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Acerca do “viés ideológico” no discurso do governo Bolsonaro

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 26 de jan. de 2019
  • 3 min de leitura
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Reverendo Padre Jorge Aquino.

Passado o período eleitoral em nosso país e esfriado os ânimos das partes mais exaltadas, creio que seria o momento adequado para fazer algumas considerações acerca de um problema que entendo ser recorrente no discurso do governo Bolsonaro.

Pelo que vislumbro nas entrevistas feitas, tanto com o presidente eleito quanto com seus auxiliares mais próximos, parece que existe uma utilização pouco adequada do termo “ideologia”.

Lembro de meus dias de ensino médio na antiga ETFERN e de como o Grêmio Acadêmico estava sempre ligado a um dos partidos de esquerda de nosso país. Esta mesma realidade também verifiquei quando fui aluno da graduação em filosofia na UFRN e no mestrado em filosofia na UFPB. Em outras palavras, a presença de representantes políticos partidários é uma realidade em nossas instituições de ensino. Particularmente não entendo que essa realidade seja saudável vez que instrumentaliza um órgão dos alunos aos interesses de um partido.

Em que pese essa realidade, contra a qual sempre fui crítico, parece-me que o novo governo abusa de nossa consciência em seu discurso de retirar das escolas e da administração pública qualquer “viés ideológico”. A forma como esse desejo é expresso nas entrevistas de pessoas de todos os escalões do governo Bolsonaro e como se usa essa expressão, chega a ser rasteira e extremamente superficial.

Afinal o que é uma “ideologia”? Ora, considerando que a história somente avança por meio do conflito de posturas e de teses, e ciente de que a classe dominante sempre foi muito competente para se manter no poder, precisamos saber quais são os meios que ela utiliza para que possa se manter sempre no poder. É aqui que surge a importância de conhecermos o significado da palavra “ideologia”. A ideologia é um conjunto de ideias crenças e doutrinas, ou melhor, um “conjunto de ideias que explicam” o mundo como ele é; é uma forma de ver o mundo e de olhar para ele, é um sistema de ideias normalmente ligado a um grupo e que legitima certas práticas e situações. Uma ideologia, segundo Edgar Morin, “é um instrumento que mascara interesses particulares sob ideias universais” (MORIN, 1996, p. 29).

Quando retroagimos até o final do século XIX, verificamos que aquele momento histórico testemunhou a luta titânica entre duas teses universalistas que procuravam, não apenas explicar o mundo como ele era, mas prever como seria o futuro. Estas duas ideologias eram o liberalismo e o socialismo. Com o passar do tempo surgem ideologias intermediárias como o neo-liberalismo ou a social-democracia.

É claro que neste breve texto não pretendo me aprofundar sobre essas várias escolas de pensamento. No entanto, o que podemos dizer é que, enquanto a ideologia liberal – à direita – pregava um Estado mínimo e uma economia entregue à mão invisível do mercado, o socialismo – à esquerda – advogava um Estado mais intervencionista e que tivesse um papel mais presente na distribuição da renda.

O que lamento sobre as falas do novo governo em procurar pregar uma nova forma de administração pública sem “viés ideológico” é que, como se pode perceber, não podemos olhar o mundo ou viver nele sem que o observemos a partir de um lugar não-ideológico. Não existe ninguém que não tenha ideologia. Portanto, a pretensa luta para combater o “viés ideológico” nas escolas ou na administração pública é, na realidade, a luta para retirar uma ideologia (o socialismo) e impor outra (o liberalismo). Esta tese que afirma a possibilidade de vivermos sem ideologia é um absurdo que somente satisfaz quem desconhece o assunto. Não se pode viver sem pré-conceitos, sem pré-noções, sem verdades absolutas ou meta-narrativas que nos são impostas pela nossa criação, educação, sociedade, religião, etc. Viver em sociedade é viver em um eterno conflito ideológico.

Essa tentativa de pregar a existência de um mundo a-ideológico é, para dizer pouco, uma forma de procurar enganar as pessoas. Sejamos honestos. Simples assim. Se o governo Bolsonaro não se afina com o socialismo, que seja honesto o bastante para admitir que seu desejo é retirar o “viés ideológico socialista” das escolas e da administração pública. Não podemos aceitar a utilização desse discurso simplista que, na verdade, desconsidera a complexidade do tema e que somente satisfaz os incautos. É importante que nos informemos mais. Contudo, mais importante ainda, é que conheçamos melhor os grandes temas de nossa sociedade.

Referência Bibliográfica:

MORIN, E. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Publicações Europa-América, 1996

 
 
 

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