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OS TRÊS "SOLAS" DA REFORMA 2: Sola Gratia

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Rev. Padre Jorge Aquino.

Estamos, agora, diante de um tema que é presente, exclusivamente, dentro do cristianismo. Na verdade, uma vez que a religião é a alma da cultura, considerando que existem milhares de culturas em nosso mundo, da mesma forma também existem milhares de religiões. O que há de comum em todas elas, contudo, é a inexistência de uma doutrina da graça. Mas o que queremos dizer por “Graça”, ou melhor por “Só a graça”? O que parece ter ocorrido é que, com a expansão do cristianismo pelo mundo, ele acabou por se contaminar com vários aspectos das religiões com as quais entrou em contato, abrindo mão desse aspecto que é resgatado pela Reforma protestante do século XVI. Desta forma, um primeiro aspecto que precisamos apresentar tem a ver com a questão: qual a verdadeira definição de graça? Para os cristãos, a graça pode ser definida como sendo o “favor imerecido de Deus” sobre o homem ou, nas palavras de Millard Erickson, a “ação imerecida de Deus para com o homem. É um fluir único da bondade e generosidade de Deus” (ERICKSON, 1991, p. 75). Quando falamos que esta postura difere das demais religiões conhecidas, é porque em sua totalidade, quando as religiões não cristãs falam da graça, todas elas fazem referência ao resultado direto do esforço e do denodo do homem e da sua consequente remuneração divina. Assim, nas demais religiões, existe uma espécie de “barganha” entre os homens e Deus, na qual Deus remunera o homem por ter feito ou realizado alguma coisa boa, ressaltando os méritos do homem.

Mas, em segundo lugar, o que diz as Escrituras sobre esse tema? Não é preciso ir muito longe para perceber que o ensino bíblico é muito claro. São Paulo, por exemplo, escreveu muito sobre o tema. No entanto, nos dedicaremos a apenas dois versículos bastante claros. O primeiro deles diz: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie (Efésios 2:8,9). Neste texto Paulo deixa cristalina a doutrina de que nossa salvação advém, única e exclusivamente, da graça de Deus. Ademais, ele afirma peremptoriamente, que nossa salvação não vem de nós mesmos, mas “é dom de Deus”, e arremata, “não vem das obras” porque é dom de Deus. Perceba bem esses dados escriturísticos: (i) nossa salvação independe de nosso esforço ou das boas obras que realizamos; (ii) caso nossa salvação tivesse como causa nosso esforço ou nossos méritos, Paulo jamais diria: “não vem de vós”; ademais (iii) Paulo deixa bem claro que nossa salvação não é o resultado de nosso esforço próprio, ela é “dom de Deus”. Ou seja, é uma graça que nos é dada gratuitamente. O segundo versículo que escolhi é extremamente claro. Paulo escrevendo aos Romanos, disse: (11:6) “mas, se é pela graça, não é mais pelas obras” (Romanos 11:6). Comentando esse texto, David Brown escreveu: “A posição geral exposta aqui é fundamental, e de suma importância. Pode ser expressa da seguinte forma: há apenas duas formas possíveis de salvação – obras humanas e graça divina; e estas são tão essencialmente distintas e opostas que a salvação não pode vir de nenhuma combinação ou misturas de ambas; deve ser totalmente ou por uma ou pela outra” (BROWN, In WILSON, 1981, p. 163).

Em terceiro lugar, urge verificar o que ensina o anglicanismo acerca desse tema. Por isso, quando os Anglicanos pensam sobre a graça, eles refletem exatamente o mesmo pensamento que foi resgatado e refeito pela Reforma do século XVI. Desta forma, ao observarmos, por exemplo, o texto dos 39 Artigos de Religião, em seu Artigo X, que tratam do livre-arbítrio, ensina que “A condição do Homem depois da queda de Adão é tal que ele não pode converter-se e preparar-se a si mesmo, por sua própria força natural e boa obras, para a fé e invocação a Deus. Portanto, não temos o poder de fazer boas obras agradáveis e aceitáveis a Deus, sem que a graça de Deus por Cristo nos preceda, para que tenhamos boa vontade, e coopere conosco enquanto temos essa boa vontade”. Em outras palavras, não existe na natureza humana a capacidade necessária para agir de tal forma que produza ou cause a graça de Deus nele. Em outras palavras, não existe esforço suficiente, no homem, que nos faça alcançar a graça de Deus. Nem mesmo quando fazemos o que é bom ou certo, agimos de forma absolutamente livre qualquer forma de interesse. Agimos assim para sermos vistos pelas pessoas ou bem para sermos abençoados por Deus. Em outras palavras, nenhum bem que fazemos, o fazemos desinteressadamente. Um detalhe que nem sempre percebemos, é que a doutrina reformada da graça, difere da doutrina romana pelo fato de que enquanto para os romanos a graça é infundada, entre os reformados, a graça é imputada. Esta distinção surge com Lutero e é exposta por Timothy George quando escreve: “Lutero abandonou a figura médica da participação-infusão em favor da linguagem forense da imputação. (...) A linguagem da imputação deixa a metáfora da medicina para a da corte judicial. Deus aceita a justiça de Cristo, que é diferente de nossa natureza própria, por ser nossa. Embora nossos pecados não sejam realmente removidos, deixam de ser denunciados contra nós. Lutero descreveu essa transação como uma ‘doce troca’ entre Cristo e o pecador” (GEORGE, 1993, p. 71). Essa mudança nos faz deixar de “ter que agir” (indo à missa, comungando, confessando, etc.) para que, assim, recebermos a graça infundida de Deus, que nos fortalece e nos torna aceitáveis à Deus. Sendo imputada, somos aceitos por Deus em razão do que Cristo realizou, uma vez por todas, na cruz. Assim, não precisamos ter que fazer nada para sermos salvos; ela é um presente gratuito de Deus à todos os que creem.

Encerramos essas palavras lembrando as palavras de um homem que passou toda a sua vida traficando escravos. John Newton (1725-1807), depois de ser o responsável pela morte de centenas de pessoas e de escravizar e vender milhares de outras, encontra na mensagem do Evangelho a luz para a sua vida. E já no fim de sua existência, o autor da linda canção “Maravilhosa Graça”, já sofrendo com sua demência mental afirmava: “Embora minha memória desvaneça, lembro-me claramente de duas coisas: eu sou um grande pecador e Cristo é um grande salvador”. Desta forma, uma Igreja que nega a graça, e fundamenta todo o seu discurso e sua prática em costumes e nas “campanhas” ou “correntes de libertação” é uma Igreja “sem graça”, portanto, uma Igreja, lamentavelmente, “des-graçada”.


Referências bibliográficas:

ERICKSON, Millard J. Conciso dicionário de teologia cristã. Rio de Janeiro: JUERP, 1991

GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 1993

WILSON, Geoffrey B. Romanos: um resumo do pensamento reformado. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1981


 
 
 

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