Afinal, quem somos nós?
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 30 de jan. de 2019
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Reverendo Cônego Jorge Aquino.
Ontem ou estava observando algumas fotografias antigas que me registravam utilizando a farda da escola em que estudei desde os meus quatro anos de idade. Parece que meus familiares tinham o hábito de fazer esse registro anualmente. Em um determinado momento, quando eu tinha cerca de oito anos, as fotos cessaram. Depois de ver aquelas fotos e de me olhar no espelho, duas verdades me saltaram aos olhos. A primeira delas, é que eu hoje – com cinquenta e três anos – sou muito diferente do que era quando tinha cinco ou seis anos. A segunda, é que ninguém poderia negar que eu estava olhando para a mesma pessoa, no espelho. Como pode uma mesma pessoa mudar tanto e continuar sendo quem é? O que é mais significativo, é que essa questão não se aplica apenas a mim, mas a todas as pessoas que ainda estão vivas. Talvez essa seja a única razão para que continuemos vivos: mudar.
Na história do pensamento, encontramos um filósofo grego que afirmava: “tudo flui” (do grego: panta réi). Para ele era impossível que a mesma pessoa entrasse no mesmo rio duas vezes. Primeiro porque o rio mudou; depois, porque ela própria havia mudado, e muitas vezes, de várias maneiras. Era porque ele vislumbrava essa realidade inexoravelmente mutável no mundo que afirmava que tudo estava em um eterno “vir-a-ser”, ou seja, em um eterno “devir”.
Quando refletimos sobre isso e pensamos em nós mesmos ou em nossos relacionamentos, somos inevitavelmente levados a ter que afirmar que, assim como o sol nasce todas as manhãs, todos nós mudamos com o tempo. Veja bem, não quero dizer com isso que estou emitindo um juízo de valor sobre nós, ou seja, que nos tornamos melhores ou piores. Estou emitindo um juízo de fato. Nós mudamos. Sobre esse fato não temos como negar ou contestar. O que fazemos de nós é que importa.
Um dia, uma mulher chegou para seu marido, com quem estava casado a quase vinte anos, e disse: “você não é mais a pessoa com quem eu me casei”. E sabem de uma coisa, ela estava certa! Mas ela esqueceu de algo muito importante, ela também já não era mais a mesma pessoa. Isso me faz lembrar de uma poesia de Antônio Machado que diz: “Caminhante, não há caminho… O caminho é feito ao andar”. Ninguém é a mesma pessoa depois de uma experiência traumática, depois de encontrar um grande amor ou de ser tocado pela leitura de um livro extraordinário. Ninguém é o mesmo quando a imaturidade se revela destruidora e incapaz de responder às demandas da vida ou quando a maturidade se instala. Aliás, será que com o tempo, mesmo a maturidade não muda? Neste mesmo sentido, podemos afirmar que não temos uma identidade durável, firme e estável. Formamos nossa identidade ao caminhar, e esse projeto nunca se encerra, jamais termina – somente quando morremos. Nunca poderemos finalmente dizer: “esse sou eu”, tanto quanto nunca poderemos apontar para qual fotografia, registrada no transcorrer de toda a sua vida, resume quem você é em sua totalidade.
Mas, se somos, assim, fluidos ou líquidos, e escorremos nas mãos do tempo que procura nos agarrar, para que lado caminharemos? Isso dependerá de nossa liberdade e de nossas escolhas. Sempre podemos escolher o caminho mal e desastroso. Mas também, se preferirmos, podemos seguir o caminho da virtude, do bem, da justiça e dos valores. O que, acredito, nunca deveríamos retirar de nossa mente, são as belas palavras de Eleanor Powell, quando afirma: “O que nós somos é o presente de Deus a nós; o que nos tornamos é nosso presente à Deus”.
Não tema quem você é, ou como você chegou a ser quem é agora. Você pode não acreditar, mas Deus sempre esteve no controle. Mesmo quando você fazia as coisas mais absurdas que jamais pensaria fazer, Deus estava trabalhando em você. Mas agora ele deseja que você tome as rédeas de sua existência e termine o trabalho. O passado já passou; enterre-o. Talvez você não se orgulhe muito dele. Mas, apesar do embaraço ou da vergonha que o acompanha interiormente, permita que seu futuro seja melhor para você e para aqueles que te cercam e te amam. Entenda que com a maturidade recebemos de Deus a possibilidade de escolher o caminho que queremos seguir. Admita os erros e siga para o caminho certo. “Escolhei a vida”, disse Ele ao seu servo no passado. Lembre-se que nada poderá separá-lo do amor de Deus que está em Cristo Jesus e, portanto, você já é mais do que vencedor, por meio daquele que te amou primeiro.
Que em seu futuro, o sol brilhe sempre sobre o caminho que você trilhar; a brisa suave sopre sempre às suas costas, te mostrando a direção que você deve tomar, e o amor da sua vida siga sempre ao seu lado, na mesma direção.
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