O ARCEBISPO DE CANTUÁRIA

Reverendo Padre Jorge Aquino.

Muitas gente possui ideias bastante equivocadas acerca do Arcebispo de Cantuária. Cremos que, antes de dizer exatamente quem ele é, é importante dizer quem ele não é.

1. Ele não é o “Papa” da Igreja Anglicana. Muita gente atribui ao Arcebispo de Cantuária uma função similar à do Papa na Igreja Romana. Esta tese não se sustenta porque enquanto a Igreja Romana é uma monarquia absolutista, a Igreja Anglicana é um Parlamentarismo Constitucionalista caracterizada pela “autoridade dispersa” e não pela centralização, como é o caso da Igreja de Roma.

2. Ele não está submisso à Rainha da Inglaterra. Embora escolhido em uma lista tríplice pela Rainha, hoje em dia o Estado não se imiscui mais em questões religiosas, sendo o Sínodo da Igreja da Inglaterra seu órgão máximo.

3. Positivamente, o Arcebispo de Cantuária ocupa um lugar único na igreja anglicana mundial. É ele quem (1) convoca os seus pares (os demais bispos) para a conferência de Lambeth, que ocorre a cada dez anos; (2) convoca aos principais bispos das Províncias (bispo presidente, primazes ou arcebispo) para a reunião dos Primazes; (3) e convoca aos representantes de cada igreja provincial para as reuniões do Conselho consultivo Anglicano.

Estes três órgãos constituem um foro privilegiado para realizar debates e consultas e para criar oportunidades de apoio mútuo para a totalidade da Comunhão Anglicana. Mas não existe na Comunhão Anglicana um corpo legislativo internacional – como uma espécie de Cúria – já que cada Província é autônoma. A presença do Arcebispo de Cantuária representa desta forma, a expressão visível de uma liderança espiritual. Ele é, como se costuma dizer, o primeiro ente iguais (primus inter pares).

Um Segundo tipo de atividade desenvolvida pelo Arcebispo de Cantuária atinge a dimensão ecumênica. Os anglicanos sempre se consideraram parte da única Igreja Santa, Católica e Apostólica de Cristo. Portanto, investem no movimento ecumênico fazendo parte do Conselho Mundial de Igrejas e desenvolvem diálogos com as principais denominações do mundo. E é o Arcebispo de Cantuária que acaba por encarnar a Comunhão Anglicana nestes encontros com os demais líderes eclesiásticos.

Além de sua função como líder espiritual da comunhão Anglicana, o Arcebispo de Cantuária é também bispo da diocese de Cantuária na Inglaterra e arcebispo da Província de Cantuária, que inclui as dioceses do sul, do centro da Inglaterra e a diocese da Europa, além de primaz de toda Inglaterra. Ele exerce autoridade sobre algumas outras pequenas dioceses autônomas ao redor do mundo.

Finalmente, o Arcebispo de Cantuária também ocupa um lugar na Câmara dos Lordes no Parlamento Britânico, recebendo assim honras de chefe de Estado.

O atual Arcebispo de Cantuária se chama Justin Welby e é o 105º desde Santo Agostinho de Cantuária. O que precisamos compreender é que, diante da nova configuração em que se encontra a Comunhão Anglicana, e diante do surgimento e expansão das chamadas “Igrejas Continuantes”, bem assim, das rupturas que ocorreram diante da flexibilização doutrinária realizada por várias Províncias ligadas à Comunhão, creio que o Arcebispo de Cantuária poderia, e até deveria, desenvolver um papel importantíssimo e relevante na busca de uma recomposição do Anglicanismo mundial, quem sabe na forma de uma Federação de Províncias autônomas que incluísse tanto as Províncias da Comunhão quanto as diversas Igrejas Continuantes, com base em, pelo menos, em um elemento comum: o Quadrilátero de Lambeth. Se, no entanto, isso não ocorrer, e o Arcebispo de Cantuária não tomar para si essa tarefa, é importante que o Anglicanismo mundial – que vai muito além da Comunhão Anglicana – reflita sobre a possibilidade de apontar alguém que desenvolva esse papel aglutinador e que seja tanto uma referência mundial quanto um sinal de unidade da igreja.

O dado concreto é que vivemos hoje com um Arcebispo de Cantuária cujas atribuições – não em razão de sua pessoa e sim do contexto global – estão absolutamente e completamente mitigadas. Ele não foi capaz de convocar a Conferência de Lambeth 2018 e não tem sido capaz de liderar espiritualmente a esmagadora maioria dos Primazes que frontalmente discordam de sua tentativa de manter vivo um mito – para citar o termo do ilustre teólogo brasileiro Carlos Eduardo Calvani – que existiu no passado religioso (Comunhão Anglicana) e que refletia uma realidade política (a Comunidade de nações ou commonwealth of Nations). Hoje vislumbramos não mais uma autoridade dispersa, mas uma autoridade “líquida”, que se esvai por entre os dedos do Arcebispo.

outra questão que se levanta entre os Anglicanos não alinhados com Cantuária, mas que se fundamenta no próprio texto da ARCIC (Dom da Autoridade), é que o líder do Anglicanismo possa ser alguém que possa ser eleito dentre os demais Bispos, o que daria mais sentido à colegialidade. Por enquanto, para que o Arcebispo volte a ter relevância entre os Anglicanos, ele precisará lidar – não apenas com muçulmanos ou com as questões palestinas – com os Anglicanos que não estão em comunhão formal com ele mas que sempre disseram  que continuariam Anglicanos.