
Reverendo Jorge Aquino.
Estamos, agora, diante da segunda petição que encontramos na Oração do Senhor. Nela, no texto original em grego, Mateus escreveu “ελθετω η βασιλεια σου”, que traduzimos por “venha o reino teu”. Devemos lembrar que este desejo não era expresso apenas por Jesus. Entre os judeus também havia a vívida esperança de que o reino de Deus estava para chegar, e ele viria com a chegada da pessoa do Messias ou do Ungido, o Cristo. Por isso, porque, o Cristo está entre nós, devemos, em primeiro lugar, compreender o verdadeiro sentido das expressões “Reino dos céus”, “Reino de Deus” ou, simplesmente, do “Reino”. Todas estas expressões apontam para o espaço no qual Deus é o Senhor, ou seja, onde Ele exerce seu domínio e sua soberania. Por Reino, portanto, tanto podemos nos referir aos corações das pessoas que servem ao Senhor, como também podemos nos referir aos espaços concretos (sociais ou políticos) nos quais Deus e seus valores imperam de forma absoluta. Assim, Calvino procura apresentar esse tema escrevendo que “Deus reina quando os homens, renunciando a si mesmos e menosprezando o mundo e esta vida terrestre, se submetem à justiça de Deus para desejar a vida celestial” (CALVINO, 1981, III.xx.42). Assim, para o reformador de Genebra, o reino de Deus tem dois aspectos. No primeiro, aprendemos que Deus, com o poder e a virtude do Espírito, corrige e retifica todos os apetites da carne que levam os homens às guerras e aos conflitos; e, em segundo lugar, aprendemos que este Reino reforma todos os nossos desejos e sentidos para que nos conformemos aos mandamentos de Deus. Dessa forma, nossa oração deve sempre ser a de que as pessoas submetam seus corações e espírito à vontade de Deus expressa nas Escrituras. Nesse sentido, o Reino surge e se radica no chamado princípio-esperança, pregado por Ernst Bloch, no qual “irrompe as utopias e os projetos mais generosos. Somos seres utópicos, recusamos aceitar o mundo assim como está: queremos transformá-lo” (BOFF, 2011, p. 111). Assim, quando oramos para que venha o Reino de Deus, estamos orando para que Cristo retorne e para que o império de Deus, que já é, se concretize e se imponha sobre tudo e todos, definitivamente.
Uma segunda verdade que precisa ser levada em consideração é que, o “Reino de Deus” não pode ser identificado ou associado com a Igreja. Ainda que a Igreja seja a comunidade que reconhece o senhorio de Cristo, ela, no entanto, somente poderá ser vista como uma instituição ou como um instrumento do Reino, mas jamais poderá ser identificada com o Reino em si. E isso é assim, porque há pessoas na Igreja que não fazem parte do Reino e pessoas que estão no reino e não fazem parte da Igreja. Ademais, o Reino de Deus não é uma instituição humana nem confunde com ela. Hendriksen nos lembra que, “Até o momento da segunda vinda há necessidade de fazermos essa oração, porque embora o reino já esteja aqui (Lucas 17:21), no entanto está ausente de muitos corações” (HENDERIKSEN, 1986, p. 345). E quando ele diz que o Reino está aqui, não está se referindo à Igreja, mas à nossa realidade existencial. Assim, todos somos conclamados à orar pela vinda desse Reino. E orar para que Deus estabeleça seu reino nos corações dos homens não nos isenta de trabalhar, anunciar e transformar os reinos desse mundo no reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, Boff nos diz que “O reino possui a característica de processo: ele está sempre vindo e se instaura lá onde o amor prevalece, a justiça é feita, o direito é vivido e o ser humano se converte para Deus e para os outros” (BOFF, 2011, p. 114). O reino se constrói contra o império do mal, dentro ou fora da Igreja. Citando François Fénelon, “O Reino de Deus, que é totalmente interior, é querer tudo o que Deus quer, é querê-lo em todas as circunstâncias e sem limitações...”
Isso nos leva a uma terceira e última verdade que nos vem da questão: “como e onde reconheceremos o reino?” Nós o veremos, diz as Escrituras, lá onde “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, e aos pobres, anuncia-se-lhes o evangelho” (Lucas 7:22). Assim, o Reino transcende à instituição eclesiástica e tangencia claramente o aspecto social, real e concreta, de nossas vidas. Nesse sentido, escreve Wesley, “estamos orando pelo tempo em que Deus dará a Jesus todos os incrédulos por herança. Oramos pelo dia em que as extremidades da terra voltarão a fixar sob seu domínio e possessão. Oramos pelo dia em que todos os reinos se curvarão diante dele e todas as nações lhes servirão” (WESLEY, 2017, p. 151, 152). Eis a razão essa oração é conhecida como a oração missionária, ou seja, por meio dela, pedimos a Deus “tanto o triunfo final do governo de Deus na Paurousia, quanto a submissão crescente e imediata ao seu governo na terra” (STAGG In ALLEN, Vol. 8, p. 151).
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