
Padre Jorge Aquino
Um dos temas mais significativos para todo ser humano tem a ver com o amor. Renato Russo, em uma de suas mais conhecidas canções já afirmava: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã; por que se você parar pra pensar, na verdade não há”. Mas, afinal de contas, o que é o amor? Catarina Souza nos diz que ele é comumente “definido como um sentimento, uma emoção que representa uma forte afeição pessoal e apego, uma virtude associada à bondade, ao carinho e à compaixão, atração, inclinação, conquista, desejo, etc.” (SOUZA, sd, p. 33).
Quando falamos sobre esse assunto, irremediavelmente nos remetemos ao amor romântico ou ao sentimento de paixão que une duas pessoas. No entanto sabemos, até pela definição acima, que ele transcende essa relação e descreve nosso comportamento para com o outro, para com objetos, lugares e até para com Deus.
Ser amado é o mesmo que ser aceito e, portanto, estamos falando de um sentimento que, em todas as culturas é visto com muita importância, uma vez que ninguém gosta de ser rejeitado ou de ser tratado como um pária. Seguindo nesse linha de raciocínio há quem sustente que o amor foi “inventado” quando o homem experimentou, pela primeira vez a realidade da solidão e do desamparo.
Na obra Para filosofar, as autoras Neusa Vendramin Volpe e Ana Maria Laporte, dizem que “o amor é um modo de ser, de viver, que se conquista gradualmente, à medida que se desenvolve a sensibilidade para com as outras pessoas. É a capacidade de descentralizar-se, sair de si e ir ao encontro do outro, em uma atitude de zelo e respeito. (…) Amar é preservar a identidade e a diferença do outro, sem perder a sua. É estar comprometido com a realização do outro, é querer seu bem” (VOLPE & LAPORTE In SOUZA, sd, p. 33).
Entre os filósofos esse tema foi bastante abordado. No entanto, em função do espaço, citaremos apenas o pensamento de dois deles: Platão e Espinosa. Começando com Espinosa (1632-1677), o ilustre pensador de Amsterdam. Com ele aprendemos que “O amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior” (sic) (ESPINOSA, Apud COMTE-SPONVILLE, In VÁRIOS, 1999, p. 40). Em Espinosa, portanto, amar é alegrar-se com, ou de. Há sempre uma causa exterior, algo além de si. E sem ela, o que resta é o sentimento de falta ou de mágoa. Importante registrar que Aristóteles já se referia ao amor como “regozijar-se” e, portanto, é interessante notar essa dependência conceitual.
Para Espinosa não podemos viver sem amor vez que ele é a o próprio motor de nossa vida. Citando mais uma vez o pensador racionalista judeu de família portuguesa, “Em razão da fragilidade de nossa natureza, sem algo de que gozemos, a que estejamos unidos e por que sejamos fortalecidos, não poderíamos existir” (ESPINOSA, Apud COMTE-SPONVILLE, In VÁRIOS, 1999, p. 39).
O amor é tão importante que Comte-Sponville chega a dizer que “se a vida vale ou não a pena ser vivida, se vale ou não vale, melhor dizendo, a pena e o prazer de ser vivida, depende primeiro da quantidade de amor de que somos capazes” (COMTE-SPONVILLE, 2002, p. 38). Ele mesmo dirá que a felicidade é um amor feliz, ou vários; ao passo que a infelicidade é um amor infeliz ou amor algum. Toda nossa felicidade e toda nossa miséria, diz Espinosa, “residem num só ponto: a que tipo de objeto estamos presos pelo amor?” (COMTE-SPONVILLE, 2002, p. 38, 39).
Um outro pensador que poderíamos citar é Platão (427-347 a.C.), para quem amar não é, primariamente, ter alegria, mas sentir falta, frustração e sofrimento. Vejamos suas palavras: “O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor” (PLATÃO, Apud COMTE-SPONVILLE, In VÁRIOS, 1999, p. 40). Nele o amor é associado a uma incessante busca pela beleza que tem origem nessa realidade física, imperfeita e transitória que é o mundo no qual vivemos. É a partir de nossa realidade pontual e imperfeita que buscamos a forma universal e perfeita do amor, libertando-nos, assim, da matéria. Na verdade, “Se o desejo é ‘desejo de alguma coisa’ e só desejamos o que não temos, os panegiristas da trupe estão bem erados em ornamentar o amor com todos os bens e todas belezas (LANCELIN & LEMONNIER, 2008, p. 20). É importante atentar que para ele mesmo o amor sexual pode ser visto como um degrau para nos elevar até o mundo das ideias, onde encontramos o amor platônico – confundido, lamentavelmente, com o amor não correspondido.
Para os gregos o amor era visto de uma forma dual e para cada um desses aspectos, se usava uma palavra específica. A palavra philia é usada para a alegria de amar, e eros, para sua falta. Comte-Sponville, nos diz que “A falta e a alegria, eros e philia, não são menos diferentes um do outro. Eros é primeiro, claro, já que a falta é primeira: vejam o recém-nascido que busca o seio, que chora quando lho retiram… É o amor que toma, o amor que quer possuir e guardar, o amor egoísta, o amor passional; e toda paixão devora” (COMTE-SPONVILLE, In VÁRIOS, 1999, p. 41). Enquanto eros é o amor que prende e segura fortemente, philia é a possibilidade e o amor que se multiplica pela felicidade do outro. Este é o amor que compartilha e se alegra.
Por isso amar em Espinosa é mais interessante. É amar não em ausência ou em sofrimento, mas em alegria por sua existência. Falando sobre este pensador, Souza (sd, p. 35) nos diz que Espinoza “dizia que o amor era o pleno conhecimento da verdade que faz o ser humano totalmente feliz. Ele sustentou que o amor implicava ter consciência do objeto enquanto algo que suscita o próprio bem-estar de alguém”.
Encerro estas poucas palavras citando a bela poesia de Carlos Drumond de Andrade chamada Amar se aprende amando:
“Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez como receio de enfrentar sua espada coruscante, seu formidável poder de penetrar o sangue e nele imprimir uma orquídea de fogo e lágrimas.
Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor que trazias para mim e que teus dedos confirmavam ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro, o Outro que eu supunha, o Outro que te imaginava, quando – por esperteza do amor – senti que éramos um só”.
Referência bibliográfica
COMTE-SPONVILLE, André. Apresentação da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2002
LANCELIN, Aude & LEMONNIER, Marie. Os filósofos e o amor. Rio de Janeiro: Agir, 2008
SOUZA, Catarina A. O que é o amor, In Filosofia: grandes temas do conhecimento, São Paulo: Mythos, sd
VÁRIOS, Café fhilo. Rio de Janeiro: Zahar, 1999
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