
Padre Jorge Aquino.
Chegamos a um momento fundamental que pode ser chamado de o centro da segunda parte do Símbolo dos Apóstolos. Aqui se afirma que Jesus Ressuscitou ao terceiro dia. Em latim lemos: “tertia die resurrexit a mortuis”, ressaltando mais uma vez que ele estava entre os mortos.
É bem verdade que, nos últimos duzentos anos, muitos teólogos procuraram re-interpretar a ressurreição, buscando adaptá-la à nova realidade trazida pelo Iluminismo. Para muitos, a ressurreição foi apenas um evento psíquico ou íntimo. No entanto, o testemunho das Escrituras parece apresentar esse evento como algo absolutamente fundamental. É nesse sentido que Paulo escreve: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé” (I Coríntios 15:14).
Assim, quando dos discípulos ouviram sair, da boca de Jesus, as palavras “está consumado”, eles inevitavelmente passaram a imaginar que aquele era o instante em que o Reino de Deus, pregado tantas vezes pelo mestre, estaria se manifestando. Mas eis que nada aconteceu, apenas um silêncio ensurdecedor. Nada mais restou a eles senão levar o corpo inerte de Jesus até a sepultura. Mas afinal, e todos os discursos que eles ouviram sobre o Reino? Será que tudo foi apenas um sonho? Será que tão esperado Reino não se realizaria de fato? Para Boff, “Se este sonho não possui sinal antecipador, continuará sonho e será difícil distingui-lo da projeção do desejo que em nenhuma parte encontra caminhos de realização” (BOFF, 2011, p. 140). Desta forma, para Boff, um sonho desgarrado de seu aspecto histórico equivaleria à alienação e à fuga dos fatos, transformando o cristianismo na “confirmação do absurdo da condição humana”, bem como do destino inexorável de todo o universo. Eis porque a ressurreição de Jesus é não só importante, mas necessária. Eis que aquele tão esperado sinal ocorreu. Maria Madalena se transformou na primeira testemunha e anunciadora da ressurreição de Jesus aos Apóstolos quando disse: “Jesus vive” (João 20:11-18).
Quando a notícia da ressurreição de Jesus chega à cultura grega, ela é vista como algo absurdo. Na verdade, isso ocorria porque, para os gregos, o retorno ao corpo é uma punição, vez que o corpo é visto como a prisão (sema) da alma. Por isso, diz Boff, “os cristãos começaram a usar a expressão ‘ressurreição’ com um sentido novo, não simplesmente como a reanimação de um cadáver, como o de Lázaro, mas como um novo tipo de corpo ´corpo espiritual’ (I Co 15:44). Um corpo real, mas que assume as dimensões do espírito, por isso transfigurado, livre do aprisionamento do espaço e do tempo, um corpo cósmico” (BOFF, 2011, p. 141). Assim, a ressurreição de Jesus representa a realização incoativa ou inicial do Reino de Deu entre nós.
Eis que na ressurreição, encontramos mais um movimento de entrega na relação entre o Deus Trindade e a humanidade. Desta forma, escreve Forte, “Se na cruz o Filho entrega o espírito ao Pai, penetrando assim no abismo do abandono por Deus, na ressurreição o Pai dá o Espírito ao Filho, assumindo nele e com ele o mundo na infinita comunhão divina: um é o Deus trinitário que age na cruz e na ressurreição; uma história trinitária de Deus; um o plano de salvação que se realiza nos dois momentos” (FORTE, 2003, p. 68).
Mas a ressurreição não foi apenas um evento que impactou a fé dos discípulos, demonstrando a vitória da vida sobre a morte. Com ela aqueles homens e mulheres experimentaram uma profunda mudança, ou seja, “Os fugitivos se tornaram as testemunhas, e assim o foram até a morte, em uma existência dada sem reservas” (FORTE, 2003, p. 69).
É bem verdade que ocorre uma realidade subjetiva e espiritual no encontro do ressuscitado. Por isso a Escritura diz “Então seus olhos se abriram e eles o reconheceram (Lucas 24:31). Mas o evento físico e objetivo se soma ao evento subjetivo e espiritual, transformando e fortalecendo os Apóstolos que, a partir de agora, ao ouvir de Jesus o mandado “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Marcos 16:15), faz com que a experiência pascal, objetiva e subjetiva, “apresenta-se deste modo como uma experiência transformadora: é dela que se origina a missão, dela ganha impulso o movimento do anúncio que se dirige até os últimos confins da terra” (FORTE, 2003, p. 71). E, por meio desse anúncio, o Deus que entrou no mundo, convida a todos, independentemente de sua cor, raça, condição social ou sexual, a entrar na esfera divina do Reino de Deus que, muito embora ainda não esteja realizada entre nós, já está realmente presente em todos os que vivem e defendem os mesmos valores e verdades.
Referências bibliográficas:
BOFF, Leonardo. Cristianismo: O mínimo do mínimo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011
FORTE, Bruno. A essência do cristianismo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003
Comments