
Reverendo Padre Jorge Aquino.
O tema da “comunhão dos santos” (sanctorum communionem) é um dos temas mais esquecidos e, no entanto, mais importantes presentes no Símbolo Apostólico. Sua importância advém do fato de que esta afirmação vem justamente depois da afirmação de que cremos na Igreja Católica. Contudo, é necessário compreender que falar da “comunhão dos santos” é ter uma outra forma de falar da Igreja. Assim, a “comunhão dos santos” está ligada à comunhão cristã, ou seja, à comunhão de pecadores que foram justificados e reconciliados com Deus por meio da fé em Cristo. Segundo assevera Fischer, “Ela é comunhão dos santos (communio sanctorum), congregação dos fiéis (congregatio fidelium), que projeta para dentro da esfera pública, das coisas comuns da vida, do que é rejeitado, para, por meio de seu testemunho, despertar para a fé e santificação em Cristo” (FISCHER In FILHO, 2008, p.153). Conforme assegura Forte, a expressão latina communio sanctorum evoca três níveis bem distintos de significado. E escreve que, “Em primeiro lugar, ela afirma a participação no único Santo, o espírito santificador (“communio Santi”). Em segundo lugar, como esta comunhão se dá através da escuta da Palavra de Deus e da participação nos sacramentos, a Igreja é “communio sanctorum”, comunhão das realidades santas (os “sancta”). Por fim, os batizados, enriquecidos com a variedade dos dons do Espírito dirigidos à utilidade de todos, constituem a comunhão dos santos (“communio sanctorum”, no sentido de pluralidade das pessoas), o povo das pessoas atingidas e tocadas pelo divino Consolador” (FORTE, 1994, p. 78). Portanto, desta tão profunda explicação que nos é dada por este grande teólogo, compreendemos que a comunhão dos santos implica em pelo menos três realidades. Em primeiro lugar, há uma dimensão ôntica a ser compreendida. Quando nos referimos ao aspecto ontológico, estamos nos referindo às questões que dizem respeito ao Ser-da-Igreja. Assim, compreendemos que o Ser-da-Igreja está essencialmente ligado à relação espiritual que ela tem com seu Senhor e cabeça, Jesus Cristo. A Igreja é, portanto, composta essencialmente, por pessoas que foram retiradas de sua condição natural e cotidiana para se juntar a todos os que têm compromisso com a construção do Reino de Deus. Nesse sentido, Ser Igreja implica em um deixar, em um abandonar e em uma ruptura com uma forma de ser e de agir que confronta os valores que caracterizam o Reino de Deus.
Em segundo lugar, existe uma dimensão eclesiástica, porque esta comunhão engloba todos os santos, onde quer que eles estejam. Neste aspecto, sua filiação a esta ou aquela denominação cristã não faz diferença. Nossa comunhão se dá em função do fato de que todos fomos enxertados no Corpo de Cristo por meio do batismo. E, considerando que fazemos parte do mesmo Corpo, as divisões criadas pelos homens – buscando apenas alimentar seus sonhos individualistas - , são um empecilho e um verdadeiro escândalo que impedem a muitos que se unam à verdadeira Igreja de Cristo. É nesse sentido que Boff afirma: “O único vício que contamina grande parte dessas igrejas, incluindo especialmente a Romano-católica, é a pretensão de cada uma ser melhor que a outra, quando não a única verdadeira e portadora exclusiva do sonho de Jesus” (BOFF, 2011, p. 155). Assim, somente quando compreendemos verdadeiramente o sentido eclesial da “communio sanctorum”, estaremos abertos para acolher nossos irmãos que adoram em outras realidades eclesiásticas que diferem da nossa.
Um terceiro e último aspecto que precisa ser compreendido tem a ver com sua dimensão hologramática. É muito comum, entre os cristãos com tradição mais reformada, a apresentação da Igreja enquanto Igreja visível e Igreja invisível, ou seja, aquela que engloba os cristãos que já não estão entre nós. Diante dessa postura, muitos irmãos de tradição romana ou ortodoxa, valorizam o aspecto total, na qual se inclui tanto os cristãos vivos quanto os mortos. Neste aspecto, preferimos utilizar a dimensão hologramática para se referir à Igreja de Cristo. Neste aspecto, enquanto o reducionista só vê a parte e o holista só vê o todo, o princípio hologramático entende que a parte está no todo e assim como o todo está na parte. Aplicando esse tema à Igreja, entendemos que a Igreja de Cristo é, simultaneamente universal e particular, militante e triunfante, visível e invisível. Em outras palavras, a Comunhão dos Santos envolve os crentes que estão vivos e os mortos; os que estão militando e os que já venceram; os que fazem parte de uma estrutura institucional robusta e visível e também àqueles que participam de pequenos grupos nos lares e são praticamente invisíveis. Ou seja, ela se estende a inúmeros aspectos e não pode ser reduzida a nenhum deles.
Encerramos esta breve exposição ressaltando que a Igreja é a comunhão dos santos, ou seja a “communio sanctorum”. É bem verdade que, nesta expressão, existe um problema interpretativo. Em outras palavras, o nominativo correspondente ao adjetivo “sanctorum” é “sancti” ou “sancta”? Sem pretender responder definitivamente esta questão, compreendemos que a existência dessa ambiguidade pode até, apontar para um sentido mais profundo. É nesse sentido que, conforme pontua Karl Barth, ao se “mantivermos juntas ambas as interpretações, a expressão recebe seu sentido pleno e verdadeiro. Sancti não que se referir a pessoas especialmente selecionadas, mas pessoas como os ‘santos de Corinto’, por exemplo, que eram santos bastante singulares. Porém, essa gente singular, a qual nós também podemos pertencer, são sancti, ou seja, separados; para os dons e obras santas, para os sancta. (...) Assim, os sancti pertencem aos sancta, e vice-versa” (BARTH, 2000, p. 167). Nesta exposição, o teólogo da Basiléia praticamente assume a postura hologramática.
Referências bibliográficas:
BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Petrópolis/RJ: Vozes, 2011
FILHO, Fernando Bortoletto (Org.). Dicionário brasileiro de teologia. São Paulo: ASTE, 2008
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
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