
Rev. Padre Jorge Aquino.
O tema sobre o qual nos debruçaremos agora, tem a ver com a Igreja. Quando o Credo Apostólico apresenta sua crença na sancta Ecclesiam catholicam, ela aponta para a existência de uma instância de suprema importância para a fé. Iniciaremos nossa apresentação afirmando, em primeiro lugar que a palavra “Igreja” tem origem no grego (ekklesia) e que era usada no mundo helenista “para caracterizar a assembleia, regularmente convocada, de um grupo social ou também o encontro de todo o povo” (MENOUD, In VON ALLMEN, 1972, p. 178). Desta forma, quando o povo de uma cidade se reunia para decidir algo acerca da cidade, existia ali a convocação para uma ekklésia, ou seja, uma assembleia. Ressalte-se que em sua origem, não existia qualquer elemento religioso em torno do termo. Outro detalhe importante é que, a “Igreja” que vemos no Novo Testamento é a realização do que o Antigo Testamento chama de “povo” de Deus. Desta forma, escreve Barclay (1985, p. 45), a “Septuaginta traduz a palavra hebraica gahal, que também provém de raiz que significa ‘conclamar’. (...) No sentido hebraico, portanto, significa o povo de Deus conclamado por Ele, a fim de escutar a Deus ou de agir por Ele”. Assim, as palavras utilizadas tanto na língua grega quanto na hebraica, apontam para uma “convocação” do povo para congregar-se e adorar ou agir conforme a vontade de Deus.
Um segundo detalhe digno de nota nos faz entender que, quando nos referimos à Igreja, estamos falando do povo peregrino de Deus, ou da comunidade dos que foram chamados para seguir o Caminho de Jesus. O fato de que este assunto surge, topologicamente, logo após a afirmação de fé no Espírito Santo, ressalta sua relação com a Santíssima Trindade. Assim, “suscitada pela Trindade, a Igreja é, no tempo, ‘ícone da Trindade’, imagem viva da comunhão do Deus amor” (FORTE, 1994, p.69). Nossa entrada, ou nosso pertencimento à Igreja, se dá por meio do batismo, realizado em nome da Trindade, no qual o Espírito Santo une os batizados a Cristo e os capacita com seus dons e carismas. Há, no entanto, o aspecto local da Igreja, ou seja, a Igreja enquanto povo que celebra e dá graças. Desta forma, a Igreja eucarística é a assembleia que celebra dentro de um espaço e tempo determinados, dirigida por um bispo. Eis a forma que temos de falar de uma Igreja que assume sua dimensão plena ou “católica”, vez que etimologicamente, a palavra kath’olou significa plena ou total. Assim, quando estamos reunidos ao redor do sacramento da eucaristia, estamos diante da Igreja Católica. Não existe, assim, qualquer relação essencial entre a Igreja Católica e a Igreja de Roma, como também não existe com nenhuma outra estrutura humana em nenhum outro lugar. Nesse sentido, escreve Hans Küng: “Igreja (...), como comunidade dos que creem em Jesus Cristo, significa, ao mesmo tempo, Igreja particular e Igreja universal. A Igreja particular não é apenas ‘seção’ ou ‘província’ da Igreja universal. E vice-versa, a Igreja universal não é apenas uma ‘reunião’ ou ‘associação’ de Igrejas particulares. Mas toda Igreja particular – por menor, mais insignificante, mais medíocre e mais miserável que seja – atualiza, manifesta e representa por completo a Igreja inteira de Jesus Cristo” (KÜNG, 1979, p. 48). Assim, apesar de existir uma Igreja que se chama de “Igreja Católica”, o termo “Católico” é aplicado a todas as comunidades cristãs dos que creem em Jesus. É nesse sentido que Brunner escreve que “Todos que se deixam chamar por Cristo pertencem a ele, sejam católicos, quacres, metodistas ou evangélicos. Só uma coisa importa: se entraste realmente ou se apenas fazes de conta” (BRUNNER, 1970, p. 101). Assim, não existem várias Igrejas católicas, mas apenas uma. Ademais, a Igreja não é uma instituição civil, mas uma realidade espiritual que congrega os que creem.
Por fim, em terceiro lugar, esta expressão do Símbolo Apostólico afirma que a Igreja Católica é, também Santa. Nesse sentido, pergunta Barth, que quer dizer sancta ecclesia? E responde: “Segundo o uso bíblico da palavra, ‘santa’ quer dizer ‘separada’. E pensamos no nascimento da Igreja, nos chamados. ‘Igreja’ sempre implicará em uma separação. Já temos dito: existem também sociedades naturais e históricas; porém somente a comunidade cristã é ecclesia sancta. Se distingue de todas as demais sociedades por sua missão, seu fundamento e sua meta” (BARTH, 2000, p. 166). Assim a Igreja é Santa, não porque não erra ou não se engana, mas porque é separada em seus valores e em sua missão desse mundo e dessa realidade de pecado. Deste modo a Igreja é separada por Deus para realizar seus propósitos na terra e, uma vez que Ele é Santo, também santifica a Igreja por meio da Palavra e dos Sacramentos, as duas grandes marcas da Igreja verdadeira de Jesus. A santidade da Igreja implica claramente, em fidelidade à Deus e ao seu povo.
Referência bibliográfica:
BARCLAY, William. Palavras chaves do novo testamento. São Paulo: Vida Nova, 1985
BARTH, Karl. Esbozo de dogmática. Santander: Sal Terrae, 2000
BRUNNER, Emil. Nossa fé. São Leopoldo/RS: Sinodal, 1970
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
KÜNG, Hans. 20 teses sobre o ser cristão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1979
VON ALLMEN, Jean-Jacques (Org.). Vocabulário bíblico. São Paulo: ASTE, 1972
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