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O PROGRESSO NA COMPREENSÃO DA FÉ

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝

Atualizado: 20 de jun. de 2022


Padre Jorge Aquino.

Quando falamos em “progressismo”, muita gente pode interpretar esse termo de forma bastante diferente. Associar esse termo à fé cristã parece trazer consigo muito problema, uma vez que parece ser universal a ideia de que a fé cristã é imutável e estática, portanto, não progride.

Em documentos como o Commonitorium, escrito no 5º século por Vicente de Lérins, se diz que – contra os heréticos que pretendem modificar a fé -, “nós guardamos aquilo que por toda a parte, aquilo que sempre, aquilo que por todos foi crido” (In GIBELLINI, 1998, p. 325). Essa afirmação de Vicente de Lérins vem sendo apresentada como o critério para que uma verdade seja vista como católica e absoluta. Ou seja, a fé católica é aquela que perpassa o espaço (“toda parte”) o tempo (“sempre”) e o número dos que creem (“por todos”). No entanto, quando seguimos na leitura do texto de Lérins, nos damos conta de que ele mesmo pensa na possibilidade de um progresso na fé. Por isso ele diz: “Mas progresso não é o mesmo que mudança, [...] Cresça, pois, a compreensão da verdade, mas no mesmo gênero, no mesmo sentido, na mesma doutrina”. Assim, muito embora ele estabeleça critérios e condições bem determinados para o progresso, parece que a grande questão está na forma do desenvolvimento da fé ou do dogma, ou seja, em sua evolução.

Reconheço que a questão do progresso é um tormento para muitas mentes. Na verdade, a ideia de progresso “nasce no mundo moderno e constitui um dos referenciais mais importantes do pensamento ocidental, desde o século XVIII” (VELASCO In VILLA, 2000, p. 617). Na verdade a ideia de progresso estava intimamente relacionada ao Iluminismo e sua postura frente ao futuro. Ele deveria ser visto como aquela ação que nos impulsionaria a ir adiante e em frente, ao mesmo tempo em que o progressismo era visto como aquela atitude que favoreceria o progresso.

Aprendemos com Rohmann (2000, p. 324) que “A crença de que o rumo da História é o progresso humano contínuo é antiga e bem conhecida, mas não é universal. O mito grego da Idade do Ouro de perfeição serena persiste, pois o termo continua sendo aplicado a qualquer era anterior vista em retrospecto como mais nobre, mais brilhante ou menos problemática como a nossa”. No entanto, conforme citamos, será no Iluminismo que os homens desenvolverão a tese de que o verdadeiro progresso se daria por meio da razão e do desenvolvimento da ciência. Lamentavelmente, os que observam o termo com um viés meramente político o associam àquilo que é liberal ou esquerdista, em contraste ao que é conservador. Registro ser uma pena reduzir um termo tão rico a apenas esse sentido tão limitado e restrito.

A fé pode, e sem dúvida também passa, por processos de progresso. Isso ocorre pelo simples fato de que quem acredita hoje, simplesmente está impossibilitado de ver a realidade com os mesmos olhos dos que criam no princípio da Igreja. Se mudamos a perspectiva de quem observa o ponto, a vista que temos do ponto também muda. Esse raciocínio acaba nos levando para o inevitável caminho da hermenêutica, ou seja, da interpretação.

E, nesse sentido, é preciso que reconheçamos que a interpretação está relacionada à experiência em, pelo menos dois sentidos: a do intérprete – ou comunidade que interpreta o fato -, e a do texto que acabou sendo produzido como resultado dessa interpretação. Assim, quando os autores escreveram seus textos, eles o fizeram interpretando a realidade que percebiam ou o que determinada comunidade apresentava. Por via de consequência, quando interpretamos um texto hoje, precisamos compreender que eles mesmos são interpretações de uma história vivida. No entanto, afirma Gibellini, “semelhante interpretação, literalmente fixada nos textos, contém uma experiência que deve ser interpretada e transmitida, a fim de que a experiência originária, fixada no texto, prepare outras experiências no intérprete e na comunidade que interpreta” (GIBELLINI, 1998, p. 327). No entanto, é preciso destacar que uma experiência só tem o condão de ser transmissível quando é compreensível. É nesse aspecto que existe um progresso hermenêutico e, por via de consequência, um progresso na forma de ver e de ler a fé cristã.

Quando o conhecido reformador holandês Gisbertus Voetius (1589-1676) afirmou “Ecclesia reformata et semper reformanda est ele queria dizer que a verdadeira Igreja Reformada deve sempre estar preparada para voltar às Escrituras frente a quaisquer novas doutrinas ou fés que nos separe da verdade. No entanto, ao fazer essa afirmação ele também deixa claro que a Igreja não é um ente estático e imóvel, mas que sempre se deparará com o novo e que sempre terá que se adequar a ele. É compreensível que as demandas da Igreja de hoje sejam diferentes daquelas do século XVI. Assim, quando olhamos para as mesmas Escrituras, procuramos responder a outras questões e outras demandas. É neste aspecto que precisamos sempre progredir ou assumir uma postura progressista, olhando para frente e respondendo às demandas que nosso século nos apresenta.


Referências bibliográficas:

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998

ROHMANN, Chris. O livro das ideias. Rio de Janeiro: Campus, 2000

VILLA, Mariano Moreno (Org.) Dicionário de pensamento contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000

 
 
 

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