IGREJA ANGLICANA - UMA IGREJA REFORMADA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 28 de out. de 2020
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Reverendo Padre Jorge Aquino
Para qualquer pessoa minimamente conhecedora da história, ouvir falar em Igreja Anglicana significa se reportar aos eventos que ocorreram na Inglaterra do século XVI. Sem procurar tecer comentários sobre aquela tese absurda de que a Reforma na Inglaterra ocorreu por causa de um Rei que queria casar de novo, precisamos antes de tudo de reconhecer que sim, houve uma Reforma na Igreja da Inglaterra. Mas também precisamos reconhecer que estamos falando de uma Igreja que já existia na Inglaterra desde o 2º século da era cristã. Essa Reforma, que era necessária e que precisava ocorrer, acabou por separar os cristãos ingleses daqueles que se submetiam ao domínio do bispo de Roma, mas também teve uma série de consequências tanto na esfera política quanto na teológica. Mas, afinal, o que significou essa reforma? Para responder a esta questão, me sirvo da leitura feita pelo bispo Anglicano Stephen Neill em seu conhecido texto El Anglicanismo. Neste texto, Neill apresenta cinco posturas que podem ser frequentemente encontradas e que qualificam o tipo de reforma que ocorreu na Inglaterra do século XVI.
A primeira posição é ocupada por aqueles que sustentam que a Reforma inglesa foi um acontecimento decididamente ruim, que nunca deveria ter ocorrido e, acerca da qual, nada de bom pode ser dito. Este é o pensamento ligado aos teólogos Católicos Romanos e àqueles românticos que ainda sustentam inúmeras teses oriundas do medievo. Desnecessário dizer que esta posição praticamente não encontra defensores fora da Igreja de Roma. De fato, já não se podia esconder a postura mercantilista da Igreja de Roma que, por meio da venda de indulgências (perdão dos pecados), procurava auferir lucros para pagar as grandes reformas que estavam sendo feitas nos prédios religiosos em Roma. Ademais, o despudor e a imoralidade do clero atingira um grau tão elevado que, uma reforma que também tivesse rebatimento em aspectos morais era fundamental.
A segunda postura sustenta a tese de que a Reforma inglesa foi, em conjunto, algo essencialmente ruim, porém, que trouxe algumas novas realidades benfazejas, tais como um culto público realizado em uma língua que todo o povo pudesse entender. Este pensamento é geralmente encontrado entre os postulantes do Anglo-catolicismo, portanto, Anglicanos que possuem uma forte ligação com aspectos eclesiológicos associados à Igreja Alta. De fato, mesmo os integrantes da tendência anglo-católica – dentro do Anglicanismo -, reconhecia que a celebração deveria ser realizada na língua do povo, que a acompanharia com seu próprio Livro de Oração e sua própria Bíblia, traduzida para sua língua.
Uma terceira postura entende que a Reforma inglesa foi, em conjunto, uma coisa muito boa, já que – conforme já pontuamos -, deu ao povo inglês um culto em sua própria língua, um Livro de Oração Comum, uma Bíblia para que todo inglês pudesse ter acesso à palavra de Deus, os 39 Artigos de Religião, o fim do celibato obrigatório e a permissão para que todas as pessoas comungassem nas duas espécies do pão e do vinho. E tudo isso, mantendo as três ordens eclesiásticas, a sucessão apostólica e a tradição litúrgica. No entanto, essas pessoas entendem que, em alguns momentos, o movimento foi marcado por uma violência desnecessária. Estes pensadores entendem também que algumas tradições legítimas que foram rejeitadas poderiam ter sido muito bem mantidas na Igreja, sem que com isso, se questionasse ou se colocasse em perigo o caráter reformado do Anglicanismo. Particularmente, me associo a esta posição.
A quarta postura entende que a Reforma Anglicana foi aquilo de mais grandioso que ocorreu na Inglaterra e que encontrou o verdadeiro equilíbrio entre aqueles que vão demasiadamente longe e aqueles que se calam. A Igreja Anglicana encontrou, assim, o que se passou a chamar de “via média”, ou seja, o espaço entre os pecados absurdos de Roma e o fanatismo sectário dos anabatistas. Este foi o pensamento de quase todos os Anglicanos no período que vai de 1633 – ano em que William Laud assumiu como Arcebispo de Cantuária, até 1833 – início do Movimento Tractariano, e continua sendo a postura mais comum entre os evangelicais hoje.
Por fim, em quinto lugar, existem aqueles que dizem que a Reforma foi algo bom, porém que deveria ter ido muito mais adiante do que foi. Esta foi a postura adotada pelos Reformadores continentais, pelos chamados não-conformistas e, para citar um membro da nobreza, pela Rainha Vitória.
Não posso dizer qual dessas posições é a mais adequada. Particularmente – como já disse – me inscrevo entre os que defendem a terceira posição. No entanto, como “ser Anglicano” é, antes de mais nada assumir um “ethos Anglicano de compreensividade e inclusividade”, o que importa é que os postulados da Reforma sejam vistos pelos Anglicanos como elementos intrínsecos que fazem parte de nossa identidade. O quantum pode até ser objeto de debate, mas a realidade Reformada do Anglicanismo é inquestionável.
Do que expomos acima, o resumo é que, a Igreja Anglicana é, sim, uma Igreja Reformada, no entanto sem pretender romper com todo o lastro histórico que a liga ao passado e à tradição Cristã Celta primitiva presente nas ilhas Britânicas, bem assim, com toda a riqueza que nos foi legada pela Igreja Medieval. Assim, muito embora sejamos Reformados, também mantemos a tradição Católica. Por isso se diz que “os Anglicanos são Católicos frente a toda verdade de Deus e Reformada diante de todo erro humano”. Que o espírito da Reforma do século XVI esteja sempre presente em nossas instituições nos fazendo ver o que, hoje, precisa ser reformado.

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