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DA ONTOLOGIA DA ESPERANÇA À TEOLOGIA

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 16 de ago. de 2021
  • 5 min de leitura

Reverendo Padre Jorge Aquino.

Para refletir sobre esse binômio, acredito que o primeiro passo é definir o que queremos dizer por “ontologia”. A “ontologia”, era vista por Aristóteles como a “filosofia primeira”, associando-a, em seguida, com a metafísica. Nesse sentido, a ontologia passou a ser vista como o estudo do ser como ser, ou do ente enquanto ente. O que podemos dizer, então acerca do ser do homem?

Para replicar a essa questão, muitos filósofos e pensadores arriscaram suas respostas. Para um Aristóteles, o homem é um “animal político”; para Bruno, um “cidadão de dois mundos”, a eternidade e o tempo; para Pascal, apenas “um caniço pensante”; para Hobbes, ele é “o lobo do homem”; para Lamettrier, é apenas “uma máquina”; para Heidegger, é “um ser para a morte”.

Muitas outras respostas surgiram no transcorrer da história, mas aquela sobre a qual queremos tecer algumas considerações é a que surge da elaboração de Ernest Bloch, para quem, o homem era, antes de mais nada, o “ser ainda-não-sendo” (Noch-nicht-Sein). Esta elaboração aparece em torno de 1960 em alguns textos que foram sistematizados em uma obra mais densa chamada: “Problemas filosóficos fundamentais”.

Ernest Bloch (c.1885-1977) foi um filósofo alemão de matiz marxista que se dedicou a produzir uma obra na qual defendia a possibilidade de um mundo humanizado e livre da exploração e da opressão. Autor do chamado Princípio Esperança, ele entendia que a visão mítico-religiosa poderia contribuir para a elaboração de uma realidade melhor. Segundo informa Rosino Gibelline, “A filosofia da esperança de Bloch articula-se em dois princípios: a) uma ontologia universal do não-ser-ainda, que abrange natureza e história; e b) uma escatologia não menos universal da superação da alienação humana, numa pátria da identidade, e da superação do sofrimento humano causado pela injustiça, numa pátria da solidariedade” (GIBELLINI, 1998, p. 289). Estamos, pois, diante dos dois fundamentos de seu Princípio Esperança: um aspecto ontológico e outro escatológico.

Quando nos voltamos para o estudo do aspecto ontológico em Bloch, descobrimos que, muito embora ainda seja condicionado, o homem tem a capacidade de tomar consciência e de reinterpretar esse seu condicionamento ou determinismo. Essa realidade que poderíamos chamar de “o possível”, não pode advir do mero otimismo, pois seria por óbvio, extremamente superficial. Tão pouco “o possível” poderia vir da descoberta o provável, pois isso seria deveras subjetivo. O “possível” somente poderia advir de uma interpretação da realidade na qual a vislumbramos como “imperfeição”, mas também como “possibilidade”. Isso inevitavelmente nos levaria a compreender a realidade como a “relatividade do determinismo” (BLOCH In FURTER, 1974, p. 115).

Desta forma, a realidade é algo que existe lá, na consciência antecipadora, na forma de um ainda-não. O determinismo dessa realidade se deve apenas à contingência e à historicidade. Assim sendo, a consciência antecipadora é a afirmação de um ente que se apresenta, ontologicamente, como um “ainda-não-sendo” (Noch-nicht-Sein).

Em Bloch, a Ontologie des Noch-nicht-Sein nos faz entender que tudo quanto acompanha a própria vida só pode encontrar seu verdadeiro significado no futuro. Como afirma Scaer, no pensamento blochiano, “O presente é necessariamente inadequado porque não foi respondido pelo futuro. A realidade é incompleta, por definição, e permanece assim. A atitude do homem para com a vida deve ser formulada não por aquilo que tem sido ou que é mas, sim, por aquilo que ainda será” (SCAER, In GUNDRY, 1983, p. 163).

Aquele que melhor utilizou o paradigma da “esperança” como fundamento para a construção de uma obra teológica que redescobre a escatologia e propõe um resgate desse elemento, foi o teólogo Alemão Jürgen Moltmann (1926). A relação com os dois teve início porque ambos se encontraram na Universidade de Tübingen, na década de 1960. Pelo que percebemos, à luz do contexto da teologia e da política da época. De uma perspectiva teológica, a reflexão trazida por Moltmann significava “um refrigério em contraste com a monotonia do aqui-e-agora dos teólogos existencialistas” (SCAER, In GUNDRY, 1983, p. 167), que já estavam chegando à exaustão com uma leitura nietzscheiana e produzindo a conhecida “Teologia da morte de Deus”. De uma perspectiva política, Multmann vivenciava o recrudescimento da chamada “guerra fria” e assistira a divisão da Alemanha em duas por meio do muro que dividia o mundo em dois blocos e produziam enormes tragédias pessoais e políticas.

É dentro desse contexto vital (Sitz im leben) que Moltmann elabora sua teologia. Ele não procura apresentar a esperança como uma virtude teologal e, nem mesmo, procura criar uma teologia do genitivo, onde o genitivo (nesse caso a esperança) fosse o objeto da reflexão teológica. Sua reflexão é, antes, um “ensaio de teologia escatológica, em que os temas centrais do cristianismo são revisitados na perspectiva da promessa, esperança e missão. A Bíblia é o livro da revelação, na medida em que é o livro da promessa divina; a promessa alimenta a esperança; e a esperança impulsiona a missão” (GIBELLINI, 1998, p. 286). E Moltmann, a realidade é pura escatologia e esta, idêntica à esperança cristã. Esta esperança não apenas abarca tudo aquilo que esperamos mas também o próprio ato de esperar. Para ele, “O Cristianismo é total e visceralmente escatologia, e não só a modo de apêndice; ele é perspectiva e tendência para frente, e por isso mesmo, renovação e transformação do presente” (MOLTMANN, 1971, p. 2). Para ele a escatologia não é apenas um dos diversos temas da teologia. É o meio no qual o próprio Cristianismo se movimenta e o elemento que dá vida e cor à vida cristã. Porque o Cristianismo vive da fé no Cristo ressurreto, ele se mostra como a esperança do retorno (parousia) do que venceu a morte, para a realizar plenamente criação de uma nova realidade que já está entre nós: seu Reino.

Essa crença possui uma inquestionável consequência sobre nossa missão: para Moltmann, “toda a pregação e mensagem cristã tem uma orientação escatológica, a qual é também essencial à existência cristã e à totalidade da Igreja” (MOLTMANN, 1971, p. 2). Ele sabia que todas “possibilidades” e “tendências” que o mundo real nos impõe estão ligadas às decisões subjetivas de que, de dentro do processo, observa a história acontecer. E é diante de um “novo” que sempre vem que o cristão precisa tomar a decisão de se colocar na história. Nesse aspecto ele concorda quando Bloch diz “O nervo de um conceito correto de história é e permanece o novum” (BLOCH, In MOLTMANN, 1971, p. 311). Esta esperança do novum não é apenas expectante, ela é, sobretudo, uma esperança criadora que prepara e transforma o presente “porque está aberta ao futuro universal” (MOLTMANN, 1971, p. 402).

A relação de dependência entre a elaboração teológica de Moltmann da obra filosófica de Bloch fica claro quando se percebe que, assim como Bloch procurava renovar a tradição marxista a partir de uma perspectiva de um humanismo real, Moltmann “apostava numa renovação da teologia cristã e da práxis da comunidade cristã, aplicando, numa perspectiva escatológica, a categoria de futuro, que Bloch propunha como categoria filosófica central” (GIBELLINI, 1998, p. 289).


Referências bibliográficas:

FURTER, Pierre. Dialética da esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974

GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Loyola, 1998

GUNDRY, Stanley. Teologia contemporânea. São Paulo: Mundo Cristão, 1983

MOLTMANN, Jürgen. Teologia da esperança. São Paulo: Herder, 1971




 
 
 

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