
Reverendo Jorge Aquino.
Nesta quinta petição, somos orientados a pedir a Deus que perdoe nossas dívidas (“ofeilêmata êmôn”, em grego οφειληματα ημων: Mateus 6:12). Ora, quando Jesus fala em dívidas, ele estava tocando em um tema muito sensível para os judeus de sua época. Essa realidade pode muito bem ser vista na seguinte exposição feita por Leonardo Boff, para quem, “Jesus conhecia como era dura a política de cobranças das muitas dívidas que eram as taxas cobradas para o império, para o templo, para a manutenção da casta sacerdotal, para sustentar o aparato de Estado e a segurança pública. O povo gritava sob o peso das dívidas especialmente na Galileia, grande produtora de alimento e com muitos endividados, temerosos que lhe tomassem o pouco que tinham” (BOFF, 2011, p. 121). Assim, na mente de um judeu comum, ao ouvir essa expressão, imediatamente esta realidade lhe vem à mente. Nesta quinta petição, verificamos, em primeiro lugar, nossa realidade perante Deus. Calvino é muito claro quando afirma que Jesus “chama os pecados de dívidas, porque por causa deles devemos a pena e o castigo, que nos era impossível de pagar e satisfazer” (CALVINO, 1981, III.xx.45). Segundo as Escrituras, todos nós somos pecadores, portanto, devedores à Deus, em razão de nossos erros e pecados fruto de nossas ações, omissões e pensamentos. Assim não há dúvida de que temos a obrigação de reconhecer nossa falta e de pedir o perdão de Deus. Quem apresenta essa realidade de “dívidas” de forma clara é Wesley quando escreve: “A palavra significa exatamente nossos débitos. Assim, os nossos pecados são frequentemente apresentados pelas Escrituras como débitos. Cada pecado nos põe mais endividados com Deus, a quem já devemos mais do que conseguimos pagar. (...) se ele lidar conosco de acordo com o rigor de sua lei, e exigir o que seria justo, pode ordenar que sejamos entregues com as mãos e pés amarrados” (WESLEY, 2017, p. 155). Mas o que significa essa quinta petição? Para Lutero, ela significa que “Suplicamos nessa petição que o Pai celeste não observe os nossos pecados, nem por causa deles recuse as nossas preces; pois somos indignos de todas as coisas que pedimos, nem as merecemos; mas no-las conceda todas por graça, visto pecarmos muito diariamente e nada merecemos senão castigo. Assim nós, na verdade, queremos de nossa parte perdoar também de coração, e de boa vontade fazer o bem aos que pecam contra nós” (LUTERO, 1983, p. 374). Assim, é inquestionável que quando olhamos para nossa relação para com Deus, inevitavelmente nos achamos “devedores”. No entanto, “Esta dívida não nos humilha, apenas mostra nossa pobreza antropológica e nossa necessidade uns dos outros” (BOFF, 2011, p. 120). É nessa pobreza ou miséria enquanto homens que nos coloca na condição de necessitados do perdão de Deus e do próximo.
Em segundo lugar, se somos pecadores, temos a obrigação de implorar ao Senhor pelo perdão dos nossos pecados. Não resta dúvida de que, na visão de Jesus, existe uma relação entre nosso débito moral e a justiça divina. Por isso Kent Jr. escreve que “Os pecados [são] tidos como dívidas morais e espirituais para com a justiça de Deus. Esses não são os pecados dos não-regenerados (...) mas dos crentes, que precisam confessá-los” (Homer Kent Jr, In HARRISON, Vol 4, 1980, p. 15). Há uma realidade espiritual que precisa ser considerada: “Somos pecadores. A consciência não deixará de nos responsabilizar e culpar. Aqui há uma dívida de consciência. Como refazer o laço de comunhão com Deus e com o outro? Jesus inventa a fórmula de pagar esta dívida, e nisso é claro: ‘perdoai e sereis perdoados’ (Lucas 6:37)” (BOFF, 2011, p. 120). Assim, se alguém já experimentou a irrestrita misericórdia de Deus, deve se colocar à disposição dos que, de alguma forma, o feriram. Sim, porque lemos nas Escrituras: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Lucas 6:36).
Por fim, em terceiro lugar, se encontramos o perdão de nosso Deus, temos a obrigação de perdoar a quem nos ofende. Mas é preciso que saibamos ou que tenhamos a consciência de que, o perdão não é a mesma coisa que “graça barata”. Não se perdoa de qualquer forma e sem exigência alguma. Muito ao revés, para que exista o verdadeiro perdão, é necessário que exista o verdadeiro arrependimento. O próprio significado do termo “perdão” precisa ser compreendido. Para Wesley, por exemplo, “A palavra ‘perdoar’ implica ou perdoar uma dívida ou abrir uma cadeia. Se aceitarmos a primeira tradução, a segunda segue seu curso. Quando nossas dívidas são perdoadas, as cadeias caem das nossas mãos” (WESLEY, 2017, p. 155). É nesse sentido que é imperativo compreender que o perdão de nossas dívidas somente pode ocorrer por meio da livre e soberana graça de Deus, em Cristo. Por isso, arremata esse ilustre pregador Anglicano, “O pecado perde seu poder, não tem domínio sobre os que estão debaixo da graça e do favor de Deus” (WESLEY, 2017, p. 155). Desta forma, explica Paulo, não há mais condenação para os que estão em Cristo Jesus, nosso Senhor (Romanos 8:1). Não existe outra possibilidade para chegarmos até o perdão. Ele não é o resultado de alguma troca ou de alguma forma de barganha espiritual. É necessário arrependimento e confissão, para que, pela maravilhosa graça de Deus, sejamos alcançados por aquele a quem agredimos com nossos gestos, palavras e omissões. Assim, “O perdão dos pecados, quer sob a lei mosaica ou na Igreja, sempre é pela graça de Deus e com base na expiação de Cristo” (Homer Kent Jr, In HARRISON, Vol 4, 1980, p. 15).
Para concluir, em razão do que expomos, encerramos reafirmando fortemente que, na nova ordem, instaurada por Jesus – com seu Reino -, ao invés da valorização da dívida e do débito, em Jesus verificamos que impera o dom do perdão, da graça e o império de uma economia solidária onde a dívida pode ser perdoada. É nesse sentido que Jesus faz referência ao “ano da graça do Senhor” (Lucas 4:19), que nos fala do pleno perdão da dívida associado a um evento escatológico, como sinal da chegada do Reino de Deus. Por isso, no final desta quinta petição lemos: “Assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Com estas palavras profundas, Jesus acentua explicitamente “tanto a condição como o modo e o grau em que podemos esperar sermos perdoados por Deus” (WESLEY, 2017, p. 156). Não é sem propósito que ele ressaltou duas vezes, em seguida, que “Pois se perdoarem as ofensas uns dos outros, o Pai celestial também lhes perdoará. Mas se não perdoarem uns aos outros, o Pai celestial não lhes perdoará as ofensas” (Mateus 6:14,15). Os termos do pedido feito por essa oração são muito claros. Nós estamos orando e acordando com Deus que, se não perdoarmos nossos devedores, Deus também não deve se inclinar a perdoar nossas dívidas. Portanto, conforme ensinou Jesus, nenhum pecador deve esperar o perdão de Deus, se não tiver em seu coração, o espírito de perdoar seu semelhante. Dizemos isso, explica Gioia, “porque, muitas vezes, o ofendido está pronto a perdoar ao ofensor, mas este não se arrepende de seu erro. Neste caso, o ofendido deve permanecer no espírito do perdão, amando o seu inimigo, mas o ofensor é responsável diante da justiça divina, por não se haver arrependido e não haver pedido perdão ao ofendido” (GIOIA, 1981, p. 126, 127). A comunidade cristã é uma comunidade de pecadores, sim, mas de pecadores perdoados. Nesta comunidade não existe espaço para que se guarde rancor durante anos e muito menos para que se planeje qualquer forma de vingança. O cristianismo não é o espaço adequado para a fermentação do ódio. Por isso, precisamos estar prontos para dar a fim de que estejamos prontos para receber. Somente quando tivermos a postura de perdoar, podemos ser realmente perdoados e, realmente associados com a fé em Jesus. Somente poderemos demonstrar nossa fé por meio de nossos gestos concretos de amor e de perdão. Qualquer coisa que fuja a esse padrão é qualquer coisa, exceto o cristianismo de Jesus.
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