
Padre Jorge Aquino.
Nesta sétima afirmação do Credo Apostólico (natus ex Maria virgine) verificamos alguns detalhes extremamente significativos. Em primeiro lugar, é digno de nota a perspectiva topológico da afirmação, ou seja, o lugar em que ela aparece. Assim, quando se coloca as frases “da Virgem Maria” ao lado de “por obra do Espírito Santo”, o que se está anunciando é a clara associação da humanidade e da divindade de Jesus Cristo. A ênfase, portanto, é sobre a pessoa de Jesus – como de resto é o que se dá nessa segunda parte do Credo. A ênfase está, na verdade, na defesa da natureza divina de Jesus ou seja, na defesa da tese de que Maria não seria mãe de um mero homem, mas seria mãe de Deus.
Um segundo tema que é digno de nota, é que existem muitos teólogos que têm dificuldade em aceitar a virgindade real de Maria, portanto sua concepção sobrenatural. Essa postura é claramente o resultado de um preconceito que nega a possibilidade da existência de milagres. Assim, se milagres não acontecem, o que estamos lendo aqui é apenas um relato mítico. Esta visão empobrece toda a rica mensagem que os Evangelhos nos querem passar. É imprescindível ver em Maria, a “serva do Senhor” que passaria a ser bem-aventurada porque creu na promessa de Deus. Apesar de sua humildade, diz Maria, o Onipotente voltou-se para ela e nela, realizou grandes coisas. Eis a razão pela qual ela é conhecida como “bendita entre as mulheres” (Lucas 1:42). Na verdade toda a tenção é dada ao seu “sim”, e não à sua condição de virgem. De fato, foi em seu “sim” que ela fez resplandecer “a dignidade da criatura, tornada capaz, na economia da graça, de dar o consentimento de sua liberdade ao projeto do Eterno e de se tornar, por isso, de alguma forma, colaboradora de Deus” (FORTE, 1994, p. 48). Assim, o destaque do texto está em sua fé radical no chamado de Deus para servir. E Maria foi, antes de tudo, uma serva de Deus. É claro que as Escrituras não apoiam a tese medieval de que ela seria eternamente virgem. As Escrituras fazem uma clara referência ao fato de que Jesus teve irmãos e irmãs (Mateus 12:46; 13:55,56; Marcos 3:31-35; Lucas 8:19; João 7:3-5; Atos 1:14), mas isso, em nada, muda o fato de que Maria continuava sendo uma serva de Deus e um exemplo de santidade a ser seguido.
Um terceiro tema que a virgindade de Maria faz surgir é a pureza daquela que viria a ser, por pura entrega, a mãe de nosso Salvador. Assim, afirma Forte (1994, p. 47), “Enquanto Mãe do Verbo encarnado, Maria se relaciona com Deus na gratuidade do dom, como fonte de amor que dá a vida”. Assim, diante da proposta do anjo, a resposta de Maria é plena doação de amor. Quando o texto sagrado diz “salve agraciada” (Lucas 1:28), temos uma expressão significativa que contraria a tradição medieval. Maria não era àquela pessoa “cheia de graça”, no sentido de ser fonte de graça para os que necessitam, conforme reza a oração e a teologia romana, mas ela foi “agraciada”, ou seja, “χαιρε” pelo Senhor. Qual a diferença? Quando Lucas escreve “χαιρε” usando uma palavra no particípio passado, ele estava afirmando que Maria era objeto da graça, ou do favor imerecido de Deus. E, apesar de ser o receptáculo da graça imerecida de Deus, ela, gratuitamente, se coloca à serviço do Senhor.
Para encerrar, é interessante resgatar a tese de Barth, para quem, ao lado do milagre da encarnação as Escrituras fazem referência ao milagre da natividade. Desta forma, afirma Barth, “Se na Encarnação nos encontramos com a realidade, na Natividade nos encontramos com o signo de tal realidade. Não devemos confundir as duas coisas. A realidade da qual se trata a Natividade é verdade em si e por si” (BARTH, 2000, p. 113). Aqui existe um encontro entre forma e conteúdo, entre uma afirmação ôntica e outra no ética.
Referências bibliográficas:
BARTH, Karl. Esbozo de dogmática. Santander: Sal Terrae, 2000
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
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