
(Papa Paulo VI presenteia o Arcebispo Anglicano com seu anel papal)
Reverendo Pe. Jorge Aquino
Não tenho a obrigação de conhecer todos os aspectos que envolvem a doutrina da Igreja Católica Romana, mas um padre Romano, tem. Portanto, estranho muito quando ouço falar que um padre Católico Romano afirmou que os sacramentos da Igreja Católica Anglicana não têm validade. Examinemos os documentos da própria Igreja Romana e procuremos saber o que ela prega sobre isso.
Em primeiro lugar, sobre o batismo realizado nas Igrejas Anglicanas, o Guia Ecumênico, feito pela própria Igreja Romana diz: “Diversas Igrejas batizam, sem dúvida, validamente; por esta razão, um cristão batizado numa delas não pode ser normalmente rebatizado, nem sequer sob condição. Essas Igrejas são: (…) c) Igreja Episcopal do Brasil (“Anglicanos”)” (CNBB, 1984, p. 26, 27). Outro documento, o Diretório para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo, preparado pelo Conselho Pontifício Para a Promoção da Unidade dos Cristãos, nós podemos ler o seguinte: “O batismo por imersão ou por infusão com a fórmula trinitária é, em si, válido. Por isso, se os rituais, os livros litúrgicos ou os costumes estabelecidos por uma Igreja ou por uma Comunidade Eclesial prescrevem uma dessas maneiras de batizar, o sacramento deve considerar-se válido” (CPPUC, 2004, p. 96). Ou seja, os documentos oficiais da Igreja Católica Apostólica Romana, reconhece o batismo Anglicano. Será o padre Romano que duvidou do batismo Anglicano estudou teologia ou gazeou esta aula no seminário?
Em segundo lugar, acerca do matrimônio praticado pela Igreja Anglicana, os documentos existentes dizem a mesma coisa. o Guia Ecumênico escrito pela CNBB reconhece que “a Igreja Católica considera que o matrimônio entre batizados é verdadeiro e próprio sacramento, sempre que à sua celebração não se oponha um impedimento dirimente” (CNBB, 1984, p. 186). Ou seja, quando ocorre um Matrimônio Anglicano envolvendo duas pessoas batizadas, ele é válido. Contudo, o que é um “impedimento dirimente”? Eles aquilo que, conforme afirma o Código de Direito Canônico (CDC, 1983) da Igreja Romana, no nº 1073: “o impedimento dirimente torna a pessoa inábil para contrair validamente o Matrimônio”. Dentre estes impedimentos estão a impotência, a consangüinidade próxima, o rapto ou o ato contra a vontade, etc. Em outras palavras, desde que os nubentes sejam validamente batizados, solteiros, aptos para gerar filhos, não sejam parentes próximos nem sejam impotentes ou estejam sendo coagidos a este gesto, estamos diante de um sacramento válido. Ora, se (1) a Igreja romana reconhece o matrimônio daqueles que foram legitimamente batizados e não possuem qualquer impedimento dirimente, e se (2) a Igreja romana reconhece a validade do batismo das Igrejas anglicanas, deduz-se logicamente, que ela reconhece os matrimônios celebrados nessas comunidades, desde que não estejam presentes aqueles impedimentos dirimentes. Será que esses indivíduos que negam isso possuem algum déficit intelectual? Estou considerando seriamente essa possibilidade.
Outra forma de saber sobre o pensamento da Igreja de Roma sobre o matrimônio anglicano é examinar os documentos produzidos pelas comissões bilaterais. Uma dessas Comissões, a que trata do Diálogo entre Anglicanos e Católicos, o ARCCM, diz em seu texto aprovado em 1975, nº 21: “No casamento, a Comissão não encontra nenhuma diferença fundamental de doutrina entre as duas Igrejas, no que diz respeito ao casamento de sua natureza ou aos fins que é ordenado servir”. O texto deste documento é revelador (ARCCM, acessado em 30 de dezembro de 2014). Um conhecido teólogo católico também cita este documento registrando o que se segue: “A doutrina anglicana, formalmente expressa em sua liturgia, concebe o matrimônio como uma ordenação de Deus na ordem da criação, assumido por Cristo e pela Igreja na ordem sacramental como representação da união de aliança entre Cristo e a Igreja, e significando efetivamente a santificação do matrimônio e seus membros dentro da comunhão de Cristo e da Igreja” (ARCIC 1975 apud FLÓREZ, p. 267, 268, n. 39).
Do que foi exposto acima, com base nos textos escritos pela Igreja Romana e pelas comissões bilaterais, não temos porque duvidar da validade dos batismos ou matrimônios realizados pela Igreja Anglicana. No entanto, temos sim que questionar o tipo de formação teológica que muitos padres Romanos estão tendo hoje, ou o tipo de formação ética e moral que receberam. Digo isso porque, ou bem são ignorantes (porque não sabem), ou bem são mentirosos (porque sabem mas escondem).
Referências bibliográficas:
CNBB, Código de Direito Canônico. São Paulo: Loyola, 1983
CNBB, Guia Ecumênico. São Paulo: Paulinas, 1984
CNBB, Ut Unum Sint. São Paulo: Paulinas, 1995
FLÓREZ, Gonzalo. Matrimônio e família. Paulinas: São Paulo, 2008
CPPUC, Diretório para a aplicação dos princípios e normas sobre o ecumenismo. São Paulo: Paulinas, 2004
ARCCM. Disponível em <https://iarccum.org/archive/ARCCM/ARCCM-33B.pdf>> acessado em 30 de dezembro de 2014
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