
Padre Jorge Aquino.
Em outro texto, falamos acercado termo zeitgeist, e de como ele apontava para o espírito do tempo. Assim, cada período de tempo de nossa humanidade, foi marcada por um zeitgeist específico, peculiar e particular. Falando de uma forma mais clara, o termo zeitgeist pode ser entendido como o conjunto do clima intelectual e cultural que domina uma determinada época. Ora, é claro que este aspecto mental vai se expressar por meio de uma linguagem igualmente adequada ao seu aspecto intelectual, envolvendo todos os seus conceitos, preconceitos, verdades e valores. Assim, nos parece claro que este aspecto intelectual que molda nossa mente, tende a se expressar por meio das diversas linguagens que utilizamos. Eis aqui a primeira grande questão que gostaríamos de levantar, somos seres que buscam a comunicação e a linguagem. Se nos dermos ao trabalho de buscar um dicionário qualquer, descobriremos que a palavra língua pode ser compreendida como “um sistema de comunicação verbal, quase sempre escrito, próprio da comunidade humana”. Em outras palavras, para que haja comunicação, é imprescindível a existência de uma língua que faça a ligação entre as pessoas que estão envolvidas nessa mesma comunicação. Um outro termo que nos seria útil compreender tem a ver com a palavra linguagem. Ao buscarmos um dicionário para explicitar melhor o sentido desse termo, geralmente encontramos a ideia de que ela é o “conjunto de sons, articulados com que o homem manifesta o que pensa e sente”. No entanto, para sermos mais próprios e abrangentes, temos que reconhecer que este mesmo termo pode ser utilizado para se referir a realidades que abarcam a arte, a música, gestos, e, inclusive, a dança. Eis a razão os dicionários também se referem a linguagem como um “conjunto de sinais que dão a entender algo”. Quando percebemos a abrangência da linguagem, percebemos muito claramente que ela também se aplica ao domínio do que chamamos de “comunicação não verbal”.
Uma segunda reflexão que gostaríamos de fazer é que, como humanos, possuímos a necessidade de comunicar o que cremos, sentimos e pensamos. Encontrar o “outro” e ser capaz de comunicar nossos pensamentos, sentimentos e crenças, possui o condão de definir a quem nós mesmos somos. De fato não existiria o “eu” sem o “outro”. É nessa referência que construímos nossa identidade, e nesse aspecto, a linguagem exerce um papel fundamental. Neste aspecto relacional o papel da religião é fundamental. E é justamente aqui que “O indivíduo, os grupos e as culturas expressam coletivamente o que pensam, o que imaginam, o que temem, o que julgam valioso. Fazem-no tanto em frases doutrinais, prescrições e diretrizes, como em tradições, usos, convicções coletivas, rituais, tabus. E, também, mediante a forma, tamanho e ornamentação de seus edifícios, com os quadros e estátuas que colocam neles, com as vestimentas e a forma de aparecer de quem preside a realização dos ritos” (LENAERS, 2010, p. 16). De acordo com Lenaers, ao longo dos últimos dois milênios os cristãos estabeleceram sua linguagem própria e sua estética próprias, com a finalidade de expressar coletivamente sua crença e seus sentimentos. Em outras palavras, o cristianismo criou leis, confissões e rituais, tornando-os obrigatórios.
E eis que, em terceiro lugar, aquela linguagem que esteve em vigor durante dois milênios e era compreendido por todos, foi sendo, paulatinamente se transformando em uma língua estrangeira, quiçá morta e incompreensível para a sociedade que, hoje, se diz cristã. E o mais trágico disso tudo, é que a esmagadora maioria dos conservadores não consegue captar essa realidade. Citando mais uma vez Lenaers, “A linguagem da comunidade cristã teve origem numa fase cultural bem determinada e ainda conserva sinais dela” (LENAERS, 2010, p. 16). No entanto, completa este ilustre teólogo, “No século XV, no entanto, fez-se sentir na sociedade ocidental um movimento que logo se desenvolveu como uma revolução copernicana” (LENAERS, 2010, p. 17). A emergência do humanismo e o surgimento das ciências modernas mudaram o que chamamos de zeitgeist. Assim, hoje, o cristianismo convive com linguagens que não são capazes de produzir um entendimento. Eis que as palavras tradicionalmente utilizadas tiveram seu sentido modificado e o conteúdo antigo se perdeu ao se adquirir um novo significado.
O que podemos fazer diante da perda de sentido nas palavras? É preciso resignificar as palavras e construir novos significados para que o que era anteriormente dito, não se perca, mas seja dito de outra forma. Assim, nosso convite é para a construção de uma nova narrativa com base em uma hermenêutica existencialmente relevante e disposta a falar o que é necessário ainda que desconstrua o que já não tem mais sentido.
Referências bibliográficas:
LENAERS, Roger. Outro cristianismo é possível: a fé em linguagem moderna. São Paulo: 2010
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