
Padre Jorge Aquino.
Iniciamos com as palavras do Bispo Bruno Forte, quando afirma: “A criação é atribuída, antes de tudo, ao Pai, princípio de toda a vida” (FORTE, 1994, p. 31). Esta afirmação nos faz refletir sobre alguns temas fundamentais. Em primeiro lugar, somos convidados a refletir sobre o falso conflito entre religião e ciência, ou seja, entre o criacionismo e evolucionismo. Assim, enquanto a religião afirma que Deus é o criador de tudo o que existe e que tudo foi feito em sete dias, a ciência, por seu turno, nos diz que o universo é o resultado de um processo expansivo que se iniciou com um Big Bang a cerca de 14 bilhões de anos. Na verdade, além da não existência desse conflito, existe, na verdade, uma íntima relação entre elas.
Quem defende a possibilidade de um diálogo frutífero e significativo entre a espiritualidade e a racionalidade é o paleontólogo agnóstico Stephen Jay Gold. Ele acredita que a religião e a ciência operam em esferas diferentes embora não contraditórias. Ele é o tipo de pensador que, segundo suas palavras, não consegue ver “Como a ciência e a religião podem ser unificadas, ou mesmo sintetizadas, sob qualquer esquema comum de explicação ou análise; mas tampouco entendo por que as duas experiências devem ser conflitantes. A ciência tenta documentar o caráter factual do mundo natural, desenvolvendo teorias que coordenem e expliquem esses fatos. A religião, por sua vez, opera na esfera igualmente importante, mas completamente diferente, dos desígnios, significados e valores humanos – assuntos que a esfera factual da ciência pode até esclarecer, mas nunca solucionar” (GOULD, 2002, p. 12).
A exposição de Gould é muito importante para nós porque ele cunhou uma expressão que pretende manter estas duas esferas em ambientes separados, mas preservando um diálogo respeitoso. Para ele, cada uma destas esferas possui uma espécie de Magistério, ou seja, de uma área onde uma forma de ensinamento tem as ferramentas apropriadas para um discurso e solução significativos. Desta forma, a esfera, ou seja, o magistério da ciência engloba o mundo empírico, ou seja, aquele que procura saber do que é feito o universo (fato) e porque ele funciona desta determinada maneira (teoria). O magistério da religião, por outro lado, “engloba questões de significado definitivo e de valor moral” (GOULD, 2002, p. 13). Estes dois magistérios, então, nos são apresentados por Gould como os princípios dos Magistérios não-interferentes.
A novidade que Gould nos apresenta é a perspectiva de que a vida é algo extremamente rica e variada e que uma leitura isolada da realidade, ou uma única abordagem, não poderia dar conta de todos os aspectos deste enorme e multifacetado fractal. Portanto, diz-nos Gould, “Nenhum magistério isolado pode sequer chegar perto de englobar todas as intrigantes questões levantadas por um assunto complexo, especialmente um assunto tão rico quanto o significado de nossas relações com outras formas de vida” (GOULD, 2002, p. 48). Por isso, nosso grande desafio não é fundir estes dois magistérios, mas integrar da melhor maneira possível estes dois componentes distintos, em uma visão coerente da vida. Concordamos com João Dias de Araújo quando dizia: “A doutrina não é contra a razão, nem contra a ciência; todavia, ‘pela fé entendemos que o universo foi criado pela palavra de Deus’ (Hb. 11:3)” (ARAÚJO, 1970, p. 33, 34)
Uma segunda reflexão que somos convidados a fazer é que, apesar de estarmos no mundo em uma condição privilegiada, somos convidados a reconhecer que não somos os senhores, mas os mordomos de tudo o que existe. A religião que afirma que Deus criou o mundo, também diz que nós fomos criados por Deus e colocados nesse mundo para cuidar dele. Nosso dever, portanto, é fazer com que a terra seja um sinal de bênção e não de maldição. Lamentavelmente, por causa do pecado e de sua arrogância, o homem acredita ser o senhor da terra, sendo o responsável por agredi-la, polui-la e destruir biomas e espécies em todos os lugares onde chega. Na verdade o homem promoveu a poluição dos mares e o aquecimento global, produzindo destruição e crises ambientais. Assim, afirmar que Deus é o criador do céu e da terra, é afirmar que não temos o direito de explorar a terra da forma como estamos fazendo.
Finalmente, em terceiro lugar, quando refletimos em Deus como o criador do céu e da terra, lembramos das palavras de Karl Barth que diz que esse artigo “se trata fundamentalmente do conhecimento de que Deus não existe para si, mas que há uma realidade distinta dele, o mundo” (BARTH, 2000, p. 64). Em outras palavras, ao criar Deus se torna o “Totalmente Outro” do mundo. Mas um “Totalmente Outro” que se revela em Jesus Cristo como um “Deus conosco” e que anda ao nosso lado enfrentando todas as nossas vicissitudes e lutas. Enfim, não estamos sós. Estamos acompanhados do Deus criador de todas as coisas, que as mantém e as sustenta e que se encarna assumindo a forma humana para revelar seu desejo de ter proximidade com sua criação.
Referências bibliográficas:
ARAÚJO, João Dias de. Sê cristão hoje. Sl: Missão Presbiteriana, 1970
BARTH, Karl. Esbozo de dogmática. Santander: Sal Terrae, 2000
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
GOULD, S. Pilares do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.
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