
Padre Jorge Aquino.
Dentre as várias igrejas cristãs no Brasil, existem formas diferentes de pronunciar essa afirmação de nossa fé. Entre os Católicos Romanos se diz: “Desceu à mansão dos mortos”, enquanto os Anglicanos dizem “desceu ao Hades”, esclarecendo que a palavra grega “hades” se refere ao lugar dos mortos – e que significaria o mesmo que “sheol” em hebraico. Algumas outras denominações históricas usam a expressão “desceu ao mundo dos mortos” ou “desceu ao reino dos mortos”, ao passo que a expressão em latim diz: “descendit ad inferna”, ou seja, desceu ao inferno. Como a maioria dos cristãos brasileiros são de formação romana, é comum entre eles, ler esse texto como se ele estivesse falando de uma mansão ou de uma casa com muitos lugares para que pudesse acomodar todos os mortos.
Indiscutivelmente, para que tenhamos uma ideia mais clara sobre o que o Simbolo Apostólico está afirmando, precisamos buscar compreender como a cultura judaica olhava para a realidade da morte. Assim, para os judeus, acreditava-se que os mortos se dirigiam para um lugar, “o seio de Abraão” (Lucas 16:22), no qual, apartados dos vivos, aguardavam o dia da ressureição. Desta forma, todos os que morriam, iam para o mesmo lugar, e ali permaneciam por algum tempo. Assim, Barth vai adiante e diz que “Os israelitas o imaginavam como um lugar onde os homens se limitavam a vagar flutuando como sombras vacilantes” (2000, p. 139). Para eles, o grande mal de se estar no inferno é que os mortos não poderiam mais adorar a Deus ou ver seu rosto. Lá se está excluído da presença de Deus. E é por isso que á morte é tão terrível e o inferno é visto como um Inferno, esta é a realidade que faz do inferno um lugar de tormento, é um lugar no qual se está definitivamente separado de Deus. É por isso que, acerca do inferno se fala em “ranger de dentes”.
Nós, que somente vivemos porque vivemos em Deus, não temos ideia do que significa estar definitivamente separado do Senhor. Nem mesmo um ateu tem ideia do que isso significa. Assim, para Barth, quando se fala de sua descida ao inferno se quer dizer que “O juízo de Deus é justo: dá ao homem o que ele quer. Deus não seria Deus, nem o criador seria criador, nem a criatura seria criatura, nem o homem seria homem, se esta sentença e sua execução pudesse faltar” (...) a execução dessa sentença se realiza do modo de Deus; que Ele, Deus mesmo, em Jesus Cristo seu Filho, ocupa o lugar do homem condenado. A sentença de Deus se cumpre, a justiça de Deus segue em curso” (BARTH, 2000. p. 139). E nela, Deus justifica o pecador ao ocupar o lugar do homem na cruz e ao receber a condenação que lhe era devido.
Eis a gloriosa mensagem que advém do sábado santo! No silêncio desse dia ele conseguiu atingir a profundeza da vitória sobre a morte. Nesse sentido, diz as Escrituras que sua “descida ao Hades” é a “pregação da vitória, inclusive para os espíritos em prisão” (I Pedro 3:19), garantia, afirma Forte (1994, p.55), “de que ele reconciliou com o Pai o universo inteiro e, por isso, também os protagonistas da história anterior à sua vinda, enquanto abertos e dispostos na esperança à aliança com Deus. A possibilidade de salvação oferecida verdadeiramente a todos é o evangelho libertador, da cruz e do sábado santo”.
Para concluir, entendemos que a grande verdade que devemos resgatar dessa frase é que, quando se diz que ele “desceu ao Hades”, se quer dizer que ele realmente morreu e que, uma vez que ele morreu por nós, ele venceu àquele que tem o poder sobre os mortos. Assim, eis o que diz as Escrituras: “ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o diabo” (Hebreus 2:14).
Referências bibliográficas:
BARTH, Karl. Esbozo de dogmática. Santander: Sal Terrae, 2000
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
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