top of page

COMENTÁRIO À ORAÇÃO DO SENHOR. 4º Petição: “O pão nosso de cada dia dai-nos hoje”

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Reverendo Jorge Aquino.

Com essa quarta petição, iniciamos uma segunda parte na Oração do Senhor. Na primeira, vimos o aspecto vertical da oração, na qual ela estava voltada para Deus, e nela, pedíamos que seu Nome fosse santificado, que viesse o seu Reino e que a sua Vontade fosse feita em toda parte. Agora, nós nos voltamos para o aspecto horizontal da oração. E nela, pedimos pelo pão de cada dia, pelo perdão dos pecados, pelo livramento frente à tentação e ao mal. Wesley, refletindo sobre isso, nos diz que nessa segunda parte, oramos para suprir as nossas “necessidades pessoais” (WESLEY, 2017, p. 153). Pensando, portanto, nesta quarta petição, compreendemos que ela pode ser vista sob três perspectivas. Em primeiro lugar, Jesus nos ensina a pedir pelo “pão nosso”. Mas o que isso significa? Ora, quando Lutero procura explicar qual o sentido do “pão nosso” que Deus nos dá diariamente, ele assim se expressa, em seu Catecismo Menor: “Tudo o que pertence ao sustento e às necessidades da vida, como: comida, bebida, vestes, calçados, lar, campos, gado, dinheiro, bens, consorte piedosa, filhos piedosos, empregados bons, superiores piedosos e fiéis, bom governo, bom tempo, paz saúde, disciplina, honra, leais amigos, vizinhos fiéis e coisas semelhantes” (LUTERO, p. 374). Portanto, nesta explicação sobre o que significa “o pão de cada dia”, Lutero aponta para tudo o que o homem precisa para poder viver bem e com tranquilidade e isso, incluía, por óbvio, todo o aspecto social, econômico e político do ser humano. Nesse sentido, todas as vezes que oramos pelo pão, devemos também lembrar de todos os que não tem o pão diário e buscar entender qual nosso papel na mudança da realidade, para que, um dia, todos tenham pão em suas mesas. Por isso, nenhum cristão deveria fazer essa oração, sem pensar na responsabilidade que temos com todos aquele que sofrem a falta do que é básico para terem o pão de cada dia. Uma sábia colocação sobre o pão nos é feita por Boff quando diz: “O pão sintetiza em si o alimento humano. Ele nos revela nossa essencial vinculação à infraestrutura material da vida. Por mais alto que sejam os voos do espírito, por mais profundos que sejam o mergulho místico na divina essência, todos nós dependemos de um pouco de pão e de água que garantem a nossa vida. (...) A vida é mais que pão, mas em nenhum momento pode dispensá-lo. A materialidade possui um caráter sacramental, pois está ligada à vida. É na infraestrutura que se decide o futuro eterno da vida: se tivermos dado alimento ao faminto, água ao sedento, roupa ao desnudo. Nesta solidariedade mínima se joga o destino de todos, feliz ou infeliz (Mt 25:31-40)” (BOFF, 2011, p. 117). Assim, Jesus nos ensina que são estes pequenos gestos que caracterizam os que pertencem ao seu Reino.

Em segundo lugar, Jesus nos ensina a pedir pelo pão “de cada dia”. Existe um enorme debate sobre esta expressão. Ela é, na verdade, a tradução do grego “epiousion”, cujo significado é um tanto incerto. Há quem prefira traduzir como “o pão nosso para o dia vindouro”, no entanto, conforme registra Stagg, esta tradução “assim mesmo é ambígua, podendo significar tanto o pão para o dia corrente quanto o pão para o amanhã” (STAGG In ALLEN, Vol. 8, p. 151, 152). O fato real é que, estas possibilidades na tradução correta para a expressão “de cada dia” é o espelho para o pedido de que a vontade de Deus se faça “no céu e na terra”. Assim, não devemos voltar nossos olhos apenas para a perspectiva divina, que privilegia o aspecto espacial: que a vontade de Deus seja feita em todos os lugares; mas também para a perspectiva humana, que privilegia o aspecto temporal: que cada dia haja pão para todos. Assim, sem separar o que Deus uniu, devemos orar o Pai nosso, buscando que o pão nosso também esteja igualmente presente em nossas vidas e nas vidas de todos diariamente. Eis a perspectiva essencial e unitária da mensagem de Jesus, unir o Reino de Deus com a história concreta de cada um de nós. Assim, em sua mensagem, Jesus pretendia voltar a unir o que estava separado: o Reino e a história, o Pai e o pão, o divino e o humano, o projeto divino e o humano. Somente assim, a história pode encontrar sua concretização adequada, quando o divino e o humano voltarem a se encontrar e puderem dizer mais uma vez: “E viu Deus que tudo era bom”.

Finalmente, em terceiro lugar, Jesus nos ensina a pedir que o pão nosso, nos seja dado hoje. Tudo indica que a fórmula apresentada por Mateus é mais antiga do que a de Lucas, quando diz: “Dá-nos hoje”. Ressaltemos que o tempo aoristo do verbo, segundo alguns exegetas, não pode ser adequadamente utilizada para o argumento de que estamos nos referindo a uma única ação, ou a uma entrega de pão feita de uma vez por todas. No texto de Lucas, por seu turno, o verbo está no presente, indicando uma ação contínua que se repete de dia em dia. Mas esta diferença tem apenas um aspecto formal, apontando para as bases que serviram de fonte para os autores. O “hoje” de Mateus aponta, inegavelmente para cada dia, ou seja, para o pão necessário para as necessidades diárias. Conforme ressalta Wesley, o “hoje” nos orienta a não nos preocuparmos com o dia de amanhã. E continua dizendo que, “o nosso sábio criador dividiu a vida em porções pequenas de tempo. Cada uma delas é claramente separada da outra. Isso é para que possamos olhar cada dia como uma nova dádiva de Deus. Cada dia é outra vida que podemos dedicar a sua glória. Cada noite pode ser considerada o fechamento daquela vida” (WESLEY, 2017, p. 154, 155). Desta forma, ao nos dar o necessário para “hoje”, Deus nos ensina a eliminar de nosso coração todo desejo do que é vão, fútil, desnecessário, transitório e passageiro. Na verdade, o que existe de mais importante para nossa vida, deve ser apresentado a nós, hoje e sua importância é real para o aqui e agora. Em um mundo que supervaloriza o que é supérfluo, desnecessário e transitório, Jesus nos chama a atenção para o que realmente é importante para nossa existência.

Para concluir, parece-nos claro que, nesta petição, cada um de nós é convidado a aprender duas grandes lições para nossas vidas: a confiança plena em nosso Pai e a total dependência dEle. Por isso, Calvino afirma que “nesta petição, nos colocamos em suas mãos e nos deixamos dirigir por sua providência, para que nos alimente, mantenha e conserve” (CALVINO, 1981, III.xx.44). Esta prece é, portanto e sobretudo, uma declaração de que o homem sempre dependerá de Deus no que diz respeito a tudo o que precisa para sobreviver. Esta petição nos faz lembrar de outra palavra de Jesus que nos pede para lembrar das aves do céu: “elas não semeiam, nem colhem, nem juntam em celeiros; contudo vosso Pai celestial as sustenta. Porventura não valeis vos muito mais do que as aves?” (Mateus 6:26). Deus não é apenas nosso criador, é nosso mantenedor. É aquele que providencia o pão de cada dia. Assim, podemos dizer como Egidio Gioia: “tudo o que existe, é de Deus. E o ‘pão nosso de cada dia’ também vem de Deus, porque é de Deus. O trabalho para ganhar o pão cotidiano é ordenado por Deus e nobilita o Homem; e Deus, portanto, tem prazer em que o homem lho peça” (GIOIA, 1981, p. 126). Como se vê, Deus sempre nos proporciona o que necessitamos para viver. No entanto, em seus desígnios, nem sempre isso acontece. No caso de Jó, por exemplo, aprove a Deus permitir que ele passasse por muitas vicissitudes, contudo, com um sábio interesse. E, como não conhecemos a mente do Senhor, nossa oração sempre deve ser parecida com a feita pelo ilustre pensador francês, Blaise Pascal, que dizia: “Pai do Céu, não peço saúde nem doença, nem vida nem morte, mas que disponhas da minha saúde e da minha doença, da minha vida e da minha morte, para a Tua glória e para a minha salvação. Só Tu sabes o que me é útil”.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

MUDAMOS PARA OUTRO SITE

Caríssimos leitores, já que estamos com dificuldades de acrescentar novas fotos ou filmes nesse blog, você poderá nos encontrar, agora,...

Comments


Post: Blog2_Post

©2020 por Padre Jorge Aquino. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page