ESPIRITUALIDADE PARA OS DIAS DE PANDEMIA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 26 de mar. de 2020
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Reverendo Padre Jorge Aquino.

Indiscutivelmente, em tempos como os de pandemia do novo Corona Virus (Covid 19), ficar em casa e promover o isolamento social – evitando aglomerações - é um passo fundamental para procurar diminuir as contaminações e, por via de consequência, barrar o surgimento de novos casos o que poderia produzir um caos em nosso sistema hospitalar. Estamos, pois, seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde.
Já que estamos compelidos a ficar em casa, creio que estamos diante da possibilidade de desenvolver algumas disciplinas espirituais que fortalecem nossa fé, ajudam a nossa imunidade e nos aproxima mais de Deus. Pensando nisso, aproveitamos para apresentar alguns dos mais populares exercícios espirituais para serem praticados nesses dias.
Antes de principiar a apresentação dos principais passos para a prática espiritual nesses dias de pandemia, acreditamos ser absolutamente necessário ressaltar a importância do papel da disciplina. Acreditamos que somente quando nos convencemos do desenvolvimento da disciplina, estaremos aptos para praticar alguns dos exercícios espirituais que serão apresentados em seguida. Sabemos que a disciplina é a prática ou o exercício reiterado de algum gesto. Assim, Paulo nos recomenda: “Exercita-te pessoalmente na piedade” (I Timóteo 4;7). A palavra que Paulo usou, e que foi traduzida por “exercita-te”, é o vocábulo grega “gymnaze”. É interessante saber que desse termo deriva a palavra “ginásio” e, literalmente, esta palavra se traduz por “despido”. De acordo com Hughes, “No grego clássico, nas competições atléticas, os participantes competiam sem roupa, de modo que não fossem estorvados. Portanto, a palavra ‘exercita-te’ originalmente leva o significado literal de ‘exercita-te despido’” (HUGHES, 1996, p. 16). A ideia é que é necessário disciplina para crescer na piedade, e isso implica em uma prática constante de treinamento livre de qualquer forma de impedimento, mesmo que seja a própria roupa. Esse era o sentimento do Arcebispo de Cantuária Donald Coggan, que afirmou: “Passo pela vida como um transeunte a caminho da eternidade, feito à imagem de Deus, mas com essa imagem aviltada, necessitado de que se lhe ensine a meditar, adorar, pensar” (FOSTER, 1983, s/p). Sem disciplina, nenhum atleta atinge suas metas e nenhum cristão cresce em piedade. Dito isto, passamos agora a apresentar as principais disciplinas espirituais para esses dias de pandemia. confinamento
A primeira dessas disciplinas espirituais é a solitude. Considerando que a OMS está sugerindo o isolamento ou o confinamento social, para evitar o contágio, a prática da solitude se apresenta como primeira grande disciplina espiritual. Antes de começar, contudo, é imprescindível distinguir solitude de solidão. Como nos ensina Foster, quando estamos solitários, temos a tendência de ter medo e de superar esse medo buscando a multidão. Mas existe uma alternativa mais significativa, a solitude. Para Foster, uma solitude em silêncio interior tem o condão de nos livrar da solidão e do medo. E continua: “Solidão é vazio interior. Solitude é realização interior. Solitude não é, antes de tudo, um lugar, mas um estado da mente e do coração” (FOSTER, 1983, s/p). Na realidade, solitude nada tem a ver com a presença ou não de pessoas; é algo que ocorre no coração quando encontramos Deus. Jesus sempre teve momentos em que se afastava para ficar só e refletir. E é pensando nisso que abandonamos o medo e entregamos nossos temores ao Senhor. Por isso, dizia S. Tereza D’Ávila: “Aquieta-te em solitude e encontrarás o Senhor em ti mesmo” (FOSTER, 1983, s/p). A grande vantagem da solitude, é que ela se transforma no espaço mais adequado para a prática das outras disciplinas.
Em segundo lugar, podemos acrescentar à primeiro, a prática da meditação. Como muito acertadamente alertava Hans Urs Von Balthasar, tudo o que se pode dizer sobre esse tema, dependerá da questão: “Deus falou à humanidade sobre si mesmo, naturalmente, e também sobre seu projeto na criação do homem e seu mundo? Ou o Absoluto continua sendo Silêncio, para além de toda a palavra terrena?” (BALTHASAR, 2004, p. 5). Se a segunda resposta for a certa, então o homem está aberto a todos os caminhos, podendo caminhar em lugares íngremes e encontrado verdades fugazes e indizíveis, numa ascese mística que levará o homem até vários e distintos lugares, mas longe do Altíssimo e próximo do eu. Se, porém, a primeira resposta for a verdadeira, então Deus nos falou. Neste caso “a meditação pode ter um significado, só como reflexão e apropriação sempre mais profunda da Palavra de Deus sobre nós e sobre o mundo” (BALTHASAR, 2004, p. 6). Partindo do que nos afirma o preâmbulo da Carta aos Hebreus, verificamos que Deus sempre pretendeu nos falar, tanto no passado pelos profetas quanto no presente – de forma mais explícita -, pelo Filho (Hebreus 1: 1-4). Assim, conclui Balthasar, “a auto-revelação divina se realiza plenamente nas duas direções – Deus que fala da sua própria profundeza, e que, falando como Homem, descobre a profundeza do homem – as dimensões da meditação cristã se desdobram claramente” (BALTHASAR, 2004, p. 8). Assim, busque um espaço silencioso, sente-se tranquila e confortavelmente, imagine um raio de luz descendo do céu e vindo sobre você. Você pode começar, também, prestando atenção à sua respiração. Alguns exercitam a chamada “oração do Senhor” ou utilizar um rosário, começando e terminando com uma ação de graças. Pela meditação, a verdadeira contemplação pode ocorrer de forma mais verdadeira, e a Palavra pode se abrir em nossa mente mais claramente. O que não podemos esquecer é que, conforme afirma Thomas Merton: “A verdadeira contemplação não é um truque psicológico, mas uma graça teológica” (MERTON, In FOSTER, 1983, s/p).
Por fim, em terceiro lugar, aproveite para ler a Bíblia e fazer suas orações. Todos nós podemos aproveitar as orientações da OMS para, ao ficarmos em casa, não apenas contribuir para barrar o avanço da COVID – 19, mas, também para crescer espiritualmente por meio dos mais simples exercícios espirituais que o Cristianismo pratica: a leitura da Bíblia e a oração. A grande diferença entre as duas é que, na primeira, Deus nos fala pela sua Palavra inspirada, ao paço que, pela segunda, nós falamos com Deus expondo nossos anseios, medos e alegrias. Os Anglicanos possuem instrumentos bastante adequados para momentos assim. Eles podem se servir dos Ofícios Diários que estão presentes no Livro de Oração Comum (Matinas, Vésperas e Completas), e utilizar o lecionário diário para fazer suas leituras bíblicas, dentro do calendário cristão. Certamente, nesse diálogo no qual falamos com Deus e ouvimos sua voz, haverá uma enorme possibilidade de crescimento espiritual. Isso, contudo, somente se dará quando houver disciplina. A oportunidade já existe. Fique em casa e exercita-te na piedade.
Referências bibliográficas:
BALTHASAR, Hans urs von. Meditar como cristãos. Aparecida-SP: Santuário, 2004
FOSTER, Richard. Celebração da disciplina. São Paulo: Vida, 1983
HUGHES, R. Kent. Disciplinas do homem cristão: servir e liderar são qualidades que se aperfeiçoam com o exercício da disciplina. Rio de Janeiro: CPAD, 1996
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