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O MINISTÉRIO ECLESIÁSTICO NO TEXTO DO DIDAQUÊ - Διδαχή

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝

Atualizado: 7 de fev. de 2023


Reverendo Jorge Aquino.

Até o século XIX tínhamos o conhecimento da existência de um texto com o título de Didaquê, no entanto, ainda não tínhamos o texto. Um dos testemunhos mais antigos da existência do Didaquê foi Eusébio de Cesaréia (História da Igreja III.25.4), mas ele também é citado na Carta Festal 39 de Atanásio e em outros autores cristãos antigos como, por exemplo, Clemente de Alexandria. Seja como for, precisamos registrar que “o texto desta foi encontrado só em 1873 num manuscrito do século XI, então em Constantinopla, passando em seguida ao Patriarcado grego de Jerusalém” (MORESCHINI/NORELLI, 1996, p. 189). Sabemos também, hoje, da existência de fragmentos do texto na língua copta e etíope, além de uma tradução georgiana completa.

A palavra Didaquê, vem do grego e significa “ensino”. No entanto, quando nos referimos ao livro conhecido como Didaquê, estamos nos referindo a um antigo livro cristão que sempre foi conhecido como “O Ensino dos Apóstolos”. Este, apesar de ser um tratado simples, é extremamente rico em seu conteúdo, vez que nos mostra muito de como funcionava o cristianismo no final do primeiro e início do segundo século. Sua composição foi realizada, claramente, em partes. No entanto, é seguro afirmar que ele já estaria pronto em torno do ano 150 d.C. e que teria sido escrito em algum lugar entre o Egito, Palestina e a Síria. Guido Bosio, contudo, é mais assertivo ao dizer que “O local da composição parece ser a Síria e mais precisamente Antioquia. O autor é um cristão proveniente do judaísmo” (BOSIO, 1964, p. 18).

Quando nos voltamos para o debate ao qual nos dedicamos, verificamos alguns textos que julgamos ser significativos. Os que tratam especificamente sobre o tema que queremos estudar, está no capítulo XV do livro. O seu texto é bastante resumido, no entanto, nos revela algumas verdades importantes para nossa reflexão hoje. Vejamos, então, o conteúdo do capitulo. Antes de mais nada, atentemos para as informações que nos é dada pelo autor ao nomear o capítulo XV como o que trata “Acerca dos bispos e diáconos, e do Evangelho”. Eis, na íntegra, o conteúdo do capítulo: “1. Elegei, então, para vós mesmos bispos e diáconos dignos do Senhor, varões mansos e não amantes de dinheiro, verdadeiros e aprovados, porque também eles vos ministram os serviços dos profetas e mestres. 2. Não os desprezeis, pois, porque são dignos de igual honra, como os profetas e mestres. 3. E corrigi uns aos outros, não em ira, mas em paz como tendes no Evangelho, e alguém tendo desviado a outro, ninguém lhe fale, nem ouça uma palavra de vós, até que se arrependa. 4. Mas as vossas orações e ofertas e todas as ações as fareis como tendes no Evangelho de nosso Senhor” (SALVADOR, 1980, p. 81). O primeiro detalhe que nos chama a atenção, é que o capítulo é bastante conciso, e se divide em apenas quatro versos. No primeiro deles, se apresentam os ministros da Igreja e suas características; no segundo o autor nos ensina a tê-los em honra; no terceiro se dá algumas instruções sobre como tratar a quem precisa ser corrigido e, finalmente, no quarto, a instrução de que nossa prática deve estar de acordo com o Evangelho.

Quando nos atemos mais detidamente ao texto deste capítulo, algumas informações nos chamam a atenção imediata. Desta forma, vejamos os principais fatos encontrados aqui. Em primeiro lugar, o texto nos diz que os ministros são todos eleitos pela comunidade. No texto grego encontramos o termo “Χειροτονήσατε”, que é traduzido por “elegei”. Originalmente, o termo nos fala de alguém que vota, elege ou nomeia alguém pelo gesto de levantar a mão. No Novo Testamento o termo ocorre em Atos 14:23 e II Coríntios 8:19. No primeiro texto lemos as ações de São Paulo que: “E, havendo-lhes por comum consentimento eleito anciãos em cada igreja, orando com jejuns, os encomendaram ao Senhor em que haviam crido”. O detalhe, é que, nesse texto, a palavra “anciãos” é a tradução do termo grego presbutérous. Já o texto de II Coríntios nos fala de um irmão que fora enviado juntamente com Tito e que fora eleito pelas igrejas para ser um dos companheiros de viagem de Paulo. Não resta dúvida, portanto, que no cristianismo primitivo, era a comunidade local que elegia seus ministros. Concorda conosco o professor Faus, quando escreve que, “ainda que a figura não esteja bem delineada, já está presente o princípio eletivo. Precisamente por isso é necessário recomendar que se eleja homens dignos do cargo” (FAUS, 1996, p. 10).

Em segundo lugar, resta claro pelo texto, que o ministério da comunidade é composto por duas classes de pessoas bem claras e distintas, os bispos e os diáconos (ἐπισκόπους καὶ διακόνους). Muito embora eles convivessem com a liderança carismática mais antiga, ou seja, os profetas e mestres (προφητῶν καὶ διδασκάλων), os bispos e diáconos aparecem desde o Novo Testamento, como os dois ministérios encontrados na igreja primitiva. É significativo registrar que, segundo alguns pensadores, houve uma transição rápida de um ministério mais carismático para outro mais formal. Assim, lemos que “Subitamente, 15,1-2 exorta a eleger do seio da comunidade bispos e diáconos, que ‘desempenham as funções (em primeiro lugar litúrgicas) dos profetas e dos doutores’; estamos numa fase em que ministros estáveis, e não caracterizados primariamente por qualidades carismáticas, substituem a tríade apóstolos, profetas, doutores, já atestados na metade do século I nas comunidades paulinas” (MORESCHINI/NORELLI, 1996, p. 191).

O que é relevante verificar, é que no Novo Testamento existe uma relação de intercambialidade de títulos. Ou seja, as vezes, os líderes são chamados de bispos e as vezes, as mesmas pessoas são chamadas de presbíteros. Isso nos leva a crer que na igreja cristã primitiva, as duas palavras se referiam à mesma pessoa, ressaltando, como escreve Schillebeeckx que a “episkope é função dos presbíteros” (SCHILLEBEECKX, 1989, p. 170). Apontando para esta realidade, De Almeida segue nesta mesma direção ao escrever que, “Ao lado dos presbíteros, também chamados de epíscopos, aparecem também ‘diákonos’: embora suas funções sejam ainda pouco claras, seus portadores devem preencher requisitos precisos, semelhantes aos dos presbíteros-epíscopos” (DE ALMEIDA, 2001, p. 58). Assim, resta claro que o ministério na Igreja primitiva ainda mantinha uma exercício baseado em duas ordens, a dos presbíteros-bispos e a dos diáconos.

Finalmente, a terceira informação relevante que o texto da Didaquê nos traz é a de que, como em outros textos cristãos dos dois primeiros séculos, os bispos são sempre colocados no plural (ἐπισκόπους), indicando que em cada igreja local existiam vários deles. Esta informação também está presente em muitos outros textos dos primeiros séculos da Igreja Cristã e revela que a tese de um bispo monárquico, ou seja, um bispo único, que dirige a igreja ao lado de presbíteros (como uma ordem distinta) e com os diáconos, é algo que somente surgirá à posteriori, ou seja, no terceiro século.


Referências bibliográficas:

BOSIO, Guido. Iniziazione ai padri. Vol. 1. Torino: Società Editrice Internazionale, 1964

DIDACHE. Disponível em <https://bibletranslation.ws/trans/didache.pdf> Acessado em 05 de fevereiro de 2023.

DE ALMEIDA, Antônio José. O ministério dos presbíteros-epíscopos na igreja do novo testamento. São Paulo: Paulus, 2001

FAUS, José Ignacio González. “Nenhum bispo imposto” (S. Celestino, papa) as eleições episcopais na história da igreja. São Paulo: Paulus, 1996

MORESCHINI, Claudio e NORELLI, Enrico. História da literatura cristã antiga grega e latina. Vol1. São Paulo: Loyola, 1996

SALVADOR, José Gonçalves. O didaquê ou “o ensino do Senhor através dos doze apóstolos”. São Paulo: Imprensa Metodista, 1980

SCHILLEBEECKX, Edward. Por uma igreja mais humana. São Paulo: Edições Paulinas, 1989

 
 
 

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