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AFINAL O QUE É O LIBERALISMO TEOLÓGICO?

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 1 de out. de 2018
  • 5 min de leitura
Padre_Jorge Aquino_21
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Reverendo padre Jorge Aquino.

Muito embora já estejamos na segunda década do século XXI, ainda ouço pessoas na igreja se referirem à outras como sendo “liberais”. Isso me lembra meu período de estudante de teologia no Seminário, onde éramos ensinados a nunca lermos nenhum autor “liberal” porque ele iria prejudicar nossa fé. Infelizmente, ainda hoje há muitos que estigmatizam estudantes de teologia ou mesmo ministros, em razão dos livros de que eles estão lendo. Lembro que o Reitor do Seminário em que estudei, proibiu todos os alunos de lerem Jorge Amado, muito embora ele não seja sequer um teólogo.

Mas, afinal, o que queremos dizer com a palavra “liberal”? Bom, agora teremos que ter a consciência de compreender que esse termo pode ter significados diferentes, dependendo do assunto que esteja em pauta. Por exemplo, quando estava fazendo meu doutorado, minha orientadora não conseguia compreender quando eu me referia aos teólogos “liberais”, confundindo-os com os liberais em economia ou em política. Precisamos, então, saber que, quando falamos em “liberais” em economia, estamos nos referindo à “doutrina segundo a qual o Estado deve deixar livre a iniciativa empresarial e a relação de trocas e não intervir na esfera econômica; é então a livre concorrência que possui a primazia com relação à regulamentação e à intervenção do Estado” (RUSS, 1994, p. 165). Quando procuramos saber sobre alguns exemplos de defensores do liberalismo econômico, nos deparamos com personagens como Adam Smith ou Ricardo.

Mas o termo não se aplica apenas à economia. Existe toda uma corrente política que é denominada de “liberal”. Neste caso, estamos nos referindo àqueles que defendem a “doutrina que preconiza o respeito da liberdade individual e a necessidade de garanti-la e protegê-la, limitando os poderes e atribuições do Estado e assegurando a independência do poder legislativo com relação ao poder executivo” (RUSS, 1994, p. 165). Dentre tantos defensores da política liberal, citamos como exemplo maior, a figura de Montesquieu. Foram os grandes filósofos liberais que erigiram os primeiros pilares dos Direitos Humanos, quais sejam, a liberdade e a propriedade.

Na esfera moral o “liberalismo” também tem sua escola. Dentre os grandes liberais morais podemos destacar Havelock Ellis, Hirschfeld e o próprio Freud. Esses defendiam maior liberdade para que temas relacionados à sexualidade obtivessem maior espaço para pesquisa e estudo, vez que a moral vitoriana, vigente até então, impunha uma série de dificuldades oriundas do preconceito e da ignorância.

Quando nos voltamos para a religião, e ouvimos a expressão “liberalismo”, precisamos compreender que ela, strictu sensu, se refere à tendência da teologia protestante que se utilizou tanto de pressupostos cartesianos ou humanistas e deístas, mas principalmente kantianos e iluministas para elaborar a teologia no século XIX. Esta delimitação, contudo, não deve nos fazer esquecer que este termo foi utilizado de forma bastante ampla, mesmo na esfera teológica. Van A. Harven nos diz que “o pai desse movimento é geralmente reconhecido como sendo o teólogo Alemão Friedrich Schleiermacher (1768-1834)” (HARVEN, 1964, p. 145). É também Harven quem nos informa que a tese básica do liberalismo afirmava que o coração da religião cristã consiste em certas qualidades e estruturas da afeição religiosa das quais as afirmações teológicas são expressões verbais (HARVEN, 1964, p. 145). É preciso que reconheçamos, portanto, que esse movimento se servia de todos os instrumentos de estudo oferecidos pela filosofia de seu tempo Assim, os teólogos liberais sempre afirmavam o “clamor pela razão contra a ortodoxia petrificada e buscou liberdade para a diversidade de crenças na Igreja” (COHEN, s/d, p. 207). De tudo o que vimos até o momento, podemos dizer que o liberalismo teológico procurou adaptar as crenças teológicas às formas de pensar modernas. Essa dependência da modernidade o fez rejeitar qualquer pensamento que se fundamentasse apenas na autoridade. As crenças deveriam passar pelo crivo da razão e da experiência para que fossem aceitas. Desta forma, afirma R.V Pierard, “O idealismo ético de Kant e sua rejeição de todo raciocínio transcendental a respeito da religião tiveram o efeito de limitar o conhecimento e de abrir o caminho para a fé. Schleiermacher introduziu a ideia da religião como uma condição do coração, cuja essência é o sentimento. Esta ideia tornou a doutrina cristã independente dos sistemas filosóficos, e a fé, uma questão da experiência individual de dependência de Deus. Jesus foi a realização perfeita do ideal de uma nova vida de comunhão espiritual com Deus, e esta possibilidade também existia para aqueles que foram trazidos para a comunhão com Ele na Igreja” (PIERARD In ELWELL, Vol II, 1990, p. 426). Além dessa abordagem kantiana e romântica feita por Schleiermacher, mais tarde surgiria uma outra versão do liberalismo que se serviria do platonismo presente nas teses de Hegel. Assim, “a unidade essencial e eterna de Deus e homem se representava completamente no Cristo, mas não só no Cristo. Aparecia em todos os indivíduos” (TILLICH, 1986, p. 166).

O que muita gente ignora e desconhece, é que essa corrente foi fortemente questionada por uma outra escola de teologia que surgiu durante a primeira guerra mundial com a pessoa de Karl Barth. Essa nova tendência de fazer teologia, e que incluía pensadores como Bultmann e Paul Tillich, passou a ser chamada de “Neo-Ortodoxia” ou de “Nova Teologia Reformada”. Segundo nos diz Van A Harvey, esta Nova Teologia, associada com a publicação do comentário à Epístola aos Romanos, feita por Karl Barth em 1918, tinha como seu tema “Deus é Deus”, por meio do qual o pensamento de Barth significava e apontava para três informações: “(1) que existe uma diferença qualitativa infinita entre Deus e o homem; (2) que o pecado é a tentativa de obscurecer esta diferença seja pela experiência religiosa, misticismo ou pelo idealismo moral; (3) que existe essa lacuna e que ela só pode ser preenchida por Deus e não pelo homem é em si mesmo a fé salvadora. Cada uma dessas três teses constituiu em grande escala sobre o protestantismo liberal” (HARVEN, 1964, p. 163). Concordando com essa tese e seguindo nessa mesma toada, encontramos mais uma vez R.V Pierard, para quem “uma ameaça mais séria [ao liberalismo], veio dos sofisticados teólogos da neo-ortodoxia que clamavam pela recuperação da transcendência divina e por uma doutrina realista do pecado. (…) Os neo-ortodoxos sugeriram que os liberais não conseguiram entender a condição real dos homens nem a doutrina de Deus, que poderia fornecer o remédio certo. O cristianismo tinha se transformado num humanismo ético nobre que pouca coisa oferecia àqueles que estavam presos na labuta da vida moderna e, nos seus esforços para não separar o sagrado do secular, identificara por demais estreitamente estes dois” (PIERARD In ELWELL, Vol II, 1990, p. 428).

As diferenças entre os neo-ortodoxos e os liberais eram óbvias e estavam justamente na fundamentação. Enquanto os liberais utilizavam um fundamento cartesiano e kantiano para elaborar sua teologia, os neo-ortodoxos se serviam de autores como Kierkegaard, Nietzsche e Heidegger. Em outras palavras, os liberais eram racionalistas enquanto os neo-ortodoxos eram existencialistas.

A “pá de cal” colocada sobre a sepultura dessa corrente chamada de “teologia liberal”, como de resto, de toda a construção racionalista moderna, foi exatamente a implosão que acarretou a crise da racionalidade moderna – bem assim seu projeto – e a emergência do que se passou a chamar de pós-modernismo. Desta forma, realmente entranho muito quando alguém que deveria ter o mínimo de conhecimento teológico acusa outro de se servir de autores pretensamente membros do “liberalismo teológico” quando, na verdade, estão falando de autores que dedicaram todo o seu esforço para desacreditar essa corrente. Creio que afirmações como essas, ou bem são oriundas da ignorância, ou bem são oriundas da má fé. Prefiro entender que faltou o estudo e que essas pessoas perderam essa importante aula.

Referência bibliográfica:

HARVEN, Van A. A handbook of theological terms. New York: The Macmillan Company, 1964

COHEN, Arthur A. A handbook of Christian theology. s/l: s/ed, s/d.

PIERARD In ELWELL, Walter (Editor). Enciclopédia histórico-teológica da igreja crista. Vol II. São Paulo: Vida Nova, 1990

RUSS, Jacqueline. Dicionário de filosofia. São Paulo: Scipione, 1994

TILLICH, Paul. Perspectivas da teologia protestante nos séculos XIX e XX. São Paulo: ASTE, 1986

 
 
 

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