
Reverendo Jorge Aquino.
A importância desse primeiro mandamento é visível, e pode ser verificada nas relevantes palavras de Ulrich Hans Reifler, para quem, “O primeiro mandamento é o testemunho da singularidade e exclusividade de Deus, ou seja, revela o Senhor em Seu caráter, Seu ser e Sua ação” (REIFLER, 2009, p. 59). Quando vemos o contexto deste primeiro mandamento, nos damos conta de que ele é particularmente importante ao verificarmos que ele foi elaborado em uma cultura e em uma sociedade politeísta. Naquele momento histórico, Israel estava cercado de sociedade que adoravam a uma infinidade de deuses. Foi assim no Egito, de onde eles tinham acabado de sair, e seria assim quando Israel se estabelecesse na terra que o Senhor lhe daria. Mesmo quando fossem levados como exilados para a Babilônia, o desafio ainda estaria presente. Mas o mandamento de Deus estaria sempre diante do povo, por meio dos profetas. Lembrando o contexto no qual Israel vivia, assim se expressa Roy Honeycutt Jr., “Não havia ateus no Oriente Próximo antigo; os deuses abundavam por toda parte” (HONEYCUTT JR. In CLIFTON, Vol. 1, 1988, p. 468). Particularmente falando do Egito, nos versos anteriores a mensagem é clara: “Eu sou o Senhor teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êxodo 20:2). Assim, Deus se apresenta como aquele que agiu poderosamente na história do povo de Israel e que continua presente, como o seu único Senhor. Diante disso, nos colocamos diante de três questões fundamentais para nossa vida. A primeira delas nos leva à perguntar sobre qual a exigência positiva que esse mandamento tem para cada um de nós que somos cristãos. Para responder a essa questão, me parece claro que, com esse mandamento, o Senhor está nos dizendo que não aceitará que tenhamos nenhum outro Deus além dele. A ordem de Deus foi bem clara: “não terás outro Deus diante de mim”. E neste primeiro mandamento Deus está estabelecendo o monoteísmo de forma muito específica. Por meio desse primeiro comando Deus nos informa que Ele é único e que deve ser amado acima de tudo e de todos. Em outras palavras, Ele não aceita ser posto ao lado de outro e, muito menos, em segundo lugar. Aqui, é importante que ressaltemos que houve um período de tempo entre a pregação do monoteísmo e a aceitação plena dessa verdade na sociedade de Israel. Assim, no primeiro momento, os israelitas entenderam que Javé era maior do que os outros deuses que viviam nas nações vizinhas. Mas somente em um segundo momento, eles passaram a compreender que Javé era o único Deus vivente e que fora dele não havia Deus! Nesse sentido, ensina Honeycutt Jr.: “Chegou o tempo quando Israel afirmou que se devia não apenas adorar somente o Senhor, mas que só ele existia; todos os outros deuses eram ilusões (Is 45:5; 46:1 e s.). Embora possa ter havido pessoas de muita sensibilidade no decorrer da história de Israel (isto é, a partir da época do êxodo), que eram monoteístas, o verdadeiro monoteísmo foi apreendido em maior escala só bem mais tarde, na experiência de fé de Israel” (HONEYCUTT JR. In CLIFTON, Vol. 1, 1988, p. 466). Assim, aprendemos que devemos viver em conformidade às leis estabelecidas por esse único Deus existente e jamais buscar fora dele – quer seja em superstições ou outras crenças - as respostas fundamentais para as nossas grandes questões existenciais. Assim, o grande propósito desse mandamento é fazer com que Israel compreenda que somente Deus deve ser temido, amado e adorado. Com isso, concorda Lutero, quando afirmou, escrevendo sobre esse mandamento: “Devemos temer e amar a Deus e confiar nele acima de todas as coisas” (LUTERO, 1983, p. 367).
Em Segundo lugar, devemos questionar sobre qual seria a proibição que poderia nos impedir de observar, amorosamente, esse mandamento. Neste texto Deus nos proibe de buscar qualquer outro ente, ou ser, ou crença, ou ideia ou entidade que possa ser colocado ao lado de Deus, na mesma condição de eventual socorro para nossa existência e para nossa vida, ou, como o próprio texto diz: “diante de mim”. Esta frase, afirma Cole (1986, p. 148), aponta para “a quebra de um relacionamento pessoal exclusivo”, como ocorre com o adultério. Desta forma, Deus nos proibe de flertar com qualquer outra realidade – física ou metafísica -, que possa ocupar o lugar de Deus. O Catecismo de Heidelberg nos traz uma grande orientação quando da resposta à questão 94, afirma: “Que, por amor a minha salvação, devo evitar e fugir de toda idolatria, feitiçaria, superstição e invocação a santos ou a outras criaturas. E que devo reconhecer corretamente ao único e verdadeiro Deus, confiar somente nEle, submeter-me a Ele em toda humildade e paciência, só dEle esperar todo o bem, e que devo amar, temer e honrar com todo o meu coração. Em resumo: é preferível repudiar a todas as criaturas a fazer qualquer coisa, mínima que seja, contra a Sua vontade” (HEIDELBERG, 2023, questão 94). Desta afirmação do Catecismo de Heidelberg aprendemos que este mandamento nos exorta e nos proíbe de adorar ou venerar qualquer outro Deus, ídolo terreno, ou vender nossa alma a um bem terreno como o dinheiro, o poder, a influência, o sucesso, a beleza ou a juventude perpétua. Nessa cultura da banalidade na qual vivemos, cada um de nós é constantemente tentados a violar este mandamento.
Finalmente, em terceiro lugar, urge que reflitamos sobre qual seria a exortação que devemos fazer aos nossos contemporânios. E a resposta me parece clara. De um lado, é importante que ressaltemos e exortemos sempre aos nossos co-cidadãos para que jamais coloquem no dinheiro, nos bens, nos partidos, em agentes políticos, nas igrejas, em crenças populares, em superstições ou em qualquer outro ser ou entidade, o poder de dizer autoritativamente, o caminho adequado para a salvação de nossa alma, para a direção de nossa vida ou para as grandes decisões de nossa existência. Devemos exortar a esse nosso mundo a ouvir apenas a voz de Deus, nosso Senhor, encontrada em sua Palavra. Desta forma, devemos lembrar aos nossos contemporâneos que a finalidade desse mandamento, como afirma Calvino, “é que Deus quer ter, a única preeminência em seu povo e deseja gozar por completo desse privilégio. Para conseguir isso, quer que qualquer impiedade ou superstição que possa obscurecer ou minar a glória de sua divindade, permaneça distante de nós” (CALVINO, 1981, II.viii,16). Em razão de tudo isso, o mandamento nos manda exortar as pessoas a que honrem e adorem a Deus com o verdadeiro afeto religioso, jamais atribuindo a outros aquilo que pertence apenas e somente à Deus, por direito exclusivo. É significativo que ressaltemos que “O que se postula neste primeiro mandamento é o fato de que nada menos do que a totalidade de nossas vidas deve estar sob o senhorio de Deus” (REIFLER, 2009, p. 59). Por isso, temos que reconhecer que tudo o que somos e tudo o que temos, vem dele e deve ser usado para a glória dele.
Para concluir, é imperativo que observemos cada mandamento dentro do contexto da aliança que Deus fez com seu povo. Na verdade, é dentro dessa aliança que vemos ser ressaltada a natureza e a relevância deste primeiro mandamento. Por isso, Craigie escreve que “A essência da Aliança era um relacionamento, e a essência daquele relacionamento visava a fidelidade. A fidelidade de Deus ao Seu povo já tinha sido demonstrada no Êxodo, conforme é indicada no prefácio aos mandamentos. Por Sua vez, Deus requeria, mais do que qualquer outra coisa, a fidelidade no relacionamento entre Seu povo e Ele” (CRAIGIE In ELWELL, Vol 1, 1988, p. 454). Portanto, é somente dentro do contexto da fidelidade para com a aliança, somos chamados a honrar nosso Deus como nosso único Senhor e nosso único Deus. A religião que nos é apresentada no Sinai, condena frontalmente toda a forma de idolatria, apresentando-a como sendo uma forma de colocar Deus em segundo plano. Por isso, Deus ainda hoje diz: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20:2). E, Deus ainda hoje nos diz isso para que tenhamos a clareza de que não precisamos de mais nada ou ninguém além de nosso Deus. Nosso coração precisa se inclinar para confiar naquele que nos amou e quis fazer uma aliança conosco, dizendo que podemos confiar em sua suficiência. Não há razão para buscar outros deuses ou outros caminhos. Se Deus nos basta, então confiamos e esperamos nEle. É nesse sentido que nos lembramos de Pedro que disse: “... lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (I Pedro 5:7). Assim, diz o salmista que “Uns confiam em carros e outros em cavalos; mas nós faremos menção do nome do Senhor” (Salmo 20:7). É entregando toda a nossa confiança e esperança no Senhor, que cumpriremos esse primeiro mandamento.
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