
Reverendo Padre Jorge Aquino.
O chamado “Símbolo” ou “Credo Apostólico” é um dos primeiros documentos teológicos da Igreja Cristã. Sua origem, no entanto, sempre esteve envolto em muitas lendas. Uma delas dizia que os doze apóstolos, em grupo, compuseram o Credo, sendo cada um, responsável por acrescentar uma cláusula, até finalizá-lo. Hoje, essa teoria acerca da composição do Credo é vista como uma fábula. É importante registrar que a designação de Credo Apostólico surge no sínodo de Milão, em 390, e coube a Lourenço Valla (1407-1457) a refutação da lenda que se formou em torno de sua formação.
Em que pese as lendas que envolveram o surgimento do “Credo Apostólico”, não resta dúvida de que parte dele pode ser encontrado já no século II, naquele que seria chamado de Credo romano antigo. Sabemos que fragmentos ainda mais antigos já existiam bem antes disso e que declaravam simplesmente: “Creio em deus Pai Todo-Poderoso, e em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor. E no Espírito Santo, na santa Igreja, na ressurreição da carne” (OLIVER JR, In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 363).
Muito embora a forma integral do Credo que possuímos hoje tenha surgido em torno do século VII, provavelmente na região da Gália – por influência dos teólogos de Lerins -, já vimos que sua origem remonte aos primeiros séculos do cristianismo e, um desenvolvimento do chamado Credo romano antigo acaba ocorrendo em Roma nos séculos seguintes. Nesse sentido, Bettenson nos afirma que “Rufino, sacerdote de Aquiléia, Expositio in symbolum, c. 400, (...), compara o credo de Aquiléia com o de Roma tomando-o como o credo composto pelos apóstolos em Jerusalém e conservado pela Igreja Romana como profissão de fé em seus rituais de batismo” (BETTENSON, 1983, p. 54). Nesta versão romana antiga, o Credo afirma o seguinte: “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso. E em Jesus Cristo Seu único Filho nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria; crucificado sob o poder de Pôncio Pilatos e sepultado; ressuscitou ao terceiro dia; subiu ao céu, e está sentado à mão direita do Pai, de onde há de vir julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo; na santa Igreja; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo” (OLIVER JR, In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 362).
Uma apresentação plena do Credo Apostólico que possuímos hoje, é claramente visto na obra de Denzinger que o transcreve em latim nos seguintes termos:
Credo in Deum
Patrem omnipotentem.
creatorem caeli et terrae.
Et in Jesum Christum,
Filium eius unicum, Dominum nostrum,
qui conceptus est de Spiritu Santo,
natus ex Maria virgine,
passus sub Pontio Pilato,
crucifixus, mortuus et sepultus,
descendit ad inferna,
ascendit ad caelus,
tertia die resurrexit a mortuis,
ascendit ad caelos,
sedet ad dexteram Dei Patris
omnipotentis,
inde venturus est
iudicare vivos et mortos.
Credo in Spiritum Sanctum,
sancta Ecclesiam catholicam,
sanctorum communionem,
remissionem peccatorum,
carnis resurrectionem,
et vitam aeternam. Amen.
É importante compreender que o surgimento dos credos não ocorre de uma forma fortuita e sem qualquer razão. Muito ao revés, os credos em geral e o Credo Apostólico, em particular, assumem várias funções bem claras para a Igreja. Segundo assevera G.W. Bromiley (BROMILEY, G.W. In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 365, 366), as “funções dos Credos” podem ser resumidas a quatro razões bastante claras. Em primeiro lugar, a um aspecto batismal. Todos os historiadores cristãos são unânimes em dizer que segundo este aspecto, o credo oferecia ao batizando, a possibilidade de fazer a sua confissão de fé, ainda que isso ocorresse mais na forma responsiva que declarativa.
Em segundo lugar, o Credo Apostólico também possuía uma razão instrutiva. Nesse sentido, escreve Bromiley (In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 366), tendo em vista a confissão batismal, “os credos logo passaram a servir como roteiro para a instrução catequética na doutrina cristã”. Muito embora os níveis de formação possam variar de uma exposição mais simples até uma apresentação mais elaborada e avançada da fé cristã, o Credo Apostólico surge como uma apresentação, ao mesmo tempo, elementar e abrangente do que acreditam os cristãos.
Em terceiro lugar, o Credo possuía uma outra importante razão de ser, qual seja, a doutrinária. Diante de um período de surgimento de tantas doutrinas que procuravam desvirtuar a fé cristã, era necessário que a Igreja assumisse uma postura inequívoca acerca dessas questões. Assim, o Credo Apostólico, tanto em sua formatação quanto na escolha dos termos que usa em suas afirmações, assume uma postura visivelmente trinitária, confronta o gnosticismo, o sabelianismo, o apolinarismo, o eutiquianismo e finalmente, o arianismo.
Finalmente, em quarto lugar, o Credo possuía uma necessária razão litúrgica. Esta realidade já aparece muito cedo, sendo vista até mesmo em várias citações de hinos ou breves credos feitas por Paulo, em suas epístolas. No entanto, segundo Bromiley (In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 366), foi percebido “que a confissão de fé é uma parte constitutiva de toda a adoração verdadeira”. Essa percepção fez com que, logo cedo, o Credo Niceno e o Apostólico tenham sido incorporado à liturgia da Palavra como uma afirmação tanto individual quanto comunitária, da fé.
O primeiro detalhe que ressalta aos olhos é a formatação do próprio Credo. Ele está claramente disposto em três partes e por isso, João Dias de Araújo chega a afirmar que o Credo Apostólico possui “uma estrutura trinitária, isto é, tem como base a doutrina da Trindade” (1970, p. 24). Assim ele começa confessando que crer em Deus Pai, em seguida, que crê em Jesus Cristo, e finalmente, confessa crer no Espírito Santo. Esta disposição da narrativa desse símbolo de fé, claramente, faz referência à Trindade Santa.
Notemos que a primeira afirmação do “Credo Apostólico” é de extrema importância para todos nós. Ela se resume a uma palavra: “Creio” (no latim: Credo). Quando pensamos em uma crença, imediatamente nos remontamos para algo que está sob o domínio da razão, mas também sob o domínio da emoção. Em razão disso, quando dizemos “eu creio”, estamos dizendo, eu acredito, eu dou meu crédito. Desta forma, acreditar implica em um assentimento intelectual. Isso significa que nossa fé envolve nossa inteligência e agudeza racional. Da mesma forma, quem acredita deve ter alguma boa razão para chegar a tal. Dizer isso significa que a fé não deve está, de forma alguma, dissociada de nossa racionalidade. Crer não é, definitivamente, um suicídio intelectual.
Assim, quando dizemos que cremos em algo, estamos envolvendo – além de mossa razão -, nossas emoções. Quando envolvemos nossa fé em algo, estamos incluindo todo o nosso ser, e isso implica em envolver também nossos sentimentos, emoções e nosso coração. Crer em algo nos leva a um assentimento emocional que envolve nosso compromisso e nossa fidelidade. Por isso somos compromissados e engajados com aquilo que cremos. É nesse sentido que Bruno Forte nos diz que crer, segundo a etimologia medieval, “significaria ‘cor dare’, dar o coração, coloca-lo incondicionalmente nas mãos de Outro: crê quem se deixa fazer prisioneiro do invisível Deus, que aceita ser por ele possuído na escuta obediente e na docilidade, do mais profundo do coração” (FORTE, 1994, p. 16).
Quando uma declaração de fé começa afirmando “Eu creio”, ela seguramente está afirmando que todo o nosso ser está envolvido com o que vai ser dito em seguida. É importante ressaltar que a palavra “Credo” é a forma latina ativa e que, ao aparecer assim, “denota que não se trata apenas de um corpo de crenças mas de uma confissão de fé. Esta fé é confiança: não ‘creio que’ (embora isto esteja incluído) mas ‘creio em’” (BROMILEY, G.W. In ELWELL, Vol. III, 1988, p. 365). Trata-se, portanto, de crer e compreender, não de crer sem compreender, nem de crer para compreender ou compreender para crer. Nossa crença e compreensão são elementos que se complementam um ao outro, fazendo com que estejamos completa e totalmente envolvidos com o objeto de nossa fé. Assim, quando cremos, expressamos nossa fé, que é dom de Deus por meio do Espírito santo, e que envolve nossa livre submissão e nossa completa entrega à sua vontade. E isso, o fazemos na inteireza de nosso ser.
Essa relação íntima entre a nossa fé e a nossa compreensão nos faz acreditar que a relação entre àquilo em que acreditamos e àquilo que fazemos estão intimamente relacionados. Não existe, dessa forma, uma verdadeira fé que não mobilize nossa vida e nosso comportamento. Uma fé professada que não tenha rebatimento prático, não pode ser adequadamente vista como uma fé verdadeira. Assim, quando Kierkegaard afirmou que “Crer significa estar à beira do abismo escuro e ouvir uma Voz que grita: Joga-te, que eu te segurarei nos braços”, não existe outra possibilidade para nós a não ser nos jogar nos braços graciosos de nosso Deus.
Referências bibliográficas:
BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Rio de Janeiro e São Paulo: JUERP/ASTE, 1983
DE ARAÚJO, João Dias. Sê cristão hoje. Sl: Missão Presbiteriana, 1970
DENZIGER, H. & SCHÖNMETZER, A. Enchiridion symbolorum definitionum et declarationu de rebus fidei et morum. Friburgo, 1963, p. 28, nº 30.
ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-teológica da igreja cristã. Vol. III. São Paulo: Vida Nova, 1988
FORTE, Bruno. Introdução à fé. São Paulo: Paulus, 1994
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