top of page

COMENTÁRIO À ORAÇÃO DO SENHOR. Doxologia conclusiva: “Pois teu é o Reino, o Poder e a Glória para se

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Reverendo Jorge Aquino.

Agora estamos no encerramento da chamada Oração do Senhor. A aqui, encontramos palavras cheias de beleza e de exaltação ao caráter de Deus. E o encerramento dessa Oração ocorre no texto de Mateus 6:13, onde lemos: “Pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre. Amém”. Na versão escrita em grego, e que serviu de base para essa tradução portuguesa, lemos: “οτι σου εστιν η βασιλεια και η δυναμις και η δοξα εις τους αιωνας αμην”. Quando, contudo, paramos para estudar mais detidamente esta doxologia, nos vemos diante de três informações importantes. Em primeiro lugar, devemos nos ater com um pouco mais de atenção sobre este texto final - que não está em Lucas -, e que chamamos de doxologia, ou seja, uma fala ou discurso acerca da glória de Deus. Ao observarmos o texto, de uma perspectiva manuscritológica, logo percebemos um detalhe para o qual nem sempre atentamos. Diante do testemunho dos textos e manuscritos mais autoritativos, percebemos que, com toda segurança, essas palavras não faziam parte da oração original de Jesus, muito embora tenham sido aditadas a ela desde muito cedo. Em resumo, nesta perspectiva manuscritológica, verificamos que esta doxologia aparece nos Novos Testamentos que foram traduzidos dos textos gregos associados ao Textus Receptus, que é uma coleção de textos conhecidos como bizantinos e que foram publicados por Erasmo de Roterdã em 1516, e que viriam a servir de base para a tradução da Bíblia para o Inglês (King James Version - 1611) ou para o português (tradução João Ferreira de Almeida - 1681). A Vulgata latina, por seu turno, não possuía a doxologia e, por via de consequência, ela também não aparecia nas grandes traduções católicas da Bíblia. Estes dados nos faz concluir, conforme assevera Champlin, que “Essa bela doxologia não é autêntica (...) mas parece antiga inserção litúrgica, sendo talvez, uma espécie de paráfrase de I Crô 29:11-13” (CHAMPLIN, 1985, p. 324). Geralmente, as traduções protestantes colocam essa doxologia com a seguinte observação: “Tais palavras não fazem parte do texto original em grego”. Esta observação não é correta e precisa ser corrigida, uma vez que nós dispomos de nenhum texto grego original – chamado de autógrafo - , mas apenas textos posteriores, portanto, cópias do original ou cópias de cópias. É importante que se diga que, em um dos textos cristãos mais antigos que conhecemos – chamado Didaquê (VIII.2) -, escrito entre 90 e 100 da era cristã, já encontramos a doxologia, ainda que de forma resumida: “pois teu é o poder e a glória”. Esta mesma doxologia aparece em outros manuscritos, também de forma abreviada, muito embora ela esteja ausente em diversas versões latinas e na maioria dos pais gregos e latinos, como também em traduções importantíssimas. Muito provavelmente, a inclusão da doxologia surge, primeiramente, como uma influência litúrgica. Contudo, essa expressão litúrgica, muito cedo passa a fazer parte dos textos como comentários feitos pelo tradutor ou copiador. O conhecido teólogo A.T. Robertson, escrevendo sobre o tema, diz: “O uso de uma Doxologia surgiu (ou melhor, criou raízes) quando esta Oração começou a ser usada como uma liturgia a ser recitada ou cantada no culto público. Não era parte original da Oração Modelo, conforme dada por Jesus” (ROBERTSON In GIOIA, 1981, p. 127).

Em segundo lugar, é importante apresentar o conteúdo da doxologia. Assim, depois de discorrer brevemente sobre o surgimento deste encerramento da Oração do Senhor, em Wesley vemos uma breve exposição sobre essa solene ação de graças. Segundo esse ilustre evangelista, a doxologia é o “reconhecimento conciso dos atributos e das obras de Deus. ‘Porque teu é o Reino’ – o direito soberano sobre todas as coisas que são ou foram criadas. Teu Reino é um reino eterno e teu domínio perdurará por todas as eras. ‘Poder’ – o poder executivo pelo qual Deus governa todas as coisas e faz o que lhe agrada em todos os lugares do seu Reino. ‘E a glória’ – o louvor que cada criatura lhe deve por seu poder e pela grandiosidade de seu Reino” (WESLEY, 2017, p. 157). Assim, o texto nos fala de três palavras fundamentais para todos nós. A primeira delas se refere ao “reino” (βασιλεια), o texto se refere a toda a obra de Deus. Todas as suas criaturas, materiais ou espirituais, ligadas ou não ao tempo e ao espaço, estão sob o completo domínio de Deus, o que faz com que seu reino se estenda sobre todo o Universo. Nada do que existe, existiu ou existirá, está fora do raio de ação de Deus. A próxima palavra, “poder” (δυναμις), aponta para a forma como Deus dirige o Universo, ou seja, com seu poder e autoridade. É com seu poder que o seu reino se impõe e se imporá em um futuro breve. No eskaton o reino será totalmente visível pelo poder de Deus e todos os prepostos desse mundo se ajoelharão diante de nosso Senhor. A terceira palavra, “glória” (δοξα), nos fala da razão pela qual nosso Deus exerce o seu poder e seu domínio sobre tudo e todos, ou seja, para o louvor da sua glória. Na verdade, tudo o que existe, existe para a glória de Deus. Eis a razão final de nossa existência. E um detalhe muito importante que destacamos no final do versículo é que, estes três elementos permanecerão para sempre (εις τους αιωνας). Assim, muito embora saibamos que a doxologia não fazia parte da Oração do Senhor, entendemos sua construção da forma como ela foi feita. Afinal, questiona Martin LLoyd-Jones, “O que poderia alguém dizer, após ter-se defrontado com uma oração magnífica como essa, após ter lido tais palavras? Deve haver uma espécie de ação de graças final, deve haver alguma forma de doxologia. Quando consideramos as nossas necessidades, e também o quanto dependemos dEle e as nossas relações com Ele, não podemos parar, dizendo: ‘livra- nos do mal’. Precisamos terminar nossa oração conforme havíamos começado, isto é, louvando ao Senhor” (LLOYD-JONES, 1984, p. 362). Para corroborar essas considerações, podemos citar o ilustre reformador João Calvino, que faz as seguintes considerações acerca dessa linda doxologia: “Depois das petições feitas, se apresenta a razão pelas quais temos o atrevimento para pedir e a confiança de alcançar o que pedimos. Esta causa, ainda que não esteja presente em alguns exemplares latinos, é contudo tão adequada e apropriada que não deve ser omitida; a saber, que de Deus é o reino, o poder e a glória pelos séculos dos séculos. Este é um forme e seguro apoio de nossa fé. Porque se nossas orações fossem recomendadas diante de Deus por meio de nossa dignidade, quem se atreveria sequer a abrir a boca diante de Deus? Porém agora, quanto mais miseráveis e mais indignos somos e por mais que não tenhamos de que nos louvar diante de Deus, contudo sempre teremos motivo para rogar e nunca perderemos a confiança, posto que de nosso Pai, jamais será tirado o reino, nem o poder, nem a glória” (CALVINO, 1981, III, xx, 47). Estas duas citações dão conta, de forma cabal, da importância e da necessidade litúrgica e teológica dessa doxologia.

Finalmente, em terceiro lugar, o texto encerra com um retumbante e reverente “Amém” (αμην). Este advérbio de origem hebraica, tem em sua raiz um termo que significa “assegurar” e “firmar”. Eis a razão pela qual empregamos esse termo para “confirmar o que outrem disse. Amém – assim seja” (BUCKLAND, 1981, p. 25). Desta forma, levando em consideração que esta doxologia estava relacionada a um aspecto litúrgico, o uso do “Amém” é bastante significativo. Assim, Hendriksen escreve que este é um “‘Amém’ reverente que atesta a sinceridade de suas palavras e sua convicção de que o Pai atenderá suas necessidades, eles concluem a oração” (HENDRIKSEN, 1986, p. 355). Eis a razão pela qual entendemos que, com nosso “Amém”, não apenas estamos dizendo que chegamos a um determinado fim, mas que, com ele, também “se denota o ardor do desejo que temos de alcançar os pedidos que fizemos a Deus, e confirmamos nossa esperança de havê-las alcançados a todos e de que certamente se realizará, posto que Deus assim o prometeu, o qual não pode mentir” (CALVINO, 1981, III, xx, 47). Por isso, esse “Amém” é uma expressão de certeza de que, aquilo que foi pedido à Deus, será objeto de bênção para todos os seus filhos que oram.


Referência bibliográfica:

BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Petrópolis,RJ: Vozes, 2011

BUCKLAND, A.R. Dicionário bíblico universal. Miami: Vida, 1981

CALVINO, Juan. Instituición de la religión Cristiana. Rijswijk, Países Bajos: FELiRé, 1981

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA.

CHAMPLIN, Russell Norman. O novo testamento interpretado versículo por versículo. Vol. 1, São Paulo: Milenium distribuidora cultural, 1985

CULLMANN, Oscar. A formação do novo testamento. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1984

EU CREIO: pequeno catecismo católico. Villatuerta-Navarra: Associação Ajuda a Igreja que Sofre, 2005

FILHO, Fernando Bortolleto (Org.). Dicionário brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE, 2008

FOSTER, Richard J. Oração: o refúgio da alma. Campinas, SP: Editora Cristã Unida, 1996

HARRISON, Everett F. (Edt.). Comentário bíblico moody. Vol 4. São Paulo: Imprensa Batista Regular, 1980

HARRISON, Everett. Introducción al nuevo testamento. Grand Rapids, MI: Subcomisión Literatura Cristiana, 1987

HENDRIKSEN, Guillermo. El evangelio segun san mateo: comentario del nuevo testamento. Grand Rapids, MI: Subcomisión Literatura Cristiana, 1986

GIOIA, Egidio. Notas e comentários à hermonia dos evangelhos. Rio de Janeiro: JUERP, 1981

KILPP, Nelson (Coordenador) Proclamar libertação: auxílios homiléticos – suplemento 1. São Leopoldo-RS: Editora Sinodal, 1982

LLOYD-JONES, D. Martyn. Estudos no sermão do monte. São José dos Campos, SP: FIEL, 1984

LUTERO, Martinho. Os Catecismo. Porto Alegre/São Leopoldo,RS: Concórdia/Sinodal, 1983

SECONDIN, Bruno/GOFFI, Tulio (Org.). Curso de espiritualidade: experiência, sistemática e projeções. São Paulo: Paulinas, 1993

STAGG In ALLEN, Comentário bíblico broadman. Vol. 8. Rio de Janeiro: JUERP, 1986

STOTT, John W. A mensagem do sermão do monte. São Paulo: ABU Editora, 1985

TASKER, R.V.G. Mateus introdução e comentário. São Paulo: Mundo Cristão/Vida Nova, 1985

YOUCAT-Brasil: Catecismo jovem da igreja católica. São Paulo: Paulus, 2011

WESLEY, John. O sermão do monte. São Paulo: Vida, 2017

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

MUDAMOS PARA OUTRO SITE

Caríssimos leitores, já que estamos com dificuldades de acrescentar novas fotos ou filmes nesse blog, você poderá nos encontrar, agora,...

Comments


Post: Blog2_Post

©2020 por Padre Jorge Aquino. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page