
Reverendo Jorge Aquino.
Pouca gente sabe, mas somente doze países no mundo possuem, em sua bandeira, alguma frase escrita. Na maioria delas, a frase possui alguma conotação religiosa. No caso da bandeira do Brasil, nós lemos: “Ordem e progresso”. Mas como surgiu essa frase?
Esta citação é o lema de um movimento conhecido como Positivismo. Para escritores como Chris Rohmann, o positivismo é uma “Postura filosófica segundo a qual o único conhecimento genuíno é obtido pelo método da ciência” (ROHMANN, 2000, p. 315). Embora o termo surja com Saint-Simon (1760-1825), o conceito foi ampliado, desenvolvido e popularizado por meio de um de seus discípulos, Augusto Comte (1798-1857). Desta forma, para Comte, além de reconhecer a metodologia científica desta teoria como sendo a única a ter o status de caminho adequado para um conhecimento real e absoluto, quando aplicada à realidade social e política, ela tem o condão de revelar um estágio novo e mais elevado do progresso humano. Assim, este pensamento compreende que o estudo da sociedade, fatalmente abarcaria dois aspectos distintos, um estático e o outro dinâmico. O primeiro deles “estabelece a ordem e o segundo o progresso. Assim, a um só tempo doutrina e método, o positivismo fornece os instrumentos para o funcionamento de qualquer sistema político, ou seja, a ordem e o progresso” (AZEVEDO, 1999, p. 362). De uma perspectiva filosófica, este termo se refere a uma postura que se opõe radicalmente à toda forma de religião e teologia, identificando o materialismo e o empirismo, como caminhos mais adequados para se conhecer a verdade.
O pensamento positivista floresceu dentre os intelectuais brasileiros, vindo a ter um papel de grande relevância no ideário da proclamação da República em 1889, principalmente na separação entre Igreja e Estado. Neste momento, muitas personalidades influentes em nosso país, se aliava ao positivismo, dentre eles Benjamim Constant – por meio de quem os militares receberiam esta influência filosófica -, Miguel Lemos, Borges de Medeiros, Júlio de Castilho e outros. Dentre os principais intelectuais brasileiros que abraçavam o positivismo, encontramos um Euclides da Cunha, Lima Barreto, Silvio Romero, etc. Não é sem razão que o lema positivista tremula em nossa bandeira nacional.
O paradoxal, nisso tudo, é que na tarde do ultimo domingo (8 de janeiro de 2023), um grupo de extremistas radicais invadiu a praça dos três poderes em Brasília e, defendendo uma postura marginal e um projeto de poder com base na violência e na desobediência às leis, atentou contra as instituições democráticas da República, vandalizando os prédios que sediam todos os três poderes, furtando armas, destruindo o patrimônio público, bem assim uma parte relevante do acervo cultural, já tombado de nosso país. Na verdade, desde o final do regime militar, o Brasil jamais viveu um clima de insurgência contra a lei e a ordem de uma forma tão clara e tão intensa. O que todos nós vimos na manhã seguinte, foi um cenário de caos nas sedes dos três poderes da República. O que é mais paradoxal nesse momento de baderna, de vandalismo e de desordem, e que produziu muita confusão, conflito e tumulto, é que, uma grande parte desses desordeiros, portava ou se escondia por trás da bandeira nacional que traz consigo, exatamente o lema positivista da “ordem e progresso”. Afinal, podemos dizer que essa turba estava honrando nossas cores e nossa bandeira? Podemos identificar estas pessoas de patriotas? É óbvio que não! Eles agiram como criminosos e delinquentes. Na verdade, os tipos penais que poderiam ser apontados para aqueles que, ou bem agiram, ou bem deixaram agir, e que foram elencados pelos juristas são: terrorismo, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, incitação ao crime, associação criminosa, ameaça, perseguição, dano qualificado, prevaricação, e outros possíveis. Ademais, precisamos vislumbrar não apenas os gestos, mas as motivações que fizeram essa turba agir. Que fique claro, contudo, que estamos falando aqui de uma minoria de golpistas antidemocráticos que, de forma alguma, representa a sociedade ou o povo brasileiro. Assim, que fique claro que, levar consigo a bandeira brasileira, no mesmo momento em que se comete crimes contra a nação e contra os três poderes, não transforma esse crime em virtude, nem a concretização da desordem em busca da ordem e do progresso.
É mister e urgente que todos os verdadeiros democratas, vitoriosos ou não no ultimo pleito, se aliem nesse momento grave de nosso país, para que a ordem democrática se fortaleça ainda mais, para que os atos criminosos de terrorismo e vandalismo sejam exemplarmente punidos com o rigor da lei e para que o nosso país possa – apesar desses delinquentes – caminhar com orgulho e altivez para um futuro pleno de progresso.
Urge, portanto, que se adotem medidas a fim de responsabilizar os participantes desses atos terroristas contra o Estado de Direito, bem assim, os que financiaram, planejaram e incentivaram, sejam eles quem for e estejam eles onde estiver. A democracia é um espaço que permite o dissenso e a discórdia, mas não permite golpes de Estado na busca de um regime de exceção. A existência da liberdade de expressão é um prova de civilidade e um dos pilares de uma sociedade que se entende democrática. É ela que garante a todos nós o direito de expressar sua opinião. No entanto, para que se abarque a multiplicidade de pensamentos, exige-se a tolerância. No entanto, quando falamos em tolerância, é preciso que se diga que podemos tolerar muita coisa, exceto a intolerância. Por isso, já dizia o filósofo Karl Popper: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. Da mesma forma, não se pode aceitar que a democracia acolha discursos antidemocráticos.
Referências bibliográfica:
AZEVEDO, Antônio Carlos do Amaral. Dicionário de nomes, termos e conceitos históricos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999
ROHMANN, Chris. O livro das ideias. Rio de Janeiro: Campus, 2000
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