
Reverendo Pe. Jorge Aquino.
A relação entre a religião e a política sempre passou por momentos bastante díspares. No início do cristianismo a fé cristã esteve sob uma enorme perseguição por parte do Império Romano. No entanto, depois que o cristianismo foi tornada a religião oficial do Estado, passa a surgir uma realidade que passou a se chamar de “cesaropapismo”, ou seja, uma relação de intimidade tão elevada entre estas duas instâncias, em que chegamos até a assistir o chefe do Estado decidir sobre questões de doutrina, de moral e da disciplina. Dessa informação se depreende que a religião passa a se subordinar ao Estado de tal forma, que o Rei passa a ser visto como uma das duas cabeças da Igreja.
Com o passar do tempo – e notadamente com a Reforma protestante do século XVI -, a influência do Renascimento e, posteriormente, do Iluminismo, fizeram com que as diversas denominações oriundas da Reforma já vislumbravam graus de separação entre Igreja e Estado, incluindo várias igrejas que pregavam a absoluta separação entre estas duas instâncias. Devemos registrar que essa condição é particularmente presente em Estados republicanos, ainda que em algumas monarquias, também exista a separação.
No caso brasileiro, o Brasil imperial tinha como igreja oficial a Igreja Romana e o Imperador era visto como “padrinho”, financiando todos os gastos eclesiásticos. Com a proclamação da República, houve a separação entre Estado e Igreja. O Estado passa a ser laico e não existe mais religião oficial nem denominação mais ou menos privilegiada pelo Estado. Pelo menos é o que diz a história e a doutrina jurídica e política. No entanto, o que estamos assistindo nesta eleição presidencial é uma relação promíscua entre a religião e o Estado. Esta promiscuidade, que em alguns momentos é até mesmo criminosa, precisa ser denunciada por meio de três afirmações fundamentais para nós, cristãos reformados históricos. Em primeiro lugar, é preciso ressalvar que o púlpito não é espaço de pregar outra mensagem senão a Palavra de Deus. Nenhuma outra mensagem pode estar presente em nossos púlpitos, senão a de que Jesus Cristo é o Senhor! Somente o Evangelho de Jesus pode ocupar os púlpitos de nossas igrejas. Esse tema é tão sério, que entre os reformadores se costumava dizer que a verdadeira Igreja tinha duas marcas, e a primeira delas era a verdadeira pregação do Evangelho. Nossa pregação e nosso discurso deve estar voltado para apresentar a pessoa de Jesus, e de ninguém mais. Qualquer gesto que fuja a esta realidade é uma postura de apostasia.
Em segundo lugar, a religião, como o voto é uma questão de foro íntimo. Se existe um tema que é comum entre a igreja e o Estado, em nosso país, é que, em ambos os casos, existe um espaço absoluto para a intimidade e para a individualidade. Em outras palavras, religião e política é uma questão pessoal, individual e intransferível. Não existe, portanto, espaço para que um espaço possa se imiscuir no outro sem que se revelem consequências e danos irreparáveis.
Por fim, em terceiro lugar, e por via de consequência, nenhum líder religioso tem o direito de impor sua escolha política sobre seu irmãos, muito menos de constrange-lo a votar como deseja, sob vermos ressurgir uma versão eclesiástica de “voto de cabresto”. Por via de consequência, não podermos utilizar o púlpito para instrumentalizar o espaço sagrado à serviço do poder, bem assim, também não podemos impor ou constranger quem quer que seja a votar no candidato que julgamos ser o melhor. Esta possibilidade fere de morte a democracia. Assim, o espaço de poder sagrado ou místico não pode estar à serviço do poder estatal ou de um projeto de poder, qualquer que seja ele.
Concluímos reafirmando que devemos, na condição de cristãos e bons cidadãos, utilizar livremente nossa consciência para escolher nossos candidatos utilizando, da melhor forma possível, os critérios éticos, racionais e lógicos à serviço do bem social. Como cristãos, relembramos, nossa mais absoluta fidelidade somente pode se dar em relação ao Reino de Deus; nossa relação com a política partidária, no entanto, apenas representa uma relação de cobeligerância, jamais de aliança.
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