
Reverendo Jorge Aquino.
Parece que existe um imenso problema quando participamos de uma cerimônia de casamento e, ao final, ouvimos o celebrante dizer que o homem não separa aqueles a quem Deus uniu. Na verdade, existem duas versões dessa frase que pululam em nossa mente. Uma delas, contudo, é equivocada, ao passo de que a outra é correta. Mas qual das duas é a certa ou a errada? Só para relembrar, acredito que você já ouviu um ministro religioso dizer que, aqueles a quem Deus uniu, “o homem não separa”. Mas, certamente, também já deve ter ouvido algum ministro religioso dizer: “não separe” o homem àqueles a quem Deus. Afinal quem está certo? Se realmente queremos chegar à verdade sobre esse assunto, temos que tocar em três temas bem definidos. Em, em primeiro lugar, a diferença entre estas duas afirmações são claras, mas não estão na Bíblia. Vejamos como as bíblias que temos apresentam estes textos. A tradução da CNBB da Bíblia Sagrada diz, sobre Mateus 19:6: “o homem não separe”; e, sobre Marcos 10:9, lemos: “o homem não separe!”. Na chamada Bíblia Sagrada, Versão Pastoral, lemos em Mateus 19:6 assim: “o homem não deve separar”. E, em Marcos 10:9, lemos: “o homem não deve separar”. Estas traduções são exatamente iguais às traduções feitas pelos cristãos Reformados ou Protestantes. Na versão Almeida Corrigida, por exemplo, lemos em Mateus 19:6 que “o que Deus ajuntou não separe o homem”. O mesmo é encontrado em Marcos 19:6. Portanto, de uma perspectiva explicitamente bíblica, não existe, em momento ou lugar algum, a tradução “o que Deus uniu o homem não separa”. Em outras palavras, falando de uma perspectiva bíblica, não existe fundamento para dizer que os que foram unidos por Deus não podem jamais se separar.
Em segundo lugar, quando aprofundamos o debate e saímos das versões que temos em nosso vernáculo, é nossa obrigação buscar o texto original em grego, língua em que os Evangelhos foram escritos. Eis que lá lemos o seguinte: no texto grego de Mateus 19:6, está escrito “ο θεος συνεζευξεν ανθρωπος μη χωριζετω”. Da mesma forma, em Marcos 10:9 nós encontramos, surpreendentemente, a mesmíssima expressão: “ο θεος συνεζευξεν ανθρωπος μη χωριζετω”. Assim, o texto fala que o homem (ανθρωπος), não (μη) deve separar (χωριζετω). A chave está exatamente nesta ultima palavra. Ela é um verbo que está no imperativo, presente, ativo, imperfeito, da 3ª pessoa do singular de (χωριζω), que quer dizer “dividir” ou “separar”. Em Marcos o verbo aparece na mesma formatação. Ou seja, a tradução que diz: “O que Deus uniu o homem não separa”, não existe. Assim, não há qualquer fundamento exegético ou gramatical para se dizer que o casamento não pode, jamais, ser desfeito e que o casal não pode se separar. O verbo no imperativo nos apresenta uma ordem ou seja, a expressão de um desejo de Deus. Mas existe uma enorme diferença entre a expressão de uma vontade e o estabelecimento de uma norma inflexível e inquebrantável – como pretendem fazer crer os defensores do casamento indissolúvel.
Finalmente, em terceiro lugar, é preciso fazer uma interpretação do contexto desse versículo e aplica-lo à vida das pessoas. Afinal, o que os dois textos dizem, ou seja, o que verificamos pela sua apresentação gramatical e em seu contexto, ou bem, é uma afirmação peremptória de que, aqueles que foram unidos por Deus, jamais poderão ser separados, ou bem, o que os dois textos dizem é que estamos apenas diante de uma declaração da vontade íntima de Deus expressa em uma ordem clara: o homem não deve separar os que foram unidos por Deus. Mas o texto não diz que estes que foram unidos por Deus nunca se separam. Isso, simplesmente, não está no texto, ou seja, não é isso que a Bíblia diz. Na verdade, no texto lemos que Deus até prevê que existam duas possibilidade de que essa separação exista, ou bem em razão da dureza do coração do homem ou bem por prostituição (pornéia - πορνεια) ou adultério. Eis o que diz o texto sagrado: “Jesus respondeu: "Moisés lhes permitiu divorciar-se de suas mulheres por causa da dureza de coração de vocês. Mas não foi assim desde o princípio. Eu lhes digo que todo aquele que se divorciar de sua mulher, exceto por imoralidade sexual, e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério" (Mateus 19:8,9).
Caríssimos, não desejamos ou defendemos a separação de ninguém. Nosso esforço é no sentido de procurar evitar, de todas as formas e por todos os meios que dispomos, esse gesto último. No entanto, não utilizaremos de uma argumentação falsa ou falaciosa para sustentar o que simplesmente não tem fundamento bíblico. O projeto de Deus não é a separação dos que foram unidos pelo matrimônio. Mas existem realidades superveniente que tornam insustentáveis a convivência conjugal e que, lamentavelmente, apontam para a separação como a única saída possível para muitas pessoas. Estas pessoas, precisam compreender que, ao se separarem, não estão cometendo um pecado ou crime, mas buscando sua saúde mental – quiçá física -, e, muitas vezes, o bem de sua prole. Que fortaleçamos a família como projeto de Deus, mas sem mentiras nem falácias. Da mesma forma, que acolhamos os que passaram por esse momento doloroso que é o de uma separação, dando-lhes a certeza de que Deus continua a amá-los e a abençoá-los.
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