
Padre Jorge Aquino.
Chegamos a décima segunda expressão do Credo Apostólico. Agora, lemos, no texto em latim que Jesus “ascendit ad caelos”, ou seja, “subiu aos céus”. Sobre essa afirmação contida no resumo de mossa fé, gostaríamos de tecer algumas observações. Em primeiro lugar, gostaríamos de registrar que esta é, sem qualquer sombra de duvida, a fé dos primeiros cristãos. A crença na ascensão de Jesus ao céu é algo comum entre os evangelistas e os demais textos do Novo Testamento. Marcos, por exemplo, afirma: “De fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus” (Marcos 16:19). No texto do Evangelho de João lemos: “E, quando eu for elevado na terra, atrairei todos os homens a mim” (João 12:32). O texto de Atos 1:6-8 descreve detalhadamente a subida de Jesus – entre anjos – até o céu, e o apóstolo Paulo também faz referência a este fato em vários lugares. Na Epístola aos Efésios, por exemplo, ele diz: “Deus manifestou a sua força em Cristo, quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua direita no céu, bem acima de toda autoridade, poder, potência, soberania ou qualquer título que se possa nomear não somente neste mundo, mas ainda no futuro. Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude universal” (Efésios 1: 20-23). Em outro texto ele escreve: “Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (I Timóteo 3:16). Sem precisar citar outros textos, acreditamos que resta claro que desde os Evangelhos até as Epístolas, os registros da ascensão de Jesus estão sempre presente. O que entendemos ser preciso registrar nesse primeiro ponto, é que quando Marcos faz referência ao fato de que Jesus assentou-se à direita do Pai, com toda a certeza ele tem em mente a inauguração do Reino, tantas vezes pregado por Jesus, e anunciado por Daniel, ao escrever: “Foi-lhe dado domínio, e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído”(Daniel 7:14).
Uma segunda verdade que julgamos necessário destacar é que, durante boa parte do século XIX e XX, um grupo significativo de teólogos entendiam que este texto não se referia a um fato histórico, mas a uma visão coletiva ou a uma anunciação mítica. Como exemplo, podemos citar Rudof Bultmann, para quem “Não se pode utilizar luz elétrica e aparelho de rádio, em caso de doença empregar modernos meios médicos e clínicos, e simultaneamente acreditar no mundo dos espíritos e dos milagres do Novo Testamento” (BULTMANN, 1987, p. 16). Acerca disso, gostaria de dizer que é verdade, sim, que o Novo Testamento foi escrito em um momento pré-científico, no então, isso não significa que tudo aquilo que está escrito lá é algo mítico ou uma mentira. Digo isso, porque os textos bíblicos invocam o testemunho ocular dos que presenciaram tais fatos para demonstrar que são fatos históricos. Da mesma forma, lemos em Harnack que “estamos firmemente convencidos de que os acontecimentos no tempo e no espaço sujeitam-se às leis gerais do movimento, e que nesse sentido, não é possível existir coisas milagrosas, como interrupções da ordem da natureza”, no entanto, mais adiante reconhece que “as pessoas religiosas (...) não estão cegas perante o curso da natureza, e sabem que esse curso serve a fins mais elevados, ou em outras palavras, admitem que certo poder interior e divino pode nos ajudar a perceber que ‘todas as coisas devem necessariamente existir para a realização do melhor’. (...) Faz parte de qualquer religião superior, e se fosse abandonada, a própria religião deixaria de existir” (HARNACK, 2009, p. 35). No entanto, sim, é preciso ir além da mera letra quando falamos em ascensão. Assim, da mesma forma como a ida de Jesus ao Inferno não é lida como sua descida a um lugar de condenação e sofrimento, sua ascensão não quer dizer que ele se deslocou até um lugar geograficamente estabelecido chamado de “céu”. Concordamos que a ciência moderna suplantou àquela visão do mundo em três níveis, ou seja, o céu acima, o inferno abaixo e a terra o que está no meio, onde estamos. Hoje sabemos, porque a ciência demonstrou de forma inequívoca, que nosso planeta é apenas um pequeno planeta em um sistema solar que gira ao redor de um sol inexpressivo em uma galáxia marginal do universo. No entanto, quando as Escrituras falam em “céu”, elas não falam de um “lugar” geográfica ou espacialmente determinado, mas teologicamente significante. O “céu” nos fala da realidade no qual podemos ter uma total, integral e plena comunhão com Deus, ou seja, a realidade para a qual Deus convida toda a humanidade. Desta forma, essa união entre Deus e o homem – em uma dimensão eterna -, aponta e expressa o sentido do que chamamos de “céu”.
Em terceiro lugar, compreendemos com essa frase, que Jesus concretizou plenamente o desejo de Deus para a humanidade por meio de sua ascensão. Desta forma, se por meio da encarnação, Jesus assume nossa condição humana com todas as nossas contradições e ambiguidades, por meio de sua ascensão aos céus, ele rompe nossa eterna maldição e, por meio do Espírito Santo, nos unindo ao Pai, ligando o finito ao infinito, o provisório ao definitivo e o temporal ao eterno. Ao subir aos céus ele nos convida a seguir o mesmo caminho em direção à casa de seu Pai – lá onde há muitas moradas -, nos assegurando que por meio da ressurreição temos acesso a uma nova realidade de vida e não de morte. Nas palavras de Forte, “Sua ascensão ao céu (cf. At 1:6-11) é promessa de sua volta na glória e também certeza de que ele está sempre vivo, a interceder por nós junto ao Pai (cf. Hb 7:25), operante junto a nós pela força do Consolador, que vem do alto” (FORTE, 1994, p. 59).
Assim, sua ascensão abre a porta da casa do Pai para todos os seus filhos não apenas porque ele foi, mas porque ele envia o Espírito para ficar ao nosso lado, ele intercede por nós e porque no eskaton voltará, em glória, para estabelecer seu reino plenamente.
Referências bibliográficas:
BULTMANN, Rudolf. Crer e compreender: artigos selecionados. São Leopoldo: Sinodal, 1987
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
HARNACK, Adolf von. O que é o cristianismo? São Paulo: Editora Reflexão, 2009
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