
Padre Jorge Aquino.
Quando nos dispomos a falar do cônjuge perfeito, creio que por uma questão de didática, seria interessante começar dividindo o assunto em aspectos desse tema que julgamos de extrema importância.
1. A definição de perfeição. De uma perspectiva semântica o “ser” perfeito é aquele completo ou que não precisa de qualquer melhoria. Filosoficamente, o perfeito é “aquele que se conforma com a definição do tipo ideal”. Acredito, no entanto, que inicialmente precisamos compreender que é muito difícil definir o que é ser perfeito em uma perspectiva prática. Talvez a perfeição não seja definida positivamente, mas negativamente, ou seja, o ser perfeito é aquele que não tem defeitos. Talvez não. Talvez seja preciso definir a perfeição tanto positiva quanto negativamente. Mas será que existe alguém assim? A antropóloga Mirian Goldenberg fez uma pesquisa com 835 pessoas para escrever seu livro Porque os homens e as mulheres traem, e em uma de suas questões ela perguntava pelo homem ideal e pela mulher ideal dos brasileiros. O interessante é que para a maioria das mulheres a resposta era: “o meu marido melhorado”, e para a maioria dos homens a resposta era: “minha atual, só que sem alguns defeitos”.
Para as mulheres brasileira, as 10 características mais citadas que deveriam marcar o homem ideal é que ele deveria ser mais: fiel, sincero, honesto, corajoso, alegre, rico, sensual, magro, tarado e culto. Já os homens, por seu turno, entenderam que as 10 características principais que marcariam a mulher ideal é que elas deveriam ser menos: ciumenta, chata, exigente, carente, dependente, insegura, complicada, mal-humorada, histérica e gorda. Moral da história, elas querem mais e eles querem menos.
2. A expectativa e a frustração. O que muitas vezes não somos capazes de compreender é que nossas frustrações são diretamente proporcionais às nossas expectativas. Desejamos alguém belo, gentil, honesto, responsável, carinhoso, etc. mas, quando essa pessoa “pisa na bola” o sonho desmorona e aí, procuramos outra pessoa. Na realidade os dois grandes frutos da idealização do amor são a infelicidade e a frustração. Isso ocorre porque não existem príncipes ou princesas encantadas no mundo real, e sim pessoas normais, com virtudes e defeitos. E, para piorar a situação, a cultura romântica que herdamos do século XVIII nos fez acreditar que devemos coloca no “outro” a responsabilidade de nos fazer feliz. Em outras palavras, se sou infeliz a culpa é dele(a).
3. A origem desta expetativa. Conforme nos ensina o ilustre sociólogo britânico Antony Giddens (1938), em seu texto A transformação da intimidade, a grande promessa de felicidade está voltada para a satisfação dos anseios da felicidade conjugal, tese datada historicamente e que aparece em meados do século XVIII, acompanhada da premissa de que uma relação depende do empenho emocional mútuo e de uma completa adequação no sentimento de pertencimento, renúncia e confiança completa e incondicional.
Conforme aprendemos com Giddens, esta forma de encarar a felicidade e, portanto, a perfeição na vida conjugal, surge justamente com o movimento filosófico-literário conhecido como Romantismo. Antes dele, o amor não era idealizado como hoje o é. Antes desta data não se acreditava que a felicidade ou a plenitude pessoal eram alcançadas pelo caminho do amor. Na realidade, este modelo de amor romântico perdurou fortemente entre os séculos XVIII e XX.
Para concluir, é importante ressaltar que hoje, no século XXI, vivemos uma mudança epocal na qual permanecem alguns aspectos do romantismo (a busca pelo ideal) ao mesmo tempo em que a “cultura do mercado”, com a valorização da imagem, invadiu as relações. Em outras palavras, como revela a pesquisa feita pela doutora Goldman, o último elemento citado para identificar o homem ideal é ser mais culto, ao passo que a mulher ideal deveria ser menos gorda. Hoje a “imagem” é tudo. Eis a razão por que o Brasil é o país em que se faz o maior número de cirurgias plásticas do mundo. A essência deu lugar à aparência e o Ser ao Ter.
O que é mais triste na visão romântica é que ela nos leva a acreditar que a responsabilidade de nos fazer alguém feliz está na outra pessoa. Por outro lado, o que há de mais triste na visão contemporânea é a incapacidade de se compreender as limitações do outro e, simplesmente, desistir de uma relação, achando que uma terceira pessoa suprirá nossas expectativas. O que precisamos aprender é a conviver com a realidade concreta de nosso cônjuge, abandonando aquele sonho idealizado do romantismo ao mesmo tempo em que abandonamos a ditadura da imagem. A grande questão que fica é: estamos dispostos a enxergar e amar o outro como ele é, e não apenas como nós o idealizamos?
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