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O COMPLEXO DE MADRASTA DA BRANCA DE NEVE

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 14 de ago. de 2018
  • 4 min de leitura
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Reverendo Padre Jorge Aquino.

Quem nunca ouviu a estória de Branca de Neve e os sete anões? É claro que todos os meus leitores se lembram da imensa inveja que preenchia o coração da madrasta porque sabia ser, Branca de Neve, a mulher mais linda do Reino. Mas a madrasta, apesar da idade, também tinha seus dons e talentos. Ela, certamente, fez uma lipoescultura, usava botox, algumas próteses e, é claro, malhava quatro horas por dia para manter seu corpinho. O problema é que ela tinha um espelho mágico. E o problema com todos os espelhos – sejam eles mágicos ou não -, é que eles sempre revelam a verdade sobre os fatos. E, por mais que a madrasta perguntasse ao espelho “que era a mulher mais bonita do reino”, ele sempre dizia que Branca de Neve era a mais bonita.

Obviamente, guardadas as devidas proporções, gostaria de utilizar essa estória tão antiga como uma metáfora, para falar sobre uma crise ou um complexo que acometeu e se espalhou por todo o Anglicanismo mundial. Eu chamo esse problema de “Complexo de madrasta da Branca de Neve”. Esse complexo se manifesta por meio de algumas características bastante verificáveis no mundo real.

Em primeiro lugar, o Complexo de madrasta da Branca de Neve se manifesta por meio da necessidade que temos de ouvir que somos os verdadeiros Anglicanos. Não importa saber que existem milhões de pessoas que fazem parte da Comunhão Anglicana, do Movimento Anglicano Continuante, do Movimento Anglicano Independente ou mesmo das Igrejas Anglicanas convergentes. O que importa é saber que ninguém é mais Anglicano do que nós! Essas pessoas se comportam como a madrasta de Branca de Neve. Somente nós somos os verdadeiros Anglicanos. E isso é assim porque nós temos comunhão com o Arcebispo de Cantuária, nós participamos do Encontro dos Primazes, do Conselho Consultivo Anglicano, etc. E como as demais famílias Anglicanas não participam de nada disso, logo, nós somos os verdadeiros Anglicanos e todos os demais são falsos Anglicanos ou impostores. É realmente lamentável ter que ouvir uma argumentação pífia como essa em plena pós-modernidade, que relativiza tudo – inclusive a própria Comunhão Anglicana -, que sequer foi capaz de realizar a Conferência de Lambeth 2018 -, tamanho o grau de fragmentação interna. A arrogância desses Anglicanos se pode ver no fato de que, desde Lambeth 98, existe uma recomendação para se criar uma Comissão Bilateral com os Anglicanos Continuantes, mas isso nunca ocorreu. Por que será? A marca destes Anglicanos é que eles se prendem às instituições.

Em segundo lugar, os que sofrem desse Complexo de madrasta da Branca de Neve têm dificuldades de conviver com a possibilidade de que alguém seja mais anglicano do que eles. Assim como a madrasta de Branca de Neve, essas pessoas não podem nem imaginar que lhes falte algo que impinja algum defeito à sua beleza religiosa. Daí a importância que é dada às crenças ou à liturgia. Assim, nós somos mais Anglicano do que os outros porque nós celebramos a Santa Comunhão sem usar a casula e a estola; nós somos mais Anglicano do que os outros porque entendemos que os 39 Artigos da Igreja da Inglaterra devem ser cridos literalmente ainda hoje; nós somos mais Anglicanos do que os outros porque celebramos do lado direito da mesa e não de frente para o povo. A marca destes Anglicanos é que sua arrogância em serem mais Anglicanos que os outros, acabou por encapsulá-los no século XVII e, ao que parecem, não estão muito dispostos a aterrissarem no século XXI.

Por fim, os que sofrem desse Complexo de madrasta da Branca de Neve têm a tendência de procurar, por todas as formas possíveis, eliminar os demais Anglicanos. Assim como pensava a madrasta da Branca de Neve, temos que “eliminar” aquela pessoa que representa um perigo para a supremacia da nossa beleza. Assim, existem Anglicanos que passam todo o seu tempo procurando torpedear os outros, dizendo que eles não são Anglicanos porque abandonaram o Livro de Oração de 1928, porque ordenaram mulheres para o diaconato, para o presbiterado e, agora, para o episcopado. Por fim, eles precisam ser eliminados e extintos porque passaram a aceitar a ordenação de ministros homoafetivos. A marca destes Anglicanos é que sua arrogância criou uma enorme dificuldade para que eles convivam com os diferentes e a impotência em se aprofundarem em uma pastoral Anglicana, bem como de exercer a compreensividade e a inclusividade, elementos essenciais do ethos Anglicano.

Não procuro, com essa breve reflexão, nem relativizar a moral, nem a doutrina nem a instituição de quem quer que seja. Eu respeito o consenso dos fiéis, bem como me inscrevo entre os Anglicanos de inclinação mais Reformada e entendo que a “episcopê” faz parte da “esse” da Igreja. Mas relativizar nossa obsessão por sermos os únicos certos, nossa obstinação em sermos os melhores e os mais puros em todas as coisas. Não sou juiz da vida de ninguém e “quem me julga é o Senhor”, diz são Paulo. Mas, como seria melhor se nossos presentes aos outros não fossem maçãs envenenadas, mas um coração aberto a ouvir e a dialogar. Como seria bem melhor se houvesse gentileza, amabilidade, elegância e respeito entre nossos Bispos. Afinal será que eles se negarão a entrar no paraíso – no último dia – caso um desses Anglicanos mais bonitos que nós, esteja presente lá? Bom, creio que poderíamos, ao menos, sermos mais cordiais com quem confessa a mesma fé que nós. Seria isso querer demais? Sabemos que não, só falta ação. Não quero fazer de conta que os problemas não existem, mas pelo menos convidar os irmão a conversarem a respeito. Nessa conversa descobriremos que, as vezes ficaremos mais próximos e as vezes, nos distanciaremos mais. Mas que a ruptura seja uma alternativa inexistente. Afinal quando Jesus orou pela sua Igreja ele pediu ao Pai que fôssemos um, como ele e o Pai o são.

 
 
 

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