KARL BARTH E A DIVISÃO ENTRE OS CRISTÃOS
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 14 de mar. de 2020
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Reverendo Padre Jorge Aquino.
Quando observamos o Cristianismo contemporâneo, é impossível não perceber a existência de uma miríade de denominações, cada uma delas se dizendo ser a igreja mais certa e a mais próxima da vontade de Deus e a que mais de perto prega as verdades divinas. Essa é, de fato, uma realidade comum e que se agudizou a partir da emergência da modernidade.
A postura do maior teólogo do século XX – Karl Barth -, acerca desse assunto, já é por demais clara e conhecida e extremamente importante para nós. Em sua Dogmática da Igreja, ele disse: “Não existe nenhuma justificação, nem teológica, nem espiritual, nem bíblica, para a existência de uma pluralidade de igrejas separadas neste caminho e que se excluem mutuamente umas das outras interna, e, portanto, externamente. Neste sentido, uma pluralidade de igrejas significa uma pluralidade de senhores, uma pluralidade de espíritos, uma pluralidade de deuses. Não há dúvidas de que, enquanto a Cristandade for formada por igrejas diferentes que se opõem mutuamente, ela estará negando na prática o que confessa teologicamente: a unidade e singularidade de Deus, de Jesus Cristo e do Espírito Santo. Podem haver boas razões para existirem essas divisões. Podem haver sérios obstáculos para que elas sejam eliminadas. Podem haver muitos motivos para explicar essas divisões e para mitigá-las. Mas tudo isso não altera o fato de que toda divisão é, como tal, um profundo enigma, um escândalo” (BARTH In SANTA ANA, 1987, p. 72).
Desta citação feita do ilustre teólogo neo-ortodoxo suíço, podemos retirar algumas informações extremamente importantes. A primeira delas, é que existe uma relação íntima entre a Igreja e seu Deus. Esta relação não foi criada por Barth, mas pelo Apóstolo Paulo quando afirmou que somente existia um Deus, um só Senhor e um só Espírito; e que todos os que fomos batizados em Cristo participamos dessa Igreja, pois “só existe um batismo e uma só fé”. Desta forma, para Paulo, assim como para Barth e para qualquer leitor das Escrituras, não existe fundamento ideológico ou teológico que supere a realidade ontológica de que somente existe uma Igreja (corpo de Cristo) composta por todos aqueles que têm a mesma fé em Jesus e que foram batizados em obediência à seu mandado. É por isso que ele diz que “Não existe nenhuma justificação, nem bíblica, para a existência de uma pluralidade de igrejas separadas neste caminho e que se excluem mutuamente”.
A segunda verdade que Barth nos mostra nesse texto é que, “enquanto a Cristandade for formada por igrejas diferentes que se opõem mutuamente, ela estará negando na prática o que confessa teologicamente”. E qual é a grande novidade trazida pela Igreja Cristã? Que há um só senhor e uma só Igreja, que é o corpo de Cristo. Paulo critica severamente as divisões existentes na igreja em Corinto, afirmando que Cristo não está dividido. E mais, Paulo diz que – referindo-se à Eucaristia - quem come e bebe sem discernir o “Corpo de Cristo” – que é a Igreja – come e bebe para sua própria condenação. É verdade que muitos entendem esse versículo como se ele estivesse falando de uma certa consciência acerca da doutrina eucarística. No entanto, quando Paulo se refere ao “Corpo de Cristo” nesta primeira carta aos Coríntios, na maior parte das vezes ele o faz para condenar as divisões que fraturavam e faziam o corpo sofrer.
Finalmente, em terceiro lugar, a simples existência dessa pluralidade de igrejas auto-excludentes, faz nascer um escândalo e um empecilho – ou seja, uma armadilha - que impede o anúncio do Evangelho e, por conseguinte, que as pessoas creiam em Jesus. Quando Jesus orou por sua Igreja ele pediu à Deus para que fossemos um como o Pai é um com ele. A vontade de Jesus é que sejamos um “para que o mundo creia”. Isso significa que, fomentar, fortalecer, alimentar ou promover a discórdia e a separação do povo de Deus e a divisão do Corpo de Cristo, é o mesmo que criar uma armadilha para impedir que as pessoas creiam.
Como Anglicanos, estamos vivenciando uma realidade escandalosamente preocupante. Muito embora conheça os fundamentos hermenêuticos que servem de base para ambas as posições, ainda não estou convencido de que teremos necessariamente que ex-comungar (tirar da comunhão) aqueles que discordam de nós sobre um tema que não é fundamental na teologia ou credenda, mas acessório na agenda e na prática individual. Ainda acredito que exista espaço para o diálogo e a formação de um consenso mínimo. A Conferência de Lambeth 2020 será o grande teste que revelará até que ponto as nossas diferenças serão colocadas como barreias intransponíveis.
SANTA ANA, Julio. Ecumenismo e libertação. Petrópolis: VOZES, 1987
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