CASAMENTO OU MATRIMÔNIO?
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 27 de abr. de 2021
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Reverendo Padre Jorge Aquino.
Muitas pessoas usam os termos “casamento” e “matrimônio” indistintamente, ou seja, como se tivessem o mesmo significado. Este é um erro que tem sido constante cometido pelas pessoas que não se aprofundam no tema. É bem verdade que em seu uso comum até podemos cometer esse pequeno lapso. No entanto, se queremos tratar o tema com o mínimo de rigor, teremos que pontuar as devidas diferenças. Com esse breve texto, gostaria de estabelecer as diferenças para que cresçamos no conhecimento e não cometamos mais esse erro.
Em primeiro lugar gostaria de afirmar que uma pessoa pode estar casada sem ter recebido o rito sacramental do matrimônio. Estou certo que só em fazer essa afirmação o leitor já percebeu a veracidade de minha tese inicial. Você pode procurar um Cartório e se casar, mas sem, necessariamente, buscar a bênção matrimonial. Portanto, a primeira diferença é que o casamento é algo mais amplo que o matrimônio, dessa forma nem todos os casados passaram pelo matrimônio, mas todos os que passam pelo rito sacramental do matrimônio ou já são ou se casam naquele momento de forma simultânea. André e Rita Kawahala (2008, p. 16) nos dizem que: “As duas coisas parecem ser a mesma coisa, mas não são. As pessoas podem estar casadas mas não ter celebrado o Matrimônio. Em ambos os casos, constituirão um novo lar, mas percebemos que, atualmente, é somente sob essa ótica que se enxerga o casamento. Para nós, cristão, (…) ao casarmos firmamos uma aliança única e verdadeira com a presença de Deus, mediante o Rito Sacramental do Matrimônio”.
Vamos então procurar uma definição para essas duas palavras. Segundo Donaldo J. Felippe, em seu Dicionário jurídico de bolso, casamento é um “ato solene de união entre duas pessoas (…) capazes e habilitadas com legitimação religiosa e/ou civil, para constituição de família” (2010, p. 52). Como percebemos claramente, o casamento pode ou não vir acompanhado com a bênção matrimonial – casamento religioso com efeito civil -, mas ele é um ato mais da esfera civil do que da esfera religiosa. Por isso fala-se muito em “casamento homoafetivo” e não em “matrimônio homoafetivo” – muito embora muitas igrejas já permitam que pessoas homoafetivas também recebam o sacramento do matrimônio. Assim, muito embora a questão do casamento seja algo a ser decidido pela esfera jurídica, cabe às igrejas decidirem sobre o matrimônio. O casamento é geralmente realizado por ou Juiz de Direito (aquele que estudou Direito e se submeteu a um concurso público) ou, em casos excepcionais, por um Juiz de Paz (que é um leigo e mero funcionário do Cartório). A própria lei do país, que é leigo, exige apenas que os nubentes expressem a vontade de se casarem para que o juiz possa declará-los casados diante da lei. Portanto, uma vez que o Brasil não tem religião oficial, nem o Juiz de Direito nem o Juiz de Paz pode realizar os atos religiosos que somente aos sacerdotes legitimamente ordenados por suas religiões têm o múnus de fazer.
O matrimônio, por sua vez, é um rito sacramental (ou sacramento menor) vez que é um ato de fé que possui um sinal visível (a aliança) e uma graça invisível (o amor). De acordo com o Cânon 1.055 § 1, da Igreja Romana, “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão de vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e a geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento”. Sendo um rito sacramental ele é um tipo da relação entre Deus e seu povo. Por isso entendemos que “na união matrimonial se manifestam a providência e o amor de Deus para com o casal e para com a espécie humana. Através do matrimônio, através dos cônjuges, Deus expressa sua vontade de se tornar próximo tanto dos esposos que se unem entre si, movidos pelo amor de Deus, como da família que o casal constrói, impelido pelo desejo de se entregar aos seus próprios filhos” (2008, p. 65).
Entre os Anglicanos a doutrina é basicamente a mesma, como se pode ver no Catecismo da Anglican Church in North America, que, na seção que trata dos sacramentos, diz na questão 128 sobre “o que é o casamento?” E responde: “O Casamento é um pacto para toda a vida feito entre um homem e uma mulher, obrigando a ambos que se doem em amor e exclusiva fidelidade. No rito do casamento Cristão, o casal troca suas alianças para preservar seus votos. Eles fazem isso diante de Deus e na presença de testemunhas, que oram para que Deus abençoe sua vida em comum”. Na questão seguinte o Catecismo Anglicano da ACNA fala sobre o significado do casamento dizendo que ele é “O compromisso de união entre o homem e a mulher em casamento expressa a comunhão entre Cristo, o noivo celestial, e a Igreja, sua santa noiva. Nem todos são chamados ao casamento, mas todos os Cristãos são casados com Cristo e abençoados pelas graças dadas por Deus neste matrimônio”. E, finalmente, na questão 130º o Catecismo responde sobre qual a graça que Deus nos dá por meio do casamento: “No matrimônio Cristão, Deus estabelece e abençoa o pacto entre marido e mulher, e os une para viverem juntos em uma comunhão de amor, fidelidade e paz em comunhão com Cristo e sua Igreja. Deus capacita a todos os casais a crescerem em amor, sabedoria e santidade por meio da vida comum moldada no amor sacrificial de Cristo”. É em razão dessa similaridade doutrinária que o matrimônio Anglicano é reconhecido pela igreja Romana. Por isso Gonzálo Flores faz a seguinte citação da declaração Enchiridion Oecumenicum em seu número 209, dizendo que essa comissão “não encontra uma diferença fundamental de doutrina entre as duas Igrejas (Romana e anglicana), quanto ao que o matrimônio é por sua natureza e quanto aos fins a que deve servir” (2008, p. 268).
Em ambas as igrejas existem exigências que podem gerar a nulidade ou a invalidade do casamento. Geralmente, o casamento pode vir a ser nulo por uma das seguintes razões: 1) Por impedimento (algo que impeça que o consentimento seja eficaz); 2) Por vício de consentimento (de um ou dos dois contraentes), ou 3) Por defeito de forma (quando não é feito de acordo com a lei da igreja). Na igreja Romana existem 12 impedimentos que podem tornar nulos o casamento. Os impedimentos são:
1) De idade: 16 anos para o homem e 14 para a mulher.
2) De impotência: se um dos dois for total ou parcialmente incapaz de realizar o ato conjugal.
3) De vínculo: se um dos cônjuges já tem vínculo conjugal com outra pessoa.
4) De disparidade de culto: ocorre quando uma das partes é católica e a outra não é batizada.
5) De Ordem sacra: os ordenados (diáconos, presbíteros e bispos) só podem se casar validamente depois da dispensa do celibato.
6) De voto: ocorre se algum religioso que fez voto público perpétuo de castidade num instituto religioso.
7) De rapto: quando o homem rapta uma mulher com a finalidade de casar com ela.
8) De crime: ocorre quando alguém mata seu cônjuge ou o de outro para casar com o supérstite.
9) De consanguinidade: em linha reta é nulo o casamento em todos os graus; em linha colateral é nulo até o 4º grau.
10) De afinidade: é o que envolve, por exemplo, sogra e genro, padrasto e filha da falecida.
11) De pública honestidade: ele surge de um matrimônio inválido ou de um concubinato público e notório. Este caso ocorre “quando um casal realiza o casamento só no civil e os dois que são católicos vivem juntos como marido e mulher” (ROMAN, 2010, p. 35).
12) De parentesco legal: é aquele que envolve pessoas que “entraram” para a família por decisão legal, como pai com filha adotada, ou irmão com irmã adotada.
Entre os Anglicanos os impedimentos são os mesmos, exceto os números 2, 5,6 e 11.
Devemos notar que a nulidade implica na “Ineficácia total do ato jurídico. Nulidade é deformidade, corrupção peculiar do ato considerado írrito (vão, sem préstimo) e juridicamente ineficaz, do ato que nasceu sem vida útil, sem qualquer força jurídica, viciado de maneira insanável” (FELIPPE, 2010, p. 184). Já a invalidade diz respeito ao ato jurídico que foi feito sem a observância das determinações e formalidade inerentes ao ato. Neste caso é possível – depois de um processo canônico – uma convalidação do ato, na nulidade, não.
Infelizmente muitos matrimônios romanos podem ser declarados nulos por defeito de forma, ou seja, 1) se não forem publicados os proclamas; 2) se a celebração não foi feita perante duas ou três testemunhas, ou se 3) se não foi realizado na presença do pároco próprio, no lugar próprio (a paróquia), e se for feito sem a forma canônica prescrita no Código de Direito Canônico. Os casos extraordinários estão prescritos no Cânon 1.116. Os cerimoniais têm a obrigação de informar os noivos sobre isso.
No caso dos Anglicanos concordamos com os itens 1 e 2, mas temos a liberdade de celebrar o matrimônio com outro pároco e mesmo fora da paróquia, ou seja, na praia, em uma fazenda, em um buffet, etc.
Referências bibliográficas
TO BE A CHRISTIAN: An Anglican Catechism. In <http://anglicanchurch.net/?/main/catechism>. Acessado em 17 de maio de 2016.
FELIPPE, Donaldo J. Dicionário jurídico de bolso. Campinas: Milenium, 2010.
FLÓRES, Gonzálo. Matrimônio e família. São Paulo: Paulinas, 2008.
KAWAHALA, André & KAWAHALA, Rita. Encontros para novos casais. São Paulo: Paulinas, 2008
ROMAN, Ernesto. Nulidade matrimonial. São Paulo: Paulus, 2010

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