ANGLICANISMO E IDENTIDADE EM MANUEL CASTELLS
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 31 de out. de 2018
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Reverendo padre Jorge Aquino.
De início, é bom partir do pressuposto de que nós, nas palavras de Castells (2018, p. 54) entendemos por identidade, aquela fonte de significado e experiência de um povo. Após essa simples definição, Castells cita um texto de Calhoun, para quem, “Não temos conhecimento de um povo que não tenha nomes, idiomas ou culturas em que alguma forma de distinção entre o eu e o outro, nós e eles, não seja estabelecida… O autoconhecimento – invariavelmente uma construção, não importa o quanto possa parecer uma descoberta – nunca está totalmente dissociado da necessidade de ser conhecido, de modos específicos, pelos outros” (CALHOUN, In CASTELLS, 2018, p. 54).
Como podemos perceber, a noção de identidade está invariavelmente associada à noção de fonte de significado. E, da citação feita acima, entendemos que que essa fonte de significado – ou um conjunto de atributos culturais inter-relacionados – é um processo contínuo de construção que possuem prevalência sobre outras fontes de significados e que fazem com que “eu” seja diferente do “outro”.
Deve-se considera, contudo, que, quando falamos de um ator coletivo, podemos também fazer referência à existência de outras fontes de significados. Dessa forma, que vive dentro dessa pluralidade, vive em contato com uma “fonte de tensão e contradição tanto na autorepresentação quanto na ação social” (CASTELLS, 2018, p. 54). Esta tensão é produzida pelo choque que acaba existindo na vida do ator coletivo, entre papéis ou conjunto de papéis sociais. Se fazemos parte de um sindicato, se vivemos em uma vizinhança, frequentamos uma igreja ou temos uma profissão, possuímos papéis que nos são tacitamente impostos ou definidos dentro da própria sociedade. Nossas vidas e comportamentos, assim, serão o produto da interação e negociação desses vários papéis sociais e dessas várias organizações sociais. Assim, cada ator social construirá sua identidade em um processo de negociação individual atribuindo significados e importâncias a cada elemento presente em sua existência. É bem verdade que a identidade também pode ser o resultado de uma imposição da instituição dominante, no entanto, isso somente ocorrerá se, e somente se, os atores sociais as internalizam e passam a construir seu significado tendo como base essa internalização. Mas, o que não podemos esquecer jamais é que, ainda que a identidade possa – as vezes – ser identificada com o papel social, no entanto, “identidades são fontes mais importantes de significado do que papéis, por causa dos processos de autoconstrução e individuação que envolvem. Em termos mais genéricos, pode-se dizer que identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções” (CASTELLS, 2018, p. 55). É claro que, quando falamos em organizar significados, estamos nos referindo àquelas identificações simbólicas, realizadas por um ator social, da finalidade das ações que pratica. O que resume nossa exposição até aqui, é o fato de que toda identidade é construída. Nessa construção nos valemos do material que dispomos, qual seja, aspectos históricos, geográficos, biológicos, instituições produtivas e reprodutivas, memória coletiva, fantasias pessoais, pelo aparelho de poder existente e pelos fatores religiosos. Uma vez que dispomos de toda essa matéria-prima, “todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço” (CASTELLS, 2018, p. 55). Do que foi exposto, Manuel Castells conclui que, em linhas gerais, o responsável pela construção da identidade coletiva bem assim, sua razão de ser, são, em grande parte, aqueles que determinam os conteúdos simbólicos dessa identidade, bem assim, de seu significado para com os que com ela se identificam ou dela se sentem excluídos. Uma vez que a construção da identidade sempre se dá em um processo cujo contexto é marcado por relações de poder, Castells propõe a existência de três formas de construção e origens de identidades: a Identidade legitimadora, a Identidade de resistência e a Identidade de projeto. Ressalte-se que cada um dos tipos propostos leva a um resultado diferente no que diz respeito à constituição da sociedade.
A primeira forma de construção ou formação de uma identidade, seria a Identidade legitimadora. Este primeiro tipo de identidade, que além de estar no cerne da teoria da autoridade e dominação de Sennet, também se aplica a diversas teorias do nacionalismo, é introduzida “pelas instituições dominantes da sociedade no intuito de expandir e racionalizar sua dominação em relação aos atores sociais” (CASTELLS, 2018, p. 55). A história nos ensina que o Anglicanismo esteve intimamente ligado a esse primeiro modelo de identidade no momento em que ele significava apenas um instrumento utilizado pela metrópole para legitimar sua dominação sobre as colônias ao redor do mundo. Todos os vassalos deveriam honrar e orar pelo Rei dominicalmente, enxergando nele um instrumento de Deus para a sua libertação do paganismo e como possibilidade de receber uma educação europeia. Ainda hoje, é possível recorrer a essa forma de identidade para legitimar uma dominação que – embora não tenha mais caráter político/etnico – cria uma teologia dominante – que possui viés absoluto – e, por via de consequência, uma teologia de periferia que precisa ser aniquilada vez que não pertence à identidade do verdadeiro Anglicanismo.
Em segundo lugar, temos a Identidade de resistência. Este tipo de identidade é produto da elaboração de atores que “se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trincheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade ou mesmo opostos a estes últimos” (CASTELLS, 2018, p. 56). Neste segundo tipo de identidade estavam os Anglicanos que tiveram coragem de se contrapor à dominação econômica e cultural exercida pela Metrópole, que exercia o poder colonial, e criaram outras formas de reflexão que escapassem ao esquema pré-estabelecido e imposto por aqueles que diziam possuir a verdadeira identidade Anglicana.
Por fim, Castells nos fala da Identidade de projeto. Este tipo de identidade é o resultado do construto que envolve os atores sociais, no instante em que eles, utilizando-se do material cultural disponível, “constroem uma nova identidade capaz de redefinir sua posição na sociedade e, ao fazê-lo, de buscar a transformação de toda a estrutura social” (CASTELLS, 2018, p. 56). Esta forma de construção identitária ocorrerá quando os Anglicanos forem capazes de abandonarem as trincheiras da mera resistência à teologia “vinda do norte” e dos centros de poder – sobre a qual o Anglicanismo se expandiu – , e se dedicarem à construção de uma nova reflexão teológica que seja capaz de incluir, de dialogar, e de levar em consideração os aspectos sociais e culturais autóctones e próprios de cada lugar onde chegou. Assim, seria absolutamente possível e necessário pensar em fazer uma teologia Anglicana Latino Americana, Africana ou Asiática.
O que precisamos compreender é que, dentro da dinâmica social, nenhum desses tipos de identidades pode construir uma essência, nem, da mesma forma, encerra, em si mesmo, elementos que possam ser associados com mais progressistas ou mais retrógrados, melhor ou pior, fora do contexto histórico no qual foi formada.
Referência Bibliográfica:
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Vol 2. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz & Terra, 2018
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