EM QUE CREEM OS ANGLICANOS? OS TRINTA E NOVE ARTIGOS DE RELIGIÃO E A FÉ ANGLICANA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 16 de dez. de 2021
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Reverendo Jorge Aquino.
Penso firmemente que, se alguém deseja saber em que creem os Anglicanos, existem pelo menos dois documentos ou pilares, que jamais podem ser esquecidos nesta busca. Em primeiro lugar está o Livro de Oração Comum, que expõe de forma clara o culto e a fé dessa igreja – lex orandi lex credendi. No entanto, não imagino que alguém – de boa fé – deseje conhecer a fé Anglicana sem, contudo, observar atentamente o que afirma o segundos desses dois pilares fundamentais, qual seja, Os 39 Artigos de Religião.
Na verdade, Os 39 Artigos de Religião são uma breve e condensada declaração acerca do que os Cristãos Anglicanos acreditam e ensinam. Eles foram cuidadosamente produzidos pelos Reformadores Ingleses Cranmer e Ridley como guia e guarda da identidade Anglicana procurando, conforme indica seu título, “evitar a diversidade de opiniões e para estabelecer um consenso em relação à verdadeira Religião”. Neste sentido, não apenas o Livro de Oração Comum, mas também Os 39 Artigos de Religião, representam aquilo que W.H. Griffith Thomas chama de “um retorno à fé pura e simples do cristianismo, incorporada nas Escrituras Sagradas”. Neste sentido, ambos os documentos não apenas reafirmam a fé católica, mas apresentam elementos que são inquestionavelmente destaques feitos pela fé Reformada do século XVI. Desta forma, tendo sido adotados pela Igreja da Inglaterra em 1571, Os 39 Artigos de Religião são úteis para assistir aos crentes em seus pensamentos e controvérsias, bem assim, para compartilhar a “fé que de uma vez por toda foi dada aos santos” (Judas 3). É necessário ressaltar que esses princípios teológicos se mantém relevantes e proeminentes para nossa saúde espiritual, nossa maturidade e nosso seguimento diário de Jesus Cristo. Nesse sentido, já afirmava o bispo J.C. Ryle “Há poucos pontos sobre os quais é tão importante que os religiosos ingleses tenham opiniões claras e corretas, como sobre a natureza, posição e autoridade dos Trinta e Nove Artigos”.
Tendo surgido originalmente como 42 Artigos de Religião, sua forma final é datada de 1571, durante o reinado da Rainha Elizabete I e sob a direção do Arcebispo Matthew Parker. Neste momento observamos a redução do número de Artigos para 39. A retirada de artigos pouco importantes, permitiu que fosse forjado esse outro pilar das crenças Anglicanas. É preciso registrar que a igreja da Inglaterra nunca pretendeu que os Artigos fossem uma declaração abrangente da fé cristã, mas originalmente pensava neles – conforme vimos - como uma maneira de esclarecer a posição da Igreja da Inglaterra contra os extremos da Igreja Católica Romana e também os excessos de alguns reformadores continentais. Assim, os 39 Artigos de Religião, representam um texto que, como nenhum outro, aponta para uma via média, ou seja, para o próprio cerne da identidade Anglicana. Não é exagero dizer que os 39 Artigos de Religião podem ser colocados entre as melhores declarações da fé produzidas durante o período da Reforma e que eles, ainda permanecem relevantes para o mundo de hoje.
Assim, conforme esboçada acima, a Via Mídia da Igreja Elizabetana da Inglaterra foi devidamente forjada e fundida na história com os 39 Artigos de Religião. A Via Media, ou "Caminho do Meio", era para ser a direção da Igreja da Inglaterra no clima teológico volátil do século XVI. O "Caminho do Meio" manteve a teologia reformada da Reforma, mantendo elementos de adoração que não entravam em conflito nem com as Escrituras e nem com a consciência.
Teólogo como Gerald Bray, entendem que os 39 Artigos de Religião podem ser adequadamente divididos em três categorias distintas: doutrinas católicas, doutrinas protestantes e doutrinas Anglicanas.
As doutrinas que seriam associadas ao catolicismo – ou à Igreja Cristã em todo o mundo -, seriam encontradas entre os artigos 1 e 8. Aqui vemos temas que tratam da a Santíssima Trindade (1-5), as Escrituras Sagradas (6-7), e os credos antigos (8).
As doutrinas associadas à temática mais propriamente protestante seriam encontradas entre os artigos 9-34, que tratam da salvação (9-10), da justificação pela fé (11-14), da vida cristã (15-18), da igreja (19-22), do ministério (23-24), dos sacramentos (25-31), e da disciplina da igreja (32-34).
Por fim, encontramos as doutrinas especificamente Anglicanas, que são vistas entre os artigos 35 e 37, e que tratam das Homilias (ou sermões-chave, 35), da ordem tríplice do ministério (bispos, padres e diáconos, 36), e da relação entre a igreja e o estado (37). Os dois últimos artigos (38 e 39) não são especificamente Anglicanos, mas tratam de assuntos ligados especificamente ao governo civil.
Um resumo da importância dos artigos de religião podem ser vistos nas palavras do bispo J.C. Ryle, que lembra os anglicanos que, "Doutrinas como as previstas nos artigos são as únicas doutrinas que são a vida, a saúde, a força e a paz. Nunca nos envergonhe de apossá-los, mantê-los e torná-los nossos. Essas doutrinas são a religião da Bíblia e da Igreja da Inglaterra!”
Muito embora algumas Províncias anglicanas ao redor do mundo já não considerem a autoridade que têm os 39 Artigos de Religião, creio ser isso um enorme contrassenso. Ora, estando os Artigos de Religião no mesmo patamar em que se encontra o Livro de Oração Comum – tanto de uma perspectiva temporal quanto de uma perspectiva de tendência -, se um deles não tem valor o outro também não deveria ter. Esta é uma questão de lógica. O problema é que nenhum teólogo se levantará para dizer que o Livro de Oração Comum representa apenas um mero documento histórico que deve ser apenas conhecido pelos ministros, mas que em nada fundamenta nossa fé.
Sim, não tenho dificuldades em aceitar a argumentação de que os textos devem ser tratados hermeneuticamente, dentro de seu tempo e de seu sitz in leben. No entanto, o próprio Prefácio dos 39 Artigos de Religião de 1628 afirmam que “Nenhum homem colocará seu próprio sentido ou comentário ao significado do artigo, mas deve tomá-lo no sentido literal e gramatical”. Em outras palavras, devemos, sim, adaptar a atualizar os Artigos, mas temos que ser honestos com quem os escreveu e com a intensão que eles tinham. Inquestionavelmente, aqueles teólogos Anglicanos desejavam ser compreendidos exatamente da forma e com o sentido que eles escreveram.

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