
Reverendo Jorge Aquino.
Não resta dúvida de que o mundo no qual vivemos, reproduz de forma natural e precisa, uma forma de ver o mundo que pode ser caracterizada como sendo dualista, binária, dual, ou em dupla. Quando afirmamos isso, estamos querendo dizer que, nossa mente se acostumou a ver o mundo como se ele fosse igual às teclas de um piano, ou seja, as coisas sempre são ou pretas ou brancas. Desta forma, refletimos sobre todos os temas sempre de uma perspectiva dualista. O homem, portanto, é composto de corpo e alma. O que fazemos ou é certo ou errado. As pessoas são boas ou más. A realidade que observamos ou revela o mal ou o bem. No fim ou vamos para o céu ou para o inferno. Ou você é protegido por um anjo ou guiado pelo diabo. Em outras palavras, na nossa mente, não existe espaço para realidades que estejam ou existam entre estas duas realidades opostas e antagônicas. Bem assim, não se pode falar em “tons de cinza” onde somente existem as cores branco e preto.
Isto é assim, em primeiro lugar, por causa de nossa origem intelectual grega. Todos nós fomos influenciados por um modelo mental que é apresentado por Aristóteles e chamamos de “princípio do terceiro excluído”. Segundo este princípio, fica estabelecido que, para qualquer afirmação somente existem duas possibilidades: ou bem, ela é verdadeira, ou bem a sua negação é verdadeira. Logo, se somente existem duas proposições contraditórias uma delas é verdadeira e a outra é falsa. Uma terceira possibilidade não existe. Assim, ambas as afirmações não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, e nem ambas podem ser falsas.
Em segundo lugar, na nossa formação mental e intelectual, não vemos apenas a influência grega, mas também a romana. Assim, em Roma, grassava a teoria maniqueísta, que é uma tese com base nas doutrinas religiosas que afirmavam existir um dualismo entre dois princípios opostos, quais sejam, o bem e o mal. O maniqueísmo é considerado uma filosofia religiosa, fundada na Pérsia por Maniu Maquineu, no século III, sendo bastante disseminada por todo o Império Romano. Esta segunda influência que opunha o bem ao mal, a luz às trevas, o espírito à matéria, iria compor o caldo intelectual que formaria o que passou a ser visto como a visão cultural Grego-romana que plasmou a mentalidade Ocidental.
Finalmente, em terceiro lugar, nossas inclinações dualistas persistem porque ela nos oferece uma visão mais simplista da realidade. Em geral um raciocínio simplista ou ingênuo, despreza elementos que poderiam solucionar questões. Dessa forma, o dualismo, além de oferecer uma visão simplista da realidade, também nos oferece uma leitura reducionista deste mundo. O reducionismo é a tendência que temos de transformar o que é complexo em algo mais simples. Assim, a sexualidade – que é algo bastante amplo - pode ser reduzida apenas à questões relacionadas aos genitais. Da mesma forma, existe uma espécie de reducionismo cultural, que é um termo usado para se referir à redução da discriminação, do racismo, da xenofobia, da homofobia como sendo apenas uma expressão inofensiva da cultura.
Dessa forma, em uma sociedade que privilegia a falta de profundidade na argumentação, que evita comprar livros que não tenham desenhos ou fotografias e que sonha com uma realidade na qual alguém possa pensar por eles e dizer o que é certo e errado, o dualismo mental se instala e cria esse mundo que vemos: um mundo no qual de um lado está o enviado de Deus e do outro o enviado do diabo; de um lado existe a religião que detém o copyright – direito exclusivo de uso - da salvação e, do outro, todas as que levam ao inferno.
Dito isso, é preciso que nos detenhamos e passemos a refletir sobre o tema. Será que a realidade (política, social, cultural, econômica, religiosa, etc.) é tão simples assim, que pode ser reduzida a apenas duas posturas? É óbvio que não. É claro que o mundo é bem mais complexo do que os que têm essa visão simplista jamais imaginaram. Mas remediar essa postura ridícula e intelectualmente deficitária, exige ao menos, a humildade de buscar leituras mais complexas e mais aglutinativas, procurando ouvir os diferentes e buscando aprender com os divergentes. Dialogar com o diferente e com o divergente nos dá a possibilidade de ver algo, com outros olhos, de uma outra perspectiva e, portanto, nos dá a possibilidade de aprender.
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