Padre Jorge Aquino.
Ser um anglicano não significa ter todas as respostas, nem conviver com pessoas que pensam da mesma forma sobre os mesmos temas da fé e da prática cristãs no mundo. Muito ao contrário, ser um anglicano significa, muito mais, manter a mente aberta para permitir que outras pessoas discordem de nós, sem que com isso, precisemos nos afastar ou romper com esses irmãos. É nesse aspecto que o anglicanismo se apresenta como uma igreja inclusiva e compreensiva. Assim, longe de estabelecermos dogmas absolutos, afirmamos nossa abertura frente a quatro questões que julgamos fundamentais. Em primeiro lugar, defendemos uma Bíblia aberta. Quando fazemos essa afirmação, imediatamente nos reportamos à Reforma protestante do século XVI e que, não apenas nos devolveu a possibilidade de ler as Escrituras em nossa própria língua, mas também defendeu o direito de cada cristão de refletir sobre os textos que liam e de formar seus próprios entendimentos do Evangelho. Entre os reformadores essa tese era chamada de “livre exame das Escrituras”. Desta forma, uma Bíblia aberta nos convida e exige de nós que descubramos, em cada nova geração, qual o melhor entendimento e qual a verdade que o Espírito Santo está nos revelando por meio das Escrituras.
Em segundo lugar, a abertura do anglicanismo nos impele à prática de um Sacerdócio pastoral. Via de regra, os sacerdotes anglicanos são convidados a estarem com o povo de Deus em nossa condição humana comum, em cada aspecto da vida e como uma expressão clara do nosso sacerdócio comum em Cristo, que nos foi legado por meio do batismo. Desta forma, os padres anglicanos tem por missão agir pastoralmente na direção de uma liderança servidora, ou seja, aquela que cuida de todo o povo de Deus e que garante a todos sua importância, tendo como alvo que ninguém se perca ao longo do caminho. Agindo como Cristo agiria, um sacerdote anglicano não tem o múnus de julgar, mas de acolher, ajudar e orientar a quem precisa.
Em terceiro lugar, a abertura do anglicanismo nos impele à prática de um culto Comum. Em outras palavras, o culto anglicano pretende ser um culto comunitário, no qual todas as pessoas participem com plena compreensão e comprometimento com o que se está dizendo e fazendo. Eis a razão pela qual os nossos textos de adoração estão contidos no “Livro de Oração Comum”. Entre os anglicanos, compreendemos que a adoração sem uma participação real da comunidade pode até ser visto como um belo teatro sagrado, mas não é a adoração verdadeira. Tampouco cremos que a verdadeira adoração ocorra centrada em outra pessoa que não seja Jesus Cristo ou focada na busca de manifestações extraordinárias e espetaculares.
Finalmente, em quarto lugar, o anglicanismo pretende viver um Amor destemido à verdade. Isso significa que a busca pela erudição tem estado frequentemente na vanguarda do engajamento na busca da verdade, onde quer que ela venha a ser encontrada, inclusive ousando fazer perguntas difíceis e desafiar suposições vistas como postas. Os anglicanos lideraram o esforço em torno dos estudos bíblicos, da ética, da teologia e das ciências “duras” e “sociais”. Não devemos nos surpreender que este carisma mantém a vida anglicana mais viva, pois em cada geração, os anglicanos são mais destemidos e dedicados no estudo da verdade.
Contudo, o compromisso anglicano com a verdade deve nos impelir à busca do diálogo entre Escritura, Tradição e Razão. Desta forma, o chamado “tripé anglicano” está entrelaçado na busca do ideal da verdade. Assim, em cada um dessas “pernas”, há sempre uma tensão entre a experiência individual e a experiência do Povo de Deus como um todo. Nosso compromisso é viver nesta tensão - que tem sido uma marca da tradição anglicana histórica -, atraindo os que pensam diferentemente à fim de que nossa leitura possa ser enriquecida e compreender o que vemos, de outras formas. Em outras palavras, mantendo nossos corações abertos, abrimos nossa mente e abrimos nossas portas para todos.
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