O DISCURSO DE ÓDIO E O CRISTIANISMO
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 25 de out. de 2021
- 5 min de leitura
Atualizado: 1 de nov. de 2021
Reverendo Jorge Aquino
Um dos grandes debates que está ocorrendo não apenas na academia, mas mesmo entre jornalistas em toda a sociedade nos dia de hoje, é o que diz respeito ao que se convencionou chamar de “discurso de ódio”. Para que possamos abordar esse tema com o mínimo de profundidade e com a concisão que nossos textos exigem, precisamos abordá-lo pelo menos por meio de três perspectivas fundamentais.
Em primeiro lugar, precisamos ter uma ideia sobre o que queremos dizer quando usamos essa expressão. Para tanto, principiamos nossa exposição, dizendo que uma definição ampla e cabal acerca do que vem a ser o discurso de ódio não é algo simples. Para a doutora Samanta Ribeiro Meyer-Pfug, doutora em direito pela PUC/SP, o discurso de ódio é a manifestação de ideias que incitam a “discriminação racial, social ou religiosa em determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias”. Muito embora esta definição aborde questões que envolvam discriminação racial, social e religiosa, sabemos que o discurso de ódio também abrange outros aspectos, tais como gênero, classe social, orientação sexual, aspectos físicos, etc. Em resumo, o discurso de ódio acaba abrangendo um viés bastante amplo de nossa sociedade.
Um segundo tema que precisamos abordar é a diferença fundamental e tênue que existe entre o discurso de ódio e a liberdade de expressão. Creio que quando comparamos as duas coisas, a primeira verdade que emerge aos olhos é que, enquanto a liberdade de expressão é algo fundamental para caracterizar e manter uma democracia, o discurso de ódio é uma expressão de intolerância, antipatia e impermeabilidade ao diferente.
Mas, afinal, porque o discurso de ódio é tão prejudicial para a democracia? O que fica marcado em todo discurso de ódio é a existência de uma motivação de desprezo, intolerância e animosidade marcada por puro preconceito e direcionada a grupos específicos. Em outras palavras, o discurso de ódio é um conjunto de atos marcados pela intolerância e dirigidos às minorias sociais.
Outro aspecto marcante no discurso de ódio, é que ele é sempre um discurso ou uma narrativa que expressa violência e intolerância ao diferente, ao outro, ao desigual a mim. Esse discurso acaba assumindo proporções devastadoras quando são propagados pela internet ou por grupos de whattsap. Carreiras e reputações são destruídas. Vidas são atingidas. Pessoas são “canceladas” e as consequências emocionais, psicológicas, financeiras, familiares e sociais são tremendas. Desta forma, discursos que revelam a xenofobia, misoginia, homofobia, intolerância religiosa, e outras, acabaram se tornando comuns nas redes sociais e assumindo contornos onipresentes. O potencial do discurso de ódio aumenta exponencialmente quando ele vem associado às notícias falsas, ou seja, às fake-News. Esse tipo de comportamento somente pode prosperar em um ambiente adoecido e que flerta com o totalitarismo. O maior exemplo que temos de discurso de ódio foi o comportamento antissemita que mobilizou milhões para eliminar os judeus, em razão de questões meramente ideológicas e étnicas.
Em uma democracia, esse tipo de comportamento é absolutamente inimaginável. A democracia é o regime em que, de uma perspectiva moral, todas as pessoas devem respeitar as diferenças e as opiniões dos outros. A democracia é aquele sistema político no qual a autoridade emana do conjunto dos cidadãos e se baseia nos princípios da igualdade e da liberdade. Não existe lógica em se usar a liberdade para pregar contra a liberdade, ou a igualdade para pregar a desigualdade. Assim, de uma perspectiva lógico-moral, a democracia não aceita que se alguém tenha a liberdade de pregar contra a própria democracia. Este contrassenso ou autofagia lógica não existe na democracia.
De uma perspectiva legal, nosso país assegura, conforme a Constituição Federal de 1988 que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (CF Art 5º). Como se pode claramente vislumbrar, o discurso de ódio é uma clara afronta aos direitos fundamentais garantidos em nossa Constituição. Além do que pontua nossa Constituição, é importante verificar o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) que também fundamenta a luta contra o discurso de ódio nas redes sociais. Diante desses aspectos, precisamos buscar sempre conscientizar a sociedade contra esse malefício e denunciar todos os propagadores desse comportamento socialmente danoso.
Aqueles que propagam discursos de ódio buscam encontrar lastro para seu comportamento odioso na chamada “liberdade de expressão”. É verdade que nossa Constituição Federal, em seu Artigo 5º inciso IX, garante a todos a liberdade de expressão, sendo vedado o anonimato. No entanto, ao fazermos uma ponderação dos princípios e mandamentos legais, verificamos que esta garantia não é absoluta, vez que ela precisa respeitar outros direitos igualmente postulados na CF de 1988. Isso significa que todos nós temos o direito de expressar nossa crença e nossa opinião, desde que, por meio delas, não atinjamos outras leis e garantias constitucionais.
Por fim, em terceiro lugar, é importante que tenhamos uma visão cristã sobre esse assunto, uma vez que nos identificamos como seguidores de Jesus. E, olhando para o comportamento de Jesus, verificamos logo de saída, que ele sempre foi acusado pelos mais religiosos de sua sociedade, de se deixar acompanhar por pessoas malvistas e com uma moral questionável. Jesus sempre é visto comendo e bebendo com publicanos e pecadores; ele conversa com uma mulher samaritana e de má fama e permite que seus pés sejam lavados e untados por outra mulher na mesma condição. Isso para não falar dos leprosos que tocou, e dos milagres que praticou no dia de sábado. Definitivamente, Jesus foi vítima de um discurso de ódio! Foi o ódio contra ele que fez com que os religiosos de seu tempo se levantassem contra ele – principalmente ele denunciou que estes haviam transformado o templo em um mercado.
No entanto, apesar de tão odiado, seu discurso era sempre: “‘Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento'. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a ele: 'Ame o seu próximo como a si mesmo'” (Mateus 22:37-39). O evangelista Lucas registra outro discurso de Jesus no qual ele afirma: “bendizei aos que vos maldizem, e orai pelos que vos caluniam” (Lucas 6:28). O apóstolo S. Paulo, por seu turno, sobre esse assunto, afirma: “abençoai aos que vos perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis” (Romanos 12:14). Aquele que foi chamado de “a discípulo amado”, por seu turno, escreveu: “Quem odeia seu irmão é assassino, e vocês sabem que nenhum assassino tem vida eterna em si mesmo” (I João 3: 15). Não creio ser preciso me estender mais em citações bíblicas, para que possamos saber o que Deus pensa sobre o discurso de ódio. Na verdade, o que o mundo mais precisa, não é de ódio, mas de amor vivido na prática, vez que, amar ao próximo é a maior prova de que somos humanos e que uma centelha de Deus habita em nós. Afinal, que tipo de pessoa pode abrir a boca para declarar seu amor a Deus e, em seguida, usar a mesma boca para expressar ódio contra pessoas que são amadas por Deus? A história e a Escritura sagrada somente apontam para dois tipos de pessoas que se comportam assim: os fundamentalistas religiosos e os fariseus hipócritas da época de Jesus.

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