CAMINHOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE ANGLICANA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 30 de dez. de 2020
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Reverendo Padre Jorge Aquino.
Quer gostemos ou não, a emergência de uma cosmovisão pós-moderna acabou influenciando na forma como falamos ou definimos o que chamamos de “identidade”. Quando falamos da tentativa de falar sobre a identidade do Anglicanismo, essa dificuldade se revela de forma absolutamente clara e as respostas que obtemos são geralmente ambíguas, relativas, vagas e parciais.
Sobre esse assunto, o próprio ex-Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams, em seu livro Anglican Identities (atente-se para o plural), evitou responder a questão sobre “o que é anglicanismo”. Em uma palestra recentemente feita na Califórnia, ele já não se referia mais a uma “Comunhão Anglicana”, mas a uma grande “família”, deixando transparecer que procurar definir uma única identidade Anglicana, talvez seja algo impossível hoje.
No entanto, quem nos oferece uma contribuição interessante sobre o tema é Charles Erlandson que, em seu trabalho doutoral sobre a identidade Anglicana, nos presenteia com alguns parâmetros significativos para que possamos delimitar essa questão, pelo menos entre os Anglicanos ortodoxos.
Uma tentativa de definir com brevidade esse tema nos levaria a definir o Anglicanismo como sendo o “Catolicismo Reformado”. Nesta breve definição temos o substantivo “Catolicismo” que é modificado pelo adjetivo “Reformado”. Assim, o substantivo aponta para a substância e a essência que é reformada, ou que assume uma outra forma. Com isso, se quer dizer que, muito embora o Anglicanismo mantenha a doutrina, a tradição e a liturgia da igreja Católica indivisa dos primeiros séculos da Igreja Cristã, ela recebeu as influências renovadoras trazidas pelos ventos refrescantes da Reforma Protestante, retirando os abusos e erros criados pela igreja Católica Romana medieval.
Ao examinar as diferentes formas de definições oferecidas pelos estudiosos acerca do Anglicanismo, Charles Erlandson percebeu que elas se enquadravam em quatro categorias diferentes de definição. Ademais, ele propõe que, somente quando todas as quatro definições são tomadas em conjunto e harmonizadas, é que se pode ter uma descrição adequada do Anglicanismo. Segundo ele, esses quatro tipos de definições são: eclesial, normativa, prática e histórica. No transcorrer dos tempos, afirma Erlandson, o que conhecemos por Anglicanismo tem sido mantido pela existência de uma doutrina comum (definição normativa), uma disciplina comum (definição eclesial) e um culto comum (anglicanismo prático) oriundo daquela Igreja Católica que foi plantada na Inglaterra (definição histórica). Examinemos cada uma dessas definições separadamente.
Sobre as definições eclesiais, podemos dizer que elas se concentram nas relações oficiais existentes entre igrejas que reivindicam a existência de uma identidade comum. Esse tipo de definição é a que identifica como Anglicana aquela igreja que faz parte da Comunhão Anglicana. No entanto, a fraqueza dessa definição consiste no fato concreto de que existem inúmeras igrejas anglicanas que não fazem parte da Comunhão Anglicana, bem assim, algumas igrejas na Comunhão Anglicana que já não se identificam com elementos próprios do Catolicismo histórico.
As definições normativas são baseadas em regras ou padrões considerados essenciais de uma identidade religiosa. Tais definições normativas do anglicanismo são úteis porque fornecem limites claros e, portanto, tornam os atos de definição e identificação mais possíveis. Ser anglicano historicamente, sempre significou manter certas normas em comum: a autoridade suprema das Escrituras, os Credos históricos, os dois Sacramentos bíblicos e o episcopado histórico. Assim, além do Quadrilátero de Lambeth, essa forma de definição adicionaria o Livro de Oração Comum, os Trinta e nove Artigos e o Ordinal.
As definições práticas são as que dizem respeito a aspectos éticos, comportamentais e práticos dos Anglicanos. Neste item, estão incluídas a noção Anglicana de autoridade dispersa, compreensividade, inclusividade e uma metodologia teológica própria. Este aspecto identitário de viés prático pode ser identificado de uma forma mais prática nas diversas formas de espiritualidade desenvolvidas e associadas aos diversos movimentos que historicamente surgiram dentro do Anglicanismo, tais como o Anglo-Catolicismo, o Evangelicanismo, os Carismáticos e os Liberais.
Por fim, temos as definições históricas, que são aquelas que ajudam a localizar o Anglicanismo no contexto da Igreja Católica e Apostólica, bem assim, a destacar o senso de continuidade existente entre o Anglicanismo contemporâneo e o histórico. Desta forma, desde que uma identidade Anglicana foi se desenvolvendo ao longo do tempo, à medida em que a Igreja interagia com a cultura – o que provocava tomadas de posições e novas decisões identitárias -, dentro do contexto e de circunstâncias históricas próprias e particulares, novos elementos dessa identidade se fortaleciam. No entanto, o elemento histórico, por mais importante que seja, não é suficiente em si mesmo, vez que só pode dizer “o que é” e “o que tem sido”, e não “o que deveria ser”.
Uma definição de Anglicanismo que se pretenda abrangente e útil, inevitavelmente vai se servir desses quatro critérios apresentados acima. Assim, uma vez observados esses critérios, Charles Erlandson, se vê em condições de oferecer uma definição de Anglicanismo que seja robusta o bastante para poder oferecer suficiente esperança, clareza e estabilidade aos Anglicanos. Esta definição é a seguinte: “O anglicanismo é a vida da Igreja Católica que foi plantada na Inglaterra nos primeiros séculos depois de Cristo; remodelado decisivamente pela reforma inglesa que reformava as tradições católicas recebidas e também renovada pelos avivamentos evangélicos e católicos e outros movimentos históricos do Espírito; e isso agora foi inculturado em igrejas independentes e globais” (ERLANDSON. Tract I: what is anglicanismo. Disponível em <http://northamanglican.com/tract-i-what-is-anglicanism/>, acessado em 14 de novembro de 2019).
Uma olhada cuidadosa nessa definição mostra como é complexo sintetizar aqueles elementos e aplica-los ao Anglicanismo. No entanto, acredito que o autor foi feliz ao apresentar uma definição que abarque tantos elementos e, ainda assim, mantenha o Anglicanismo aberto ao futuro.

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