OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR LÍQUIDO
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 21 de ago. de 2018
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Reverendo Padre Jorge Aquino.
Um autor de origem polonesa, mas erradicado na Inglaterra escreveu um excelente texto chamado “amor líquido”. Este autor se chama Zygmunt Bauman, e em seus textos ele procura as causas das grandes mudanças que estão ocorrendo entre os seres humanos, afirmando que elas estão cada vez mais líquidas e, por via de conseqüência flexíveis e produtoras de insegurança
O primeiro movimento que Bauman denuncia nos relacionamentos é a troca entre a realidade e a virtualidade. Hoje, mais do que nunca os humanos se relacionam por meios virtuais (chats, e-mails e mensagens de texto, p.e.). A trágica conseqüência desse tipo de relacionamento é o “desaprendizado” que se vê hoje em se manter relacionamentos mais duradouros. Os e-mails e os SMS’s podem ser deletados em segundos e, em segundos, tudo o que foi construído entre as pessoas pode magicamente desaparecer. O medo é que este tipo de conseqüência produza algum rebatimento na vida real, trazendo a virtulidade para as palavras e para as promessas. De repente, não mais que de repente, o que fora prometido com tamanho amor a menos de seis meses pode ser deletado e enviado para a lixeira com a mesma facilidade com que se aperta a tecla de um computador. Estamos entrando no momento da crise dos relacionamentos longos e duradouros.
Uma segunda conseqüência desta liquefação dos relacionamentos é que os próprios relacionamentos estão sendo tratados como se fossem mercadorias. Assim como acontece quando vamos a um shopping para comprar uma TV, sem saber se ela vem com algum vício redibitório ou se vamos gostar do produto, os relacionamentos também estão sendo vividos sob esta nuvem de desconfiança. Se eu não gostar, peço meu dinheiro de volta, ou troco a mercadoria. Hoje podemos trocar de cônjuge como quem troca um celular, que embora funcione, não tem aquela “função” nova tão cobiçada pelas pessoas. Em resumo, se ele funciona, mas se você não gostou, pode trocar por outro a hora que quiser.
Uma terceira e avassaladora conseqüência destes dois pontos anteriores é que nossa sociedade está gestando uma nova ética de relacionamentos. Estamos assistindo o nascedouro de uma época de relacionamentos desumanizados, provisórios e fragilizados. Na realidade é uma sociedade de “des-relacionamentos”. Em uma sociedade assim não haverá mais espaço para o amor e a confiança. As pessoas tenderão a serem cada vez mais coisificadas e instrumentalizadas. Neste ambiente, não haverá espaço para se acreditar nos outros. Os casais se manterão casados em razão de interesses outros (herança, companhia, privilégios, vantagens sociais e pecuniárias, etc.), mas não por confiança e por amor. Ao invés de se amarem e se nutrirem, os cônjuges aprenderão a se usarem e a lucrarem um com o outro, e isto, tragicamente, com mútuo consentimento.
A causa desta realidade se encontra na descontrução da experiência do amor romântico. Embora as pessoas se casem, e se casem muito ainda hoje, o amor romântico parece está fora de moda. O que assistimos diuturnamente nas TVs e o que lemos nas revistas de fofocas é que o amor romântico foi reduzido e rebaixado a apenas um conjunto de experiências – as mais diversas e criativas, furtivas e inusitadas – vividas pelas pessoas. Tudo isso é descrito como “fazer amor”. É possível, hoje, ir para cama com uma pessoa que você não conhece, realizar todas as fantasias sexuais possíveis, pagar um preço previamente acertado e dizer que fez amor com ela. O ator global “fulano de tal” trocou mais uma vez de parceira e a atriz “fulaninha” anuncia o fim do casamento com seu terceiro marido. Como não se tem mais a responsabilidade de se viver o que se fala, em razão da hipocrisia que se instalou na nossa sociedade, dizer “eu te amo” é a coisa mais fácil do mundo. “AMOR” tornou-se uma palavra sem sentido. Citando Bauman “Amar é querer ‘gerar e procriar’, e assim o amante ‘busca e se ocupa em encontrar a coisa bela na qual possa gerar’… não é ansiando por coisas prontas, completas e concluídas que o amor encontra o seu significado, mas no estímulo a participar da gênese dessas coisas”.
Um quinto problema decorrente destes que foram apresentados anteriormente é o medo da solidão e do sofrimento. Estranhamente ao mesmo tempo em que se multiplicam as redes sociais as pessoas ficam mais solitárias, iludindo-se com a quantidade de “amigos” do Facebook. Outra forma de medo se manifesta quando as pessoas optam por relacionamentos fortuitos e rápidos porque entendem que uma relação estável e duradoura implica em mais dor e sofrimento. Ficar casado muito tempo significa sofrer com as manias, os defeitos e os problemas do marido ou da esposa. Solução: separe-se e troque de marido. As pessoas só não entendem que trocando de marido só estão trocando de problemas. Em resumo como tudo é fluido e passageiro, não podemos nos apegar a nada porque isso poderia nos fazer sofrer. Qual a saída? Multiplicar os parceiros e as experiências para evitar a solidão. Enganam-se pensando que saindo toda semana com uma pessoa diferente a resolve-se o problema da solidão. É melhor, para esta lógica, portanto, trocar a qualidade do relacionamento pela quantidade de relacionamentos. Assim como ocorre com as TVs ou com os celulares, troca-se de relacionamento por mero impulso consumista.
Finalmente, e como gran finale da argumentação de Bauman ele denuncia como a grande saída escolhida por nossa sociedade para o problema da insegurança, os “encontros virtuais”, visto ser mais fácil “deletar” um contato, “apagar” uma conversa ou dizer “adeus” a quem se quer. De repente é como se nada tivesse acontecido. No momento em que um “amigo” não se torna mais interessante, ele é simplesmente, descartado e substituído.
Do que vimos acima aprendemos que o amor líquido é a descrição de uma fragilidade crônica nas relações pessoais que se manifesta na flexibilidade como que trocamos e substituímos os cônjuges e relacionamentos. Já que nada mais é duradouro neste mundo, os relacionamentos também não serão mais.
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