
Reverendo Jorge Aquino.
Para termos uma ideia de como Jesus via a Lei e os Dez Mandamentos, bem assim, como devemos nos relacionar com eles, é necessário verificar um texto chave que traz luz à essa relação. Me refiro ao texto do Evangelho de Mateus 5:17-37. Perceba que este texto é retirado do chamado Sermão da Montanha. E aqui nós encontramos as novas orientações que são dadas para o caminho do homem novo. Este novo homem se vê, imediatamente, diante da certeza de que devemos nos relacionar com os mandamentos de uma forma diferente daquela que foi utilizada pelos judeus. Neste texto bíblico, Jesus estabelece três verdades que precisam ser aplicadas aos Dez Mandamentos e à toda a lei. A primeira delas afirma que a Lei não deve ser abolida, mas cumprida. Desde sempre Jesus foi acusado pelos religiosos de procurar menosprezar, anular ou revogar a Lei e os Profetas, ou seja o Antigo Testamento. Jesus toca nesse assunto aqui e ensina aquilo que seus contemporâneos não possuíam a capacidade de compreender. Ou seja, que, para os cristãos, os mandamentos são princípios éticos e não normas morais. Ou seja, em seus ensinamentos Jesus está dizendo que devemos ir além, de um lado, da interpretação meramente literal dada pelos legalistas, e, por outro, além dos chamados de antinominianos, que desejam abolir as leis em nome de uma pretensa liberdade. Jesus veio exatamente para cumprir a lei! E é nesse sentido que ele diz por três vezes a frase: “Vocês ouviram o que foi dito aos antigos (...) Eu, porém vos digo”. Jesus, ao utilizar esta expressão, longe de estar revogando ou ab-rogando (em grego: καταλυσαι - katalysai) a lei, está ensinando de que forma ela deve ser obedecida, ou seja, qual a forma mais adequada de cumpri-la (πληρωσαι - plêrôsai). Devemos destacar aqui que, buscar revogar, é o mesmo que demolir, desintegrar, dissolver ou destruir. Era isso que os religiosos pensam que Jesus queria fazer com a lei, quando, na verdade o que ele desejava realmente era cumprir, ou seja, preencher, completar, tornar perfeito, realizar e alcançar um fim. Eis a razão pela qual Jesus é tão duro ao afirmar que “Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais desaparecerá da lei, até que tudo se cumpra” (Mateus 5:18). Jesus, como um bom judeu acreditava que “A lei do Senhor é perfeita e restaura a alma” (Salmo 19:7). No entanto, para que pudéssemos cumpri-la, era necessário vê-la como princípios éticos e não como meras normas morais.
A segunda verdade que Jesus nos ensina aqui é que a “nossa justiça deve ser maior” (Mateus 5:20) do que a das pessoas mais religiosas daquela sociedade, os escribas e fariseus. Se isso não ocorresse, não entraríamos no Reino dos céus. Para fazer isso, ele faz uma releitura das normas mosaicas à luz dos princípios da justiça do Reino. Desta forma ele nos ensina que, para além da justiça dos escribas e fariseus, que consistia apenas na mera conformidade exterior com a letra de lei mosaica - muito embora escrupulosamente cumprida -, somente quando entendemos que a nossa justiça deve exceder e superar a dos meramente religiosos, estaremos agindo em conformidade com a justiça. E qual seria o fundamento da lei e dos profetas senão a direção do Espírito e o caminho do amor e da misericórdia? Por isso Jesus ensina que toda a Lei e os Profetas se resumem ao cumprimento de um só preceito: amar a Deus e ao próximo. Eis a razão pela qual o grande bispo de Hipona, Santo Agostinho, em sua exposição sobre a Epístola de S. João aos Pardos (Exp. VI,8), dizia: “Ama e faz o que quiseres; se te calas, clamas, corriges, perdoas, cala-te, clama, corrige e perdoa pelo amor. Dentro está a raiz do amor, não pode brotar dele mal algum”. Desta forma, se somos totalmente dirigidos e plenamente orientados pelo amor a Deus e aos próximos, tudo o que fazemos, será consequência do amor e obra do Espírito. Assim, o verdadeiro cumprimento da lei é o amor (Romanos 13:10).
Por fim, Jesus ensina, como terceira verdade, que as intensões de nosso ser interior – o nosso coração - são mais importantes, profundas e relevantes do que os gestos físicos ou atos externos. Ao dizer isso, Jesus está ensinando que não basta ter atitudes certas, é preciso ter desejos certos que dirijam nossas atitudes, e que as intensões mais profundas de nosso ser devem ser as mais adequadas. Ao dizer isso, Jesus nos traz três exemplos de como podemos buscar os princípios e intensões mais profundas que devem dirigir nossa vida e nossa prática. Ele usa o exemplo do homicídio, do adultério e do juramento. Assim, o verdadeiro homicida, não é aquele que meramente tira a vida física de alguém. Para ele existem formas mais sofisticadas de homicídio. Assim, a ira, o ódio, o insulto, a difamação, a calúnia e o desprezo também são formas de aniquilar alguém, de fazê-lo morrer para nós ou para a sociedade. Da mesma forma, não basta não cometer adultério. É preciso resguardar no coração a fidelidade e o amor pelo seu cônjuge, assim como é preciso lutar para evitar que coisifiquemos terceiros, ou seja, que transformemos uma outra pessoa em um mero “objeto” de prazer ou uma mera “coisa” que pela qual podemos pagar. Por fim, não basta não jurar em falso, para Jesus, nossa palavra deve ser “sim, sim ou não, não”; ou seja, o amor ao que é verdade deve nortear quem somos e o que dizemos. De quem se sabe que somente fala a verdade, não se exige prova alguma. Quem fala a verdade não precisa jurar. Erra redondamente os que afirmam que somente os bêbados, as crianças e os que estão com raiva, falam a verdade. Os cristãos também. No entanto, uma vez que falar a verdade não é muito popular, Paulo já nos orientava a seguir sempre “a verdade em amor” (Efésios 4:15). E ele dizia isso porque, quando falamos a verdade, sem amor, podemos destruir alguém; mas quando amamos tanto que não falamos o que deveria ser dito, acabamos por deixar que a pessoa se destrua a si mesma.
Portanto lembremos sempre das palavras de Jesus acerca do grande Mandamento: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E um segundo é assim: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas”. Será à luz desse grande mandamanto que todos os demais devem ser vistos.
Para concluir, lembre-se: Jesus não é contra a Lei, mas veio cumpri-la e ensina-la, para que todos os que seguem o caminho do Reino, vivam os princípios e as orientações que nos são dadas pela lei e sejam felizes. Antes de encerrar, acho importante registrar aqui que, olhando para cada mandamento, devemos destacar que, conforme aprendemos no Catecismo da ACNA, existem pelos menos três elementos que devem ser ressaltados: (i) a exigência positiva de obedecer cada um deles, (ii) a proibição de tudo o que impede sua observância amorosa, e (iii) a exigência de que exortemos os outros a serem guiados por ele.
Comentarios