DA INDIGÊNCIA INTELECTUAL EM NOSSO PAÍS
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 25 de nov. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 26 de nov. de 2021
Reverendo Jorge Aquino.
Uma das constatações mais tristes e relevantes que tenho feito ao conversar com pessoas, das mais diversas classes sociais e com as formações mais díspares possíveis, é que estamos vivenciando um momento de extrema indigência ou de pobreza intelectual em nosso país.
Esta indigência nos leva a acreditar, em primeiro lugar, que a realidade se resume apenas a duas possibilidades. De uma perspectiva filosófica, esse dualismo maniqueísta afirmaria que existe um padrão recorrente de pensamento que busca compreender a realidade e a condição humana dividindo-as em dois princípios básicos, adversos, contrários e díspares (p.e. forma e matéria, essência e existência, aparência e realidade, bem e mal, etc.). Esta indigência intelectual nos leva a crer que o mundo é semelhante às teclas de um piano, ou seja, as verdades ou são pretas ou brancas. Desta forma, toda a paleta de cores possíveis simplesmente deixaria de existir. Simples assim. Todos nós estamos condenados a um daltonismo incurável. Hoje sabemos que esta postura de orientação aristotélica, baseada no princípio do terceiro excluído, hoje já cede espaço para visões paradoxais ou complexas nas quais duas verdades aparentemente antagônicas convivem sem problemas.
Em segundo lugar, esta indigência intelectual reducionista que restringe nossas possibilidades ou opções no debate sobre questões éticas, políticas, estéticas, política, metafísicas, etc., nos coloca diante de apenas duas possibilidades caracterizadas por serem duras, absolutas, ou seja, duas probabilidades sólidas e inegociáveis. Neste sentido, esta postura se aproxima de uma perspectiva religiosa ao defender a absolutidade de seus dogmas. Contrariado o que se afirmava durante o período Moderno e durante o pensamento iluminista, aquilo que chamamos de “verdade”, hoje, não pode mais ser vista como uma verdade dura. Pensadores como Gianni Vattimo ou como Zygmunt Bauman, nos falam hoje em um “pensiero debole” ou um “pensamento fluido”. Em nenhum momento, estes autores advogam um niilismo absoluto. Mas, seguramente, eles não advogam verdades absolutas nos moldes daquelas verdades que eram advogadas durante a modernidade. Desde 1962, quando Thomas Kuhn escreveu A estrutura das revoluções científicas, apresentou a noção de “paradigma” científico como sendo aquelas realizações universalmente reconhecidas e que durante um certo período de tempo oferecia, além dos problemas, também as soluções exemplares para a comunidade científica, ele nos apresentou a noção de verdade científica como sendo uma verdade transitória e não permanente ou eterna. Hoje a ciência não mais fala em verdades absolutas. Desde que Karl Popper, na década de 30 do século XX, afirmou o princípio da falseabilidade como o elemento essencial da ciência, ele queria afirmar que este elemento – também chamado de refutabilidade – seria a propriedade básica de de uma asserção, ideia, hipótese ou teoria. Em outras palavras, para ser científica, uma hipótese ou teoria, teria que poder ser mostrada como sendo falsa. Fora disso, estaríamos falando de dogmas religiosos.
Por fim, em terceiro lugar, esta indigência intelectual tem levado muita gente - particularmente aos que tem acesso às mídias digitais - a assumir uma postura comportamental marcada pela agressividade, pela hostilidade e por um comportamento que se caracteriza pela prática de assassinato de reputações, de discursos de ódio, eliminação de reputações e de criação e disseminação de fake-news. Desta forma, na falta de lastro teórico para fundamentar um discurso relevante, prefere-se trilhar o caminho da eliminação dos diferentes, identificados como os errados ou os perigosos.
Na prática, esta indigência intelectual que vem marcando nosso país, tem levado as pessoas a acreditarem na falácia de que, em se tratando de política, somente existem duas alternativas: esquerda e direita, simplesmente desconsiderando inúmeras posições intermediárias. Além disso, esta pobreza intelectual difunde a tese de que estas duas únicas posturas possíveis, são verdades absolutas e inquestionáveis, quando, na verdade, existem posições variadas tanto na chamada esquerda quanto na direita. Desta forma, aqueles que defendem esta dualização simplista está lidando com um pensamento duro, absoluto e inflexível. E, lamentavelmente, essa penúria intelectual que reina entre tantos “de-formadores de opinião”, acaba levando as pessoas a fomentarem uma caçada contra os diferentes, a ponto de que as vidas, as reputações e a obra dessas pessoas sejam jogadas na lama e destruídas, muitas vezes com o uso de mentiras, de discurso de ódio e de incitação à violência. Assim, a mentira, o ódio e a antipatia passam a justificar a agressão e a destruição das vidas e reputação de quem pensa diferente, destruindo junto qualquer senso de decência ou de humanidade. Não podemos lastrear esta intolerância na legalidade e no direito de expressão. Na verdade, o direito de expressão não nos leva ao crime ou à maldade. Encerro este breve texto, citando o ilustre pensador austríaco Karl Popper quando expressou seu “Paradoxo da tolerância” no livro Sociedade aberta e seus inimigos. Para ele, por fim, “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. Em outras palavras, não devemos aceitar que as pessoas usem a tolerância para destruir a tolerância, bem assim, usem a democracia para pregarem contra ela e disseminarem o ódio e a intolerância, por absoluta falta de racionalidade ou lastro intelectual. É inaceitável que a indigência intelectual seja o fundamento de comportamentos intolerantes e odiosos.

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