religião sobre qualquer outra. A liberdade religiosa é a liberdade para que o cidadão escolha se e qual expressão religiosa ele deverá seguir. Assim, porque amamos o próximo, ninguém deverá ser privado de expressar, viver ou de expor sua fé.
Em segundo lugar, esse amor que devemos ter para com nosso próximo deve dar à Igreja a capacidade de falar “profeticamente ao governo”. Assim, por causa de nosso amor ao próximo, as vezes precisamos levantar nossa voz para criticar, para denunciar ou para assumir uma postura profética na sociedade. Para que isso possa ocorrer, é claro que a Igreja deve estar – conforme vimos acima -, desligada do Estado. Uma Igreja que se comporta como um “satélite” do poder, não tem a autoridade para emitir crítica. No entanto, a separação entre estes dois entes nos permite desenvolver um senso crítico mais acurado e uma prática de denúncia mais clara. Agir como fizeram os profetas na Bíblia, muitas vezes nos leva a sofrer consequências. No entanto, por amor ao próximo, não podemos calar quando o Estado age de forma despótica tratando a pessoa humana como “coisa” ou “objeto” e não como “imagem de Deus”. Assim, porque amamos a Deus acima de todas as coisas e ao próximo, não existe a possibilidade do silêncio convivendo com a submissão à Deus e o amor ao próximo. Assim, nosso amor nos dá o dever de agir profeticamente contra todos os que objetificam ou coisificam àqueles a quem Deus chama de sua imagem e semelhança.
Por fim, em terceiro lugar, esse amor que devemos ter para com nosso próximo deve nos fazer resistir à união entre Igreja e Estado. Entendemos que que o Estado tem um papel fundamental para a defesa da vida e da liberdade de todas as pessoas, bem assim, para a promoção do bem-comum proveniente do desenvolvimento da justiça e da paz como realidades presentes na ordem social. A Igreja, por seu turno, na condição de agente do Reino de Deus, não pode assumir para si o múnus do Estado mas, contudo, não pode deixar de lembrar o Estado acerca de seus deveres para com a sociedade. Isso somente poderá realizar-se de forma adequada se Estado e Igreja se mantiverem afastadas. De fato, a experiência histórica nos mostra que sempre que o Estado se uniu à Igreja houve um período em que a Igreja se calava frente ao autoritarismo do Estado, o que acarretava claras violações contra os direitos humanos frutos de uma legitimação religiosa ou “divina” dos desmandos perpetrados pelo Estado.
Os dois textos bíblicos utilizados para fundamentar essa afirmação são significativos. O primeiro deles, já profundamente conhecido, Jesus diz: “Dai, pois a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Lucas 20:25. Neste texto verificamos claramente duas esferas díspares e que convivem simultaneamente: a esfera de Deus e a esfera de César. As duas esferas não podem e não devem se confundir, e mais, uma não pode trazer para si as qualidades e atributos próprios do outro. No texto de I Pedro 2:17 somos ensinados acerca de que tipo de tratamento devemos ter para com as pessoas e as instâncias. Assim, devemos tratar “todos com honra”, amar os nossos irmãos, temer somente a Deus e honrar o rei. Não devemos confundir os tratamentos utilizados para Deus e para o rei justamente porque o rei não é Deus nem tem status de divindade.
Como consequência disso, como Cristãos, a Afirmação de Phoenix afirma que, devemos nos esforçar para ter uma vida pautada pela cidadania responsável o que implica em viver como verdadeiros discípulos de Cristo. Assim, entendemos que a separação entre a Igreja e o Estado tanto redunda na proteção da Igreja - e de outras comunidades de fé -, bem assim, como também do próprio Estado.
Em razão disso, afirmamos com toda a convicção que, o Caminho de Jesus é aquele no qual seus seguidores honram “o papel do Estado na manutenção da justiça e da paz”, na proporção em que nosso discernimento nos permite ver. Assim, mesmo quando, em razão de nossa consciência, somos levados a apoiar a ação do Estado, reafirmamos a necessária separação entre Igreja e Estado.
Por isso, ao encerrarmos nosso comentário a essa sétima afirmação, confessamos que, sempre que confundimos os papeis do Estado e da Igreja, nos afastamos do Caminho de Jesus. Mais ainda, confessamos que sempre que renunciamos ao dever da Igreja de falar profeticamente ao Estado, também nos afastamos desse Caminho pois assim, permitimos que pessoas sugiram que a Igreja devesse ou pudesse “assumir a natureza, as tarefas e a dignidade” próprias do Estado, vindo ela própria a se tornar um órgão do Estado.
Comments